Não é só você: por que é fácil perder dinheiro, e investir parece difícil?
O que passa pela sua cabeça quando você pensa em investimentos, quando você lê que precisa ter uma reserva de emergência ou quando coloca dinheiro na poupança? Pode acreditar: você e grande parte dos investidores, principalmente quem está começando agora, têm basicamente as mesmas reações e os mesmos comportamentos.
A doutora em Psicologia Econômica Vera Rita de Mello Ferreira estuda esses comportamentos há 27 anos. Consultora e professora no Vértice Psi - Instituto de Psicologia Econômica e Ciências Comportamentais, a especialista faz parte do Comitê de Pesquisa da Rede Internacional de Educação Financeira da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Em entrevista ao UOL, ela explica quais são os comportamentos que você e qualquer pessoa costuma ter em relação ao dinheiro, como esses comportamentos afetam suas decisões de investimentos e o que fazer para driblar vieses comportamentais que podem fazer você perder dinheiro. Confira abaixo a entrevista completa.
Existem comportamentos que são comuns em todos os investidores?
Sim, a Psicologia Econômica e as outras Ciências Comportamentais conseguem identificar alguns comportamentos comuns entre os investidores. Alguns deles são o otimismo excessivo, que é quando a pessoa não enxerga riscos no horizonte e, portanto, não se prepara e se expõe a risco de uma maneira que ela própria desconhece. Então, isso para um investidor é extremamente perigoso.
O primo do otimismo excessivo é a autoconfiança exagerada. A pessoa até reconhece que existe risco, mas não para ela, não para si mesma. Acha que os outros podem sim se dar mal, mas ela mesma não vai porque ela sabe de tudo. Quanto mais prolongado for o período de mercado financeiro sem crises, mais a pessoa reforça esses comportamentos, porque ela acha que tudo o que ela está fazendo está dando certo, mas na verdade, ela e a torcida do Flamengo estão se dando bem porque todo mundo está se dando bem. É aquilo que o Warren Buffett dizia: só quando a maré baixa que dá para ver quem está nadando pelado.
Além disso, temos aversão à perda. Ninguém gosta de perder nada e quando está perdendo, quando perdeu ou quando está na iminência de perder, acaba se abrindo a correr riscos que normalmente não correria. É o efeito "jaque". "Já que eu coloquei muita grana nessa ação e ela está caindo, então eu vou comprar mais porque eu faço preço médio e vou arrebentar a boca do balão".
Na verdade, a pessoa só faz isso porque ela não quer perder, não quer realizar o prejuízo. Por isso essa coisa de perfil é muito complicada, porque grande parte das nossas escolhas não é consistente, então você não consegue falar que a pessoa sempre vai ter esse tipo de reação a isso ou àquilo. É bom também lembrar que erros sistemáticos, que são esses que estou falando e que são previsíveis, representam um pedacinho de um universo de erros que nós podemos cometer.
Por que temos esses comportamentos?
Somos humanos, somos falíveis e limitados. Nossa mente evoluiu muito mais lentamente do que a tecnologia, do que a capacidade técnica e tecnológica. Temos um mercado financeiro com mecanismos sofisticados que às vezes, eu brinco, foram sadicamente desenhados para contrariar os nossos impulsos mais arcaicos e primitivos, que é a inércia.
Temos essa tendência à inercia, à buscar alivio imediato para nossas tensões internas, que não acabam nunca. Estamos sempre pulsando com inquietações e desejos, como a gente chama na psicanálise, que jamais serão plenamente satisfeitos e que empurram a gente o tempo inteiro para buscar essa satisfação que nunca é definitiva e plena.
Estamos sempre prontos para buscar a sensação de preenchimento daquilo que nos falta —que é o que Kahneman [Daniel Kahneman é um dos maiores nomes da Economia Comportamental, e vencedor do Nobel da Economia de 2002] afirma ser o conforto cognitivo. Eu acrescendo: cognitivo e emocional. Por isso as pessoas caem em golpes: quem não quer ter 10% de rendimento em um mês?
Como a senhora explica o medo que muitas pessoas têm em começar a investir ou de tirar o dinheiro da poupança?
O medo vai nessa linha de buscar alívio e conforto emocional. Esse é o viés de "status quo" - que é aquele comportamento de deixar como está para ver como fica e vai empurrando com a barriga. Temos uma tendência a economizar energia, mesmo que para o médio e longo prazo isso seja um desastre. Somos guiados pelo viés do presente, queremos uma satisfação já.
Outra vez é uma herança ancestral: ninguém precisava pensar no futuro, bastava estar preparado para enfrentar a luta pela sobrevivência a cada dia. Por isso, temos enorme dificuldade de olhar para o médio e longo prazo. Isso vai aparecer na manutenção do dinheiro na poupança: é algo sobre o qual as pessoas acham que não precisam pensar. Temos a tendência de evitar tudo o que é complexo, difícil e ambíguo.
Faz sentido separar os investidores em perfis como conservador, moderado, arrojado?
Não faz sentido. As pessoas são muito mais complexas e muito menos consistentes do que se gostaria de se acreditar. Esses perfis servem como uma espécie de sinal de alerta sobre como eu posso reagir à perdas, à risco. Serve para chamar a atenção, mas responder esses testes e só adianta quase zero.
Por que tanta gente começa a investir e logo desiste?
Por razões parecidas pelas quais elas começam a fazer academia e dieta e desistem. Tudo o que exige um esforço grande e que vai contra as nossas tendências naturais de querer alívio vai ser mais difícil. Quando a pessoa investe e fica olhando muito ambém não é recomendável. As pessoas quando são expostas a mais informações e a mais notícias de uma ação na qual elas estão investindo, elas tendem a ficar mexendo mais nas posições e acabam perdendo mais dinheiro. Se elas não mexem, elas tendem a deixar o investimento quieto e têm mais retorno.
Para quem está começando agora a investir, quais gatilhos ou estratégias essa pessoa pode colocar em prática para conseguir ter consistência nos investimentos?
Para quem está começando, é sempre interessante um gestor fazer isso para ela. A não ser que ela tenha todo o tempo para estudar. O negócio é fazer test drive com as aplicações. Você aplica o mínimo, uma fração, e observa como você se sente ao longo de dois, três meses antes de colocar mais recursos naquele produto. Não adianta simplesmente fazer simulação em que você não coloca dinheiro de verdade. A simulação não te aproxima da realidade tanto quanto é necessário.
Como driblar esses vieses e comportamentos negativos?
Quanto mais autoconhecimento e mais conhecimento sobre os vieses melhor. Daí é tentar fazer algumas coisas, por exemplo, bloquear todos os anúncios relacionados a algo que você tenha de resistir. Não ficar mexendo ou olhando para a carteira o tempo inteiro. Agora, o negócio é diversificar, mas diversificar de verdade. Nos Estados Unidos existem pesquisas que mostram que as pessoas pensam que diversificar é aplicar em ações diferentes, mas não é isso: precisa distribuir em ações, títulos, fundos, em produtos diferentes.
Existe algum comportamento positivo, que conta a favor dos investidores?
Difícil ter algum viés positivo. Talvez a inércia possa ser, no sentido da pessoa montar uma carteira diversificada, cuidadosa e esquecer e deixar ela rendendo. A inércia nesse caso fica favorável.
Podemos dizer que nossa mente mais nos atrapalha do que nos ajuda na hora de investir?
O que acontece é que o mercado financeiro é como se fosse desenhado para ir contra as tendências humanas. Neste momento, ele exige das pessoas aptidões que elas não possuem. A nossa única salvação é usar a cabeça para reconhecer as próprias limitações e tomar providências, como ter um consultor financeiro de confiança.
Nesse sentido, e considerando tudo isso, é possível uma pessoa comum enriquecer investindo no Brasil?
Essa é complicada. Enriquece trabalhando e investindo. Com exceções, a pessoa consegue ter uma ideia em um momento certo e tem a persistência e sorte de tudo convergir para o sucesso, mas para todo mundo, eu acredito mais no trabalho e naquele trabalho de formiga, de ir investindo aos poucos.
Este material não é um relatório de análise, recomendação de investimento ou oferta de valor mobiliário. Este conteúdo é de responsabilidade do corpo jornalístico do UOL Economia, que possui liberdade editorial. Quaisquer opiniões de especialistas credenciados eventualmente utilizadas como amparo à matéria refletem exclusivamente as opiniões pessoais desses especialistas e foram elaboradas de forma independente do Universo Online S.A.. Este material tem objetivo informativo e não tem a finalidade de assegurar a existência de garantia de resultados futuros ou a isenção de riscos. Os produtos de investimentos mencionados podem não ser adequados para todos os perfis de investidores, sendo importante o preenchimento do questionário de suitability para identificação de produtos adequados ao seu perfil, bem como a consulta de especialistas de confiança antes de qualquer investimento. Rentabilidade passada não representa garantia de rentabilidade futura e não está isenta de tributação. A rentabilidade de produtos financeiros pode apresentar variações e seu preço pode aumentar ou diminuir, a depender de condições de mercado, podendo resultar em perdas. O Universo Online S.A. se exime de toda e qualquer responsabilidade por eventuais prejuízos que venham a decorrer da utilização deste material.
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