Boatos sobre economia o assustam? Constituição proíbe confisco de poupança
O confisco da poupança realizado no governo Fernando Collor em 1990 foi tão traumático para os brasileiros que muitos ainda temem a possibilidade de o governo implementar essa medida como forma de combater a inflação e a crise na economia.
Boatos insistentes de confisco das contas da poupança e do FGTS têm circulado pelas redes sociais desde que a presidente Dilma Rousseff assumiu o segundo mandato.
Se você tem medo disso, especialistas ouvidos pelo UOL dizem que, na democracia, isso não é possível:
- A Constituição proíbe confiscos
- Se a lei fosse mudada, demoraria e ninguém seria pego de surpresa
- A Justiça julgaria qualquer confisco inconstitucional
- Um confisco poderia acontecer só numa ditadura
Depois de Collor, a Constituição foi mudada por Emenda
Em fevereiro, o Ministério da Fazenda emitiu um comunicado informando que não há possibilidade de haver confisco da poupança.
A situação é diferente da época de Collor, e a Constituição agora proíbe qualquer confisco. A Constituição é de 1988, a mesma do governo Collor, mas foi feita uma Emenda em 2001 que proibiu essa prática. Emenda é a forma pela qual a Constituição pode ser alterada legalmente.
Ainda assim, muitas pessoas se assustam quando ouvem falar do assunto. O medo da publicitária Lidia Barbosa, 53, de Curitiba, foi tanto após ter ouvido várias vezes o boato que ela e a família resolveram tirar as economias da poupança e dividir em várias pequenas aplicações e bancos. "Estava tudo num banco só, estamos com medo da situação."
Diante desse temor, o UOL entrevistou três professores de Direito para saber se há possibilidade jurídica de o governo realizar um confisco da poupança ou de outras aplicações financeiras.
Foram ouvidos o vice-presidente da AIDC (Associação Internacional de Direito Constitucional) e professor de Direito Constitucional da PUC-SP Marcelo de Oliveira Fausto Figueiredo, o professor titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da USP e PUC/SP André Ramos Tavares e o professor de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP Fernando Facury Scaff.
Constituição proíbe medida provisória sobre confisco
A resposta unânime dos três é que não é possível haver confisco da poupança ou qualquer outro ativo financeiro na vigência do Estado Democrático de Direito.
Segundo o professor Ramos Tavares, a Constituição proíbe expressamente qualquer medida provisória que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro.
A proibição está na Emenda Constitucional 32/2001, artigo 62, parágrafo 1º, inciso II: "É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria que vise detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro".
Medida provisória é um ato do governo federal que pode ser tomado sem consultar o Congresso e tem validade imediata.
"A Constituição é bem explícita e abrangente sobre a medida provisória, pois o problema maior está nessa medida de urgência, que pode ser editada e publicada com absoluta surpresa para toda sociedade", explica o professor.
Figueiredo Santos diz que o confisco do Plano Collor foi tão traumático para a população que motivou a aprovação dessa emenda. "Entendo que essa proibição também alcança o Congresso Nacional que está vinculado aos princípios e normas constitucionais", diz.
A lei pode mudar e confiscar dinheiro do cidadão?
Mas se a Constituição proíbe apenas a medida provisória, então poderia haver uma mudança na lei para confiscar o dinheiro depositado em instituições financeiras pelo cidadão?
O professor André Tavares explica que não. "A Constituição proíbe qualquer tributo com efeito confiscatório (art. 150, inc. IV). Logo, se nem mesmo o tributo, que é uma forma válida de o Estado obter rendas, pode ter caráter de confisco, uma ação isolada do Estado, com o intuito exclusivo de promover o confisco, seria inconstitucional."
Para o professor Fernando Scaff, não é possível o governo realizar sozinho um confisco dessa natureza. Seria necessário que o Congresso Nacional aprovasse tal medida. E isso não poderia ser feito de surpresa. Haveria apresentação de projeto e discussão prévia no Congresso. Então, um confisco, que precisa de surpresa, não funcionaria.
Além disso, as pessoas teriam todo amparo no Poder Judiciário para afastar este tipo de conduta e proteger seus recursos.
Mesmo que o Congresso tentasse fazer uma nova Emenda Constitucional, a medida não seria válida.
Segundo Figueiredo, existe a chamada "proibição de retrocesso social", que veta que leis retroajam para prejudicar ou retirar direitos já conquistados.
Nunca mais haverá confiscos de poupança?
Quando os poderes Executivo e Legislativo trabalham dentro dos limites jurídicos do Estado de Direito, ainda que governantes ou parlamentarem adotem leis e decretos inconstitucionais, sempre é possível ao cidadão recorrer à Justiça para ver seus direitos respeitados.
Mas o mesmo não acontece numa ditadura.
"Com governos e instituições oficiais que trabalhem fora do Estado de Direito (com decisões que permanentemente ignoram direitos fundamentais), é impossível defender-se ou encontrar formas jurídicas para evitar os danos. É preciso estar dentro do Estado de Direito para socorrer-se, por exemplo, do Poder Judiciário", explica Ramos Tavares.
Governo reforça comunicado anterior, negando boatos
Consultado sobre o tema, o Ministério da Fazenda disse que reitera o comunicado feito em fevereiro.
O Banco Central respondeu que não comenta boatos.
A Presidência da República incumbiu a Caixa Econômica Federal de responder sobre o assunto. A Caixa, por sua vez, informa que "ratifica a resposta dada pelo Ministério da Fazenda" em fevereiro.
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