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Ele abriu salão de beleza na periferia; agora fatura R$ 2 mi/ano no Morumbi

Dono de salão em shopping do Morumbi, o cabeleireiro Bruno Sodré começou trabalhando de forma improvisada na lavanderia da casa dos pais. - Divulgação
Dono de salão em shopping do Morumbi, o cabeleireiro Bruno Sodré começou trabalhando de forma improvisada na lavanderia da casa dos pais. Imagem: Divulgação

André Aram

Colaboração para o UOL, do Rio

12/03/2021 04h00

"Saiu do Capão Redondo, mas o Capão não saiu dele." O cabeleireiro Bruno Sodré, de 34 anos, não esquece da declaração escrita em um site de reclamação por uma cliente irritada, que não foi atendida por ter o cabelo reprovado no teste anterior a uma coloração de mechas. A cliente fez referência ao bairro de periferia onde ele começou seu salão, na zona sul de São Paulo.

Ele não se abala. Suas origens o enchem tanto de orgulho que uma foto viralizou mostrando o lugar onde ele começou e onde ele trabalha atualmente. Após iniciar em um improvisado salão na lavanderia da casa dos pais, em 2013, Sodré hoje fatura R$ 2 milhões por ano.

Ele já atuava em um sobrado no Morumbi, mas, em meio à pandemia que soterrou tantos pequenos negócios, ele se mudou para um megaespaço de 400 m² em um shopping do bairro. Agora, o plano é lançar sua própria linha de cosméticos.

Capão Redondo x Morumbi

A minha empresa não é uma gigante do mercado, mas a gente conseguiu sobreviver muito bem e ainda expandir para um shopping. Não tive medo e encarei com realidade
Bruno Sodré, cabeleireiro

Aberto no fim de 2020, o novo salão contrasta com seu primeiro local de trabalho. Vizinho de lojas como Dudalina, Bobô e Rosa Chá no shopping Morumbi Town, o local possui 26 cadeiras para clientes, seis lavatórios, espaço para café, além de sala de maquiagem e de design de sobrancelha. No salão caseiro, de 10 m², mal cabiam as duas cadeiras e o lavatório. A decoração, diz Sodré, era minimalista.

Trabalhou ali durante cinco anos até ter dinheiro e clientela para expandir a operação. Transferiu-se para um casarão de dois andares de 215 m² no Morumbi, que tinha paredes repletas de longos espelhos verticais com iluminação amarela discreta. Tudo inspirado na modernidade dos salões de Nova York, que Sodré só conhecia de pesquisas no Google.

A saúde financeira permitiu a Sodré enfrentar a crise econômica causada pela pandemia que já dizimou diversas empresas. Por quatro meses, pagou salário integral aos 17 funcionários que estavam em casa sem trabalhar e não negociou o aluguel do imóvel. Com receita zero, cobriu as despesas com o caixa da empresa, mas não diz que foi fácil.

A gente teve um buraco financeiro, sim. Mas eu sabia que minhas clientes estavam me esperando. Já na primeira semana em que reabrimos e em todos os meses seguintes, estávamos com a agenda cheia.

Em média, os cuidados com os cabelos custam R$ 230. Pacotes que incluem corte, coloração, hidratação e outros tratamentos saem por R$ 800. Se o objetivo for ter o cabelo cortado pelas mãos de Sodré, não sai por menos de R$ 250.

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O empresário Bruno Sodré em seu novo salão de beleza de 400 metros quadrados em shopping do Morumbi.
Imagem: Divulgação

Empréstimo no banco para expandir

Aperto mesmo, Sodré sentiu em 2017, porque suas economias não eram suficientes para custear integralmente a primeira mudança. "Para reformar [a casa] e comprar os móveis, foram quase R$ 130 mil em empréstimo no banco."

Preocupado com a dívida, ele teve depressão e crise de pânico, além de perder cabelo. A imagem que ganhou mais de 188 mil curtidas e viralizou nas redes sociais mostra uma cena significativa deste capítulo de sua vida.

Ela mostra lado a lado dois momentos: no primeiro, o cabeleireiro em frente à lavanderia; no segundo, junto da equipe e segurando uma garrafa de espumante diante do salão no Morumbi. Na ocasião, ele celebrava a quitação da última parcela da dívida.

Pais tinham uma pizzaria

Mesmo com um começo modesto, ele não teve uma infância com restrições. Os pais tiveram uma pizzaria, o que permitiu a ele e ao irmão mais velho estudarem em escola particular.

A situação mudou quando o negócio faliu no fim dos anos 1990. "Ficamos sem nada. Sai do colégio, vendemos carro, perdemos casa e eles ainda caíram em golpes financeiros. Não tínhamos aonde ir e fomos morar de favor na casa de um tio no Capão Redondo", lembra.

Clientela famosa e ponte aérea SP-Dubai

Do Capão Redondo para o Morumbi, a clientela mudou 99%, diz ele. Algumas seguem fiéis. "Tem cliente do Capão que até hoje me prestigia."

Uma de suas clientes famosas é a jornalista Carla Vilhena. Apresentadora da CNN desde outubro de 2020, ela não mora no Capão, mas conhece Sodré desde quando ele batalhava para ter um salão próprio.

"Na primeira vez em que tocou no meu cabelo, já vi que tinha talento", contou ao UOL. A partir dali, confiou suas madeixas a ele em momentos cruciais da carreira, como sua reestreia na TV quase dois anos após sair da Globo, em janeiro de 2018.

Chorei de emoção no dia em que entrei no maravilhoso salão que ele inaugurou. Só quem acompanhou toda a trajetória desse menino simples e obstinado pode sentir o que significa tudo isso. O Bruno não esquece as origens nem o caminho difícil que percorreu
Carla Vilhena, jornalista e apresentadora da CNN

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O empresário Bruno Sodré em Dubai, onde trabalha preparando modelos de uma agência.
Imagem: Divulgação

Diariamente, passam pelo salão em torno de 20 clientes. No local anterior, eram 15 por dia e no Capão, 8.

Ele faz até trabalhos internacionais: cuida dos penteados das modelos de uma agência de Dubai. Diz que viaja às vezes apenas para atender a proprietária da empresa, que descobriu seu trabalho pelo Instagram enquanto estava no Brasil.

Ela gostou do trabalho e o convidou para ir ao Oriente Médio. As modelos produzidas por ele estampam revistas como Vogue e Marie-Claire Arabia.

Ele pede para o nome da empresária não ser citado e não revela o valor do serviço. O preço de um voo São Paulo-Dubai não sai por menos de R$ 5.800.

Diversidade na equipe

A maioria dos funcionários é de LGBTs e negros, mas Sodré diz que isso não é intencional. "Eu não pergunto nada sobre a sexualidade da pessoa que vem fazer a entrevista. Se ela sabe fazer bem a sua função, tá contratada. Se eu acreditei nele, como acreditaria em qualquer outra pessoa, dou a oportunidade. Não faço nada por eles, eles que trabalham bem. Eu só reconheço isso".

Quem se sentar na minha cadeira vai ter que aceitar que uma trans fará o cabelo dela ou pode se levantar e sair. Mas minha colaboradora trans vai, sim, continuar ali, numa posição em que talvez nunca imaginou estar.

Quando adotou um figurino feminino, foi alvo de ofensas virtuais, especialmente de mulheres.

Eu não me sinto uma mulher trans. Não acredito no feminino ou masculino na questão de roupa, cabelo e make. Eu me aceito muito bem sendo um homem gay e podendo ter a liberdade de me vestir como quero.

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Dono de salão de cabeleireiro, o empresário Bruno Sodré expandiu no meio da pandemia e fatura R$ 2 milhões
Imagem: Divulgação

Linha de cosméticos

O plano de Sodré agora é lançar uma linha de produtos de higiene e beleza com seu nome. Ele prefere não revelar o fabricante dos xampus, condicionadores e máscaras capilares, ainda em fase de negociação.

Hoje fora do Capão, ele mora no bairro em que fica seu salão. Ainda assim, continua ouvindo ofensas por causa de sua origem.

Os haters trazem a periferia como algo pejorativo, pensando que me atingem citando o Capão Redondo. Minha família, meus amigos e minha história são de lá. Só estou aqui hoje porque saí de lá. Nem tem como isso me afetar. Eu sou grato.