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Mariana Londres

REPORTAGEM

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Guerra da Ucrânia pressiona presidente eleito a controlar contas

Guerra da Ucrânia completou oito meses e não há sinais de que irá se encerrar. 2023 será ano de retração global - GLEB GARANICH/REUTERS
Guerra da Ucrânia completou oito meses e não há sinais de que irá se encerrar. 2023 será ano de retração global Imagem: GLEB GARANICH/REUTERS

Do UOL, em Brasília

03/11/2022 04h00

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Nos seus oito meses, a guerra na Ucrânia revelou, de forma surpreendente, uma maior resiliência do Brasil e outros emergentes ao enfrentar crises financeiras globais. O dado é positivo, mas, segundo especialistas, a guerra irá se prolongar, e o maior desafio financeiro ainda está por vir, em 2023: com a retirada de estímulos, inflação alta e baixo crescimento mundial. Para conseguir sobreviver a esse período, o Brasil não poderá errar em um ponto de consenso entre economistas: a política fiscal.

Além do caminho que deve percorrer, do equilíbrio das contas públicas, eu mapeei oportunidades que o conflito poderá trazer para o Brasil. Conversei com dois economistas que acompanham os impactos da guerra, e perguntei se o conflito, apesar de todos os problemas, poderia abrir novos mercados. A resposta foi que as oportunidades até agora foram, e tendem a continuar, tímidas.

"O custo da guerra é muito alto, porque impacta em desaceleração econômica e inflação. A partir de 2023, isso vai cobrar um custo maior, porque os juros estão subindo, a inflação está muito preocupante, nos EUA não sai do patamar de 8%, e a China tem problema de energia e de desaceleração de crescimento. O Brasil não pode se beneficiar da exportação de petróleo, por exemplo, porque não tem capacidade de refino, exporta óleo, mas tem que importar gasolina e diesel. O Brasil só tem oportunidade de exportar mais alimentos e commodities, mas isso só em 2024, em função da retração econômica global no ano que vem", diz Simão Silber, professor da FEA-USP.

Para Roberto Padovani, economista-chefe do banco BV, diante do cenário de incertezas globais, o Brasil pode ser beneficiado se for considerado um porto seguro para investimentos.

"O conflito na Ucrânia adicionou incertezas e isso não é bom para ninguém. O debate agora é sobre o crescimento global no ano que vem. O crescimento deve perder força, e queremos saber o quão intensa vai ser essa desaceleração. Isso nos traz um custo. Mas também traz uma oportunidade por esse choque acontecer em um momento em que o Brasil aprendeu sobre ele mesmo, mostrando que talvez sejamos mais estáveis, o que acaba atraindo fluxos comerciais e de capitais".

Para o analista, os mercados financeiros locais têm mostrado um certo descolamento do que ocorre nos mercados internacionais, algo que não havia acontecido em outras crises financeiras globais, na década de 80/90, quando o banco central americano aumentou os juros em proporção menor do que de agora, e após a crise de 2008.

"O Brasil pode ter um cenário mais estabilizado do que se imaginava. Isso é uma surpresa. Especialmente em ano eleitoral. O Brasil é um dos poucos países que tem feito reformas importantes desde 2016, o que qualitativamente ajuda a tornar o país mais resiliente. Há muitos choques externos, mas essas reformas aparentemente ajudam a amortecer esses choques. Essa é uma explicação que faz sentido. O Brasil parece ter tornado a sua economia mais resistente a choques".

Os economistas concordam que o grande desafio do Brasil para 2023, e o ponto em que não se pode errar, é a gestão das contas públicas.

"Não podemos errar na política fiscal no ano que vem. Não há espaço para loucura, porque o mercado cobra muito rápido: os investimentos saem, o real se desvaloriza e coloca mais lenha na fogueira da inflação. O grande nó da República é o orçamento. Há muitas desonerações hoje, então é preciso aumentar receita e não apenas controlar o gasto. Qualquer que seja o presidente há esse grande desafio, e vejo com uma saída um programa de privatizações e concessões robusto, que ainda não aconteceu", diz Silber.

Para Padovani, o país não pode adicionar incertezas locais a um cenário global tão complexo.

"O Brasil tem milhões de desafios, mas no curto prazo o maior é a gestão das contas públicas. Primeiro porque nossa dívida pública é alta, e cara, pelos juros elevados. Depois de vários anos de ajuste fiscal há demandas por reajuste de servidor, demandas sociais, e o governo vai enfrentar esse desafio. Mas essa demanda acontecendo em momento de menor crescimento, você vai ter menos arrecadação. Esse gap pode ser coberto por impostos, o que é menos provável, até porque estamos abrindo mão de arrecadação, e sem impostos, o caminho natural para cumprir a diferença de receita e despesa é dívida. Há portanto a possibilidade de se aumentar a dívida. Esse tema é crucial porque se a gente esquecer das restrições, se perdermos o medo de ter dívida, isso pode assustar investidores no Brasil e no mundo. Quando você tem restrições de crédito no mundo, aumentar a dívida é muito arriscado. Meu principal receio é a gestão das contas públicas num contexto global complicado."