Mariana Londres

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FGTS: avança projeto para substituir saque-aniversário por consignado

Avança dentro do governo e com o Congresso o debate para acabar com a modalidade do saque-aniversário do FGTS e substituir pelo empréstimo consignado. Ou seja, em vez de tirar uma parcela do fundo todos os anos, o que hoje é permitido pelo saque-aniversário, o trabalhador vai poder fazer um empréstimo com juros mais baratos. Isso seria chamado de consignado social, como existe para servidores e aposentados do INSS, mas não para o trabalhador com carteira assinada.

A mudança, no entanto, não é simples, pois há muitos riscos a serem considerados.

Quais os pontos positivos e negativos da mudança?

Positivos: o trabalhador não reduz o valor total do que tem no fundo de garantia, ou reduz menos, a depender do desenho, e nem perde o direito de sacar o valor total em caso de demissão sem justa causa (por dois anos após a opção pelo saque-aniversário), como ocorre hoje. A manutenção do volume de recursos na conta do trabalhador também permite um volume maior de financiamentos habitacionais, como os do Minha Casa Minha Vida.

Negativos: em vez de apenas embolsar um valor anualmente, o trabalhador vai fazer um empréstimo (essa é a tendência, já que há pontos em aberto no projeto). Se considerarmos que muitos bancos já fazem empréstimos usando o saque-aniversário anual, adiantando os valores do saque-aniversário dos próximos anos, esse ponto pode se tornar positivo porque os juros tendem a ser menores no consignado. Há um risco também para o financiamento de projetos habitacionais e de infraestrutura, que eu explico mais abaixo.

Dúvidas: segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), ainda não está definido se as parcelas do empréstimo serão descontadas diretamente do fundo, como ocorre no consignado do servidor, com desconto das parcelas já em folha, ou se o trabalhador irá pagar as parcelas com recursos próprios eos recursos só serão retirados do fundo em caso de inadimplência.

Quem é a favor e quem é contra?

A favor: O grande defensor da mudança é o ministro do Trabalho, Luiz Marinho. Ele é contra o saque-aniversário porque os trabalhadores que optam pela modalidade ficam sem acesso ao total do fundo por dois anos em caso de demissão sem justa causa.

Eu conversei com o ministro, e ele me explicou o seguinte: "Oito milhões de trabalhadores foram demitidos e não conseguem sacar, esse número pode aumentar. Eu quero dar o direito de ele sacar o que é dele, ao mesmo tempo garantir um crédito com o lastro da folha de pagamentos. Extinguir o saque-aniversário e dar outra opção: o consignado na folha de pagamento, que o servidor tem, o aposentado tem, mas o trabalhador não tem".

Contra: A oposição no Congresso. O saque-aniversário foi criado em 2019 por lei aprovada no Congresso, durante o governo Bolsonaro. Os bancos também já se manifestaram contra.

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O que falta para avançar na mudança?

  • A finalização de um projeto de lei do Executivo, que deve ser enviado ao Congresso. Ainda não está claro qual será a regra para os 8 milhões que foram demitidos e não podem acessar o fundo. Segundo o MTE, a soma dos recursos dos trabalhadores que não puderam acessar o fundo e fizeram empréstimos é de R$ 100 bilhões, e esses recursos não podem compor o Fundo de Investimento por estarem alienados aos bancos a partir do crédito que os trabalhadores contrataram.
  • O convencimento político no Congresso para que se tenha maioria para aprovação, o que ainda precisa de avanços.
  • O governo precisa finalizar o sistema para viabilizar a mudança. A operacionalização deve ser feita por meio de plataformas digitais, do e-Social e do FGTS.

Como é a regra de saque-aniversário hoje?

A modalidade de saque-aniversário foi criada em 2019 e passou a valer em 2020. Ela permite que o trabalhador saque uma fração do fundo por ano no mês do aniversário, o que funciona como um socorro emergencial. Há uma alíquota para isso, quanto maior o volume do fundo, menor a alíquota.

O problema é que quem opta por essa fração anual não pode acessar o saldo do fundo caso seja demitido (o saque-rescisão). O trabalhador pode voltar para opção de saque-rescisão, mas há um prazo de dois anos. Quem for demitido nesse período não consegue sacar o saldo.

Exemplo: Um trabalhador que tem R$ 10 mil na conta do FGTS optou pelo saque aniversário em fevereiro de 2024. Sacou R$ 2.650 em 2024 (percentual permitido pelo saldo, R$ 2.000 + parcela adicional de R$ 650).

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Se ele for demitido em 2024, vai receber os 40% da multa sobre o que foi depositado pela empresa no fundo (R$ 4.000), mas não poderá sacar o saldo (R$ 7.350), que continuará na conta do trabalhador. Ele só poderá sacar em caso de demissão sem justa causa dois anos depois de pedir a volta para o saque-rescisão ou nos demais casos previstos em lei (compra de casa própria ou doença grave).

Quais os riscos que precisam ser avaliados para as mudanças?

Corrida ao saque-rescisão: Caso todos os trabalhadores que foram demitidos desde o início da vigência da lei e não tenham conseguido acessar o total do fundo (os 8 milhões citados pelo ministro) retomem o direito de acessar os recursos imediatamente, a corrida ao saque-rescisão tiraria um montante do fundo de uma só vez.

Alteração para os recursos para habitação: Essa corrida teria impacto nos recursos para infraestrutura e habitação. Operações do FGTS no setor somaram R$ 389,6 bilhões em 2022 só no financiamento habitacional. Por outro lado, liberar recursos que estão alienados em empréstimos injetaria recursos na economia.

Rentabilidade do fundo: A rentabilidade do fundo também poderia ser comprometida, e a distribuição dos resultados, que caem na conta dos trabalhadores - também seria reduzida. O deputado Reginaldo Lopes (PT/MG), que acompanha o debate, me falou sobre as questões que precisam ser equalizadas: "Há dois ganhos quando o dinheiro fica depositado no fundo. Primeiro aos correntistas, a remuneração pelo IPCA. E quando há o investimento no Minha Casa Minha Vida a remuneração é maior, aos acionistas, e há o ganho social do financiamento da casa em melhores condições", disse à coluna.

Alíquotas: Outro ponto que ele defende é em relação às alíquotas: "Defendo que as alíquotas do consignado sejam as mesmas do saque-aniversário".

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Saque-aniversário também prejudica financiamentos: Segundo o secretário de Proteção ao Trabalhador do Ministério do Trabalho, Carlos Augusto Simões Gonçalves Júnior, em audiência na Câmara dos Deputados, se não houvesse a modalidade do saque-aniversário entre 2020 e 2022, cerca de 662 mil famílias poderiam ter sido beneficiadas por programas de habitação popular.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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