Governo aposta em calmaria, mas pressão sobre o dólar se mantém
A avaliação do governo ao valor recorde do dólar a R$ 6,30, a partir de falas públicas, é a de que o câmbio deve se acomodar a partir da próxima semana, quando, no cenário da equipe econômica, o Congresso terá aprovado, até sábado (21), as medidas de contenção do crescimento dos gastos que foram enviadas pelo governo.
Outro ponto citado pelo governo, é de que há um componente especulativo na alta do dólar, não se tratando, portanto, de um problema estrutural.
Enquanto isso, as autoridades (monetária e fiscal) lançam mão dos instrumentos que têm à disposição para conter a escalada da moeda americana: leilões de dólar pelo Banco Central e recompra de títulos da dívida pública pelo Tesouro.
Voltando ao pacote de gastos, que é uma questão central neste debate: mesmo com as medidas desidratadas pelo Congresso, que é o que se desenha, novas propostas de ajuste fiscal não devem ser discutidas ou anunciadas em 2024.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, diz, de forma reiterada, que o ajuste fiscal não terminou, mas o debate, se voltar ao Palácio do Planalto, não será nos próximos dias.
O que pode acontecer no curto prazo, no sentido de melhorar a percepção sobre a responsabilidade em relação às contas do país, é uma sinalização positiva do presidente Lula na reunião ministerial que pretende fazer nesta sexta-feira (20). Já se a sinalização for negativa, a pressão sobre os ativos pode se acentuar ainda nesta semana.
A fala do futuro presidente do Banco Central, Gabriel Gapípolo, nesta quinta-feira (19), de que nas conversas entre o presidente Lula e Haddad há o reconhecimento de que existem problemas fiscais, alimentou a expectativa de que Lula pode fazer uma sinalização positiva.
Além da questão do pacote, há outro problema a ser resolvido, como foi lembrado também pelo ministro da Fazenda na sua última fala pública: as desonerações da folha e o Perse deixaram um buraco no Orçamento do país para o próximo ano, estimado em cerca de R$ 20 bilhões. O ministro não disse, mas sinalizou com essa fala, que medidas compensatórias (ou seja, de aumento de arrecadação) precisarão ser aprovadas no Congresso, ou editadas pelo governo até 31 de dezembro, para fechar esse buraco.
Uma medida como essa, mesmo sendo necessária, amplia a percepção do mercado de que o governo só atua pelo aumento de receitas, mas tem dificuldades de cortar gastos. O resultado deve ser mais pressão sobre o dólar e outros ativos.
O cenário, como podemos ver, é de muitas incertezas, e podemos incluir ainda a LOA (Lei Orçamentária Anual), que pode não ser aprovada até o final do ano (o que já aconteceu no passado, mas nunca é o ideal).
O que nos trouxe até aqui?
- O problema fiscal do País, de descontrole das contas públicas, não é deste governo, é histórico. O nível de juros cobrados no país estão no centro do problema, mas não se resolve uma coisa sem resolver a outra: com o descontrole das contas, os compradores da dívida do governo cobram mais para emprestar esse dinheiro, e os juros sobem.
- Havia a expectativa de que o problema fiscal seria endereçado pelo presidente Lula. De fato foi: um novo marco fiscal foi aprovado no ano passado, o arcabouço fiscal, com a participação do Congresso. A aprovação do arcabouço foi positiva, mas ele foi considerado insuficiente para conter o avanço das despesas e correções não foram feitas.
- Com a aprovação do arcabouço e de medidas para conter a erosão fiscal no ano passado, o dólar em dezembro de 2023 era de R$ 4,86. Agora está na casa dos R$ 6,30. É verdade que há questões internacionais: o dólar foi subindo no mundo neste ano com a eleição de Trump e crescimento menor da China. Mas no Brasil ele subiu mais do que nas demais economias emergentes. O motivo: o nosso problema fiscal doméstico.
- Com essa piora do cenário ao longo do ano, havia uma expectativa grande de um pacote de corte de gastos pelo governo. O pacote não trouxe medidas de corte de gastos, mas de contenção do crescimento dos gastos, e foi considerado insuficiente. O problema das emendas com o Congresso e o tempo apertado levaram à desidratação das medidas no Congresso.
- A expectativa atual é de que novas medidas sejam propostas, mas não há sinais de disposição do governo, do Congresso e do Judiciário de cortar.
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