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Mariana Londres

REPORTAGEM

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Governo abre frente contra juros de cartão, e bancos reagem à ideia de teto

Fazenda montou grupo de estudos para encontrar solução para os juros do cartão - Getty Images
Fazenda montou grupo de estudos para encontrar solução para os juros do cartão Imagem: Getty Images

Do UOL, em Brasília

07/04/2023 04h00

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Depois de defender publicamente a queda da Selic (taxa básica de juros) e votar pela redução dos juros do crédito consignado (incluindo do rotativo do cartão), o governo abriu uma nova frente contra os juros altos. O ministério da Fazenda montou um grupo de estudos para encontrar soluções para limitar os juros do cartão de crédito. A expectativa é que os técnicos não demorem para apresentar uma alternativa. Em paralelo, o Congresso Nacional discute a criação de um teto para os juros do rotativo do cartão. Deputados querem limitar a modalidade a 8% ao mês.

Em fevereiro, os juros dessa modalidade chegaram a 24,02% ao mês, (417,4% ao ano), segundo dados do Banco Central.

Os bancos, no entanto, reagiram à ideia. A Febraban (Federação dos Bancos) argumentou por meio de seu presidente em evento, que colocar um teto nos juros do cartão de crédito causaria distorções em um mercado em que 95% dos usuários usam apenas a modalidade de parcelamento sem juros. Limitar os juros do rotativo poderia, portanto, impactar a modalidade das compras parceladas sem juros ou as tarifas de intercâmbio (TIC). As tarifas de intercâmbio são definidas pelas bandeiras e cobradas para remunerar os emissores de cartões e compõe a taxa paga pelos lojistas.

O presidente da Febraban, Isaac Sidney, disse: "O modelo de tabelamento, de teto, em cartão é o menos aconselhável possível, pois gera distorções. Temos de encontrar mecanismos que ataquem as causas. E uma das causas relevantes para o juro do rotativo ser alto é o chamado parcelamento sem juros no cartão. A gente precisa discutir esse ponto".

As instituições financeiras disseram também que:

  • Apenas 5% dos usuários de cartão de crédito pagam juros:
  • O mercado de cartão de crédito movimenta R$ 2 trilhões por ano, ou 21% do PIB;
  • 40% do consumo das famílias é feito por cartão de crédito.

Para reduzir as taxas, segundo os bancos, é preciso atacar a principal causa, que é o nível elevado de risco da operação, principalmente pela ausência de garantias e de colateral (ativos dados em garantia) da modalidade.

O crédito rotativo do cartão é acionado de forma automática quando o correntista atrasa ou paga apenas parte da fatura na data do vencimento, o que não o torna inadimplente. Mas como os juros são os mais caros do mercado brasileiro, se ele não quitar a dívida em um prazo muito curto, ela se multiplica e fica impagável. Gestores de patrimônio e analistas recomendam que a dívida no cartão de crédito seja evitada, e, caso seja contraída, que seja rapidamente trocada por uma linha mais barata.

Para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, os juros do cartão de crédito são tão abusivos quanto os do cartão de crédito do consignado a aposentados e pensionistas do INSS, que foram limitados pelo conselho da Previdência: "É outro abuso, é ruim para a própria imagem dos bancos. Independente da alta da Selic, os juros do rotativo estão estratosféricos".

A criação do grupo de estudos por parte da Fazenda deve dar tração a projetos já em tramitação na Câmara dos Deputados para limitar os juros do rotativo do cartão de crédito para 8% ao mês, a exemplo do que foi feito com os juros do cheque especial em janeiro de 2020.

Em paralelo ao grupo de trabalho sobre os juros do cartão de crédito, Haddad discute com o BC a possibilidade de parcelamento das compras pelo PIX, sem explicar, no entanto, quais seriam os juros do parcelamento ou se haveria a modalidade sem juros.

O que dizem os projetos apresentados na Câmara?

Em fevereiro, o deputado petista Lindbergh Farias (RJ) apresentou o PL 574/2023. O texto prevê limite de 8% ao mês (como no cheque especial), para pessoas físicas ou MEIs. O projeto aguarda despacho da presidência da Câmara para tramitar nas comissões.

No final do ano passado, o líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), apresentou o PL 2685/2022 que cria um programa de renegociação de dívidas, muito semelhante ao Desenrola, e limita os juros do rotativo do cartão de crédito também a 8% ao mês. O texto prevê que a limitação seja feita pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e os juros não ultrapassem os do cheque especial.

Qual o cenário de aprovação?

Deputados da base governista mostram apoio à ideia de limitar os juros do cartão e os autores têm bastante poder de mobilização, mas deve haver debates com os bancos. Quando o CMN limitou os juros do cheque especial, em novembro de 2020, o conselho autorizou outras cobranças para compensar as perdas.

De acordo com o BC, o crédito concedido pelas instituições financeiras no cartão de crédito rotativo somou R$ 341,7 bilhões no ano passado, superando outras modalidades de crédito, mas ficando abaixo, em volume, do cheque especial. No mesmo período, o cheque especial para pessoa física somou R$ 430 bi, o consignado (desconto em folha) R$ 199 bi, e o crédito pessoal não consignado R$ 179 bi.

A solução para limitar os juros do cartão de crédito não virá necessariamente do Legislativo, mas a discussão feita no Congresso tende a pressionar a opinião pública e acelerar uma discussão sobre o assunto dentro do CMN, a exemplo do que ocorreu com os juros do cheque especial. Nada impede que os projetos no Congresso andem mais rápido que os estudos feitos pela Fazenda. A tendência é de convergência, já que o apoio à redução dos juros do cartão vem de aliados políticos.

Como os bancos reagiram negativamente à proposta de simplesmente ser colocado um teto, é possível que alguma solução alternativa seja encontrada.

O que diz a Febraban?

A entidade se pronunciou em nota, dizendo que tem como prioridade a redução do custo do crédito, defendendo um amplo debate para a construção de uma solução. Completou dizendo que: "O modelo de tabelamento em cartão não seria o mais aconselhável, pois gera distorções no preço, na oferta e na demanda. É necessário encontrarmos, portanto, mecanismos que possam endereçar as causas do elevado spread".

O que diz a Abecs?

A Abecs, associação que representa as empresas de meios eletrônicos de pagamento, disse, também por meio de nota, que "acompanha com atenção as discussões acerca dos juros do crédito rotativo e, ao longo do tempo, vem promovendo estudos com o objetivo de encontrar alternativas que possibilitem a prática de taxas cada vez menores no mercado.

A indústria de cartões como um todo é um sistema equilibrado, porém complexo e com diversas particularidades. Esse equilíbrio permite ao cartão fomentar o acesso de milhões de brasileiros ao sistema financeiro todos os anos e ser o principal instrumento de financiamento ao consumo do País.

Uma das principais características do mercado é ter a maior parte do seu volume movimentado, em torno de 76%, sem qualquer cobrança de juros ao consumidor. Soma-se a isso, por exemplo, a impossibilidade de se cobrar tarifas por novos serviços disponibilizados a consumidores e estabelecimentos comerciais, não obstante a constante e rápida inovação do setor.

A Abecs entende que qualquer alteração no equilíbrio do sistema deve ser profundamente debatida, dada a relevância das transações com cartões - que representam cerca de um terço do PIB brasileiro - para o desenvolvimento da economia e da sociedade. A Associação reforça seu compromisso de colaboração e está à disposição do regulador e do governo federal para contribuir na busca por mais eficiência e redução do custo de crédito para os consumidores".