Desonerar folha ou combater déficit público? Os dois juntos não dá
Prorrogada até 2027, por votação na Câmara e no Senado, a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores econômicos foi vetada pelo presidente Lula, nesta quinta-feira (23). Inaugurado no governo Dilma, em 2012, para ser temporário, depois de onze anos de vigência, o benefício, que seus críticos classificam como privilégio, deixará de valer no fim de 2023, se o veto não for derrubado no Congresso.
É provável, porém, que o veto presidencial seja derrubado. É o que dizem lideranças partidárias e parlamentares mais envolvidos com a medida. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) anunciou que o veto será analisado até o fim do ano. O Congresso já derrubou veto semelhante do ex-presidente Jair Bolsonaro sobre o mesmo tema.
Renúncias fiscais e desonerações chegam a R$ 450 bilhões por ano
Há uma evidente contradição entre os insistentes apelos por cortes de gastos públicos com a enxurrada de desonerações e renúncias fiscais — gastos tributários no jargão econômico. No Orçamento de 2023, estão previstos R$ 450 bilhões em gastos tributários. Esse total equivale a 4,3% do PIB e corresponde a mais de 20% da previsão de arrecadação administrada pela Receita Federal.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, acena com proposta integrada de taxação reduzida de empresas, juntamente com a adoção da tributação de lucros e dividendos, quando da tramitação no Legislativo do projeto de reforma tributária da renda e do patrimônio. É o caminho mais apropriado para o caso, mas dificilmente será aceito pelo lobby dos setores que, depois de uma década, deixariam de ser de receber o benefício da desoneração, sem apresentar contrapartidas convincentes.
Risco de aumento do desemprego é pequeno
O veto de Lula deflagrou uma artilharia de declarações de lideranças empresariais, dos setores atingidos e de também de outros não beneficiados, em defesa da desoneração. Um fogo de barragem de números sobre fechamento de vagas de emprego e de perdas na arrecadação pública com o veto veio a público, em defesa da menor contribuição à Previdência para um grupo restrito de setores.
Um clássico dos lobbies setoriais por privilégios tributários, o argumento do risco do aumento do desemprego nos segmentos que deixarão de ser beneficiados foi logo sacado. O mais provável, contudo, é que esse risco seja pequeno.
Se a desoneração não foi capaz de gerar muitos novos empregos, por que razão o fim da desoneração produziria desemprego em massa, exceto na hipótese de uma chantagem dos setores atingidos? Além disso, vale perguntar: quantos empregos a recuperação da arrecadação, com o fim da desoneração, poderia gerar?
Em vez de contribuir para o INSS com 20% da folha de pagamento, os setores beneficiados com a desoneração, recolhem entre 1% e 4,5% da receita bruta para a Previdência. Entre os setores desonerados estão comércio, agropecuária, transporte, construção civil, automobilístico, e comunicação.
Setores desonerados reduziram empregos
Na montanha de gastos tributários, considerando aquela parte enquadrável como privilégio pelos auditores fiscais federais, a desoneração da folha ocupa a décima posição, com renúncias fiscais perto de R$ 10 bilhões anuais. Em onze anos de vigência da desoneração os setores beneficiados deixaram de recolher perto de R$ 150 bilhões.
A coluna publicou, em 13 de setembro, texto com resumo de estudo publicado em 4 de setembro, no Boletim Radar, órgão de divulgação de estudos e pesquisas do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), de autoria do pesquisador Marcos Hecksher, sobre os impactos da desoneração da folha no emprego. O estudo conclui que os setores desonerados não estão nem entre os que mais empregam trabalhadores nem entre os que mais ampliaram a oferta de vagas, nos 11 anos em que foram beneficiados pela desoneração da folha.
De 2012 a 2022, o conjunto de todos os setores com folha desonerada, na verdade, reduziu sua participação nos totais de trabalhadores ocupados. Eles respondiam por 20,1% dos postos de trabalho, mas, pouco mais de uma década depois de ininterrupto benefício, empregam 18,9% do total de ocupados. A renúncia fiscal, em resumo, não resultou em aumento do emprego que objetivava.
A explicação para a existência dessa persistente renúncia fiscal é a mesma para outras que acabam tornando o sistema tributário brasileiro é caso extremo de ineficiência fiscal e iniquidade social: a força dos grupos de pressão que conseguem impor seus interesses específicos aos governos ou aos parlamentares, no Congresso.
O pesquisador Hecksher, autor do estudo, observa que a presença de segmentos de mídia — empresas jornalistas e emissoras de rádio e TV — entre os setores desonerados contribuiu para influenciar a decisão de manter a desoneração. "O debate sobre alcançar uma tributação mais eficiente e equitativa requer base comum de informações acuradas e verificáveis, que permita ir além do mero embate entre grupos de pressão", diz ele.
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