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Devolução de investimento por quebra é recorde; fundo consegue pagar todos?

Camila Mendonça

Do UOL, em São Paulo

14/08/2021 04h00

Desde janeiro de 2020 até agora, o FGC (Fundo Garantidor de Créditos), que devolve alguns investimentos, caso um banco quebre, deu dinheiro de volta a 23.170 investidores que viram instituições financeiras afundarem (junto com suas aplicações). O número é o maior desde 1998, quando 39 mil conseguiram o resgate.

Quem investe, já deve ter ouvido falar na proteção do FGC para investimentos como poupança, CDBs, letras de câmbio e letras de crédito, em caso de falência da instituição financeira onde o dinheiro está investido.

Até dezembro de 2020, o fundo tinha R$ 85,4 bilhões em patrimônio, mas R$ 3,2 trilhões de depósitos estavam elegíveis à cobertura. Veja abaixo como funciona o fundo, e se ele tem fôlego para acompanhar o crescimento do número de investidores.

Quase R$ 1 bilhão de ressarcimento desde 2020

Somente em 2020, foram 21,2 mil investidores ressarcidos, por causa da quebra da financeira Dacasa. Foram R$ 844,2 milhões em garantias pagas pelo FGC. Neste ano, foram quase 2.000 devido à falência da Companhia Hipotecária Brasileira (CHB): R$ 120 milhões foram ressarcidos.

O gerente de produtos de informática Francisco Summa Netto, 40, de Curitiba, foi um desses investidores. Ele aportou cerca de R$ 10 mil em um CDB da financeira Dacasa em 2017, e recebeu em torno de R$ 12 mil do FGC em março de 2020 depois da falência da instituição.

"A corretora informou sobre a liquidação extrajudicial por e-mail, e depois recebi outro informando que eu poderia fazer o resgate em um banco. Demorou uns 40 dias entre os dois e-mails", afirma Netto. Ele conta que não precisou fazer nada, apenas esperar as instruções da corretora, e o valor veio corrigido com os juros do período do investimento até o dia da falência da financeira.

A simplicidade do processo surpreendeu o investidor. "Foi a primeira e única vez que precisei do FGC. Como sempre escutava as pessoas falando que era complexo, fiquei preocupado de perder todo rendimento", afirma.

A engenheira e gestora de investimentos Glaucia Sato Cremasco, 42, de São Paulo, não usou uma corretora para investir na CHB. Como tinha experiência em investimentos hipotecários, investiu diretamente na empresa. "Não fiquei preocupada de a empresa quebrar, porque sabia que o FGC funcionava", diz.

Era 2016, quando ela investiu em torno de R$ 20 mil na CHB. Ela estava na Itália quando soube pelo irmão que a empresa tinha ido à falência. Foi ele quem fez todo o processo para ela, via aplicativo do FGC. "No dia seguinte, o dinheiro já tinha entrado na minha conta", afirma.

Fundo tem fôlego para acompanhar crescimento do mercado?

Dados da B3 divulgados nesta semana mostram um aumento de 43% no número de novos investidores na Bolsa no primeiro semestre deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado. Em um ano, o número de investidores do Tesouro Direto cresceu mais de 50%. Embora ativos de renda variável, como ações, e os títulos públicos não tenham a cobertura do fundo, os números representam o crescimento do mercado de investimentos.

Há cada vez mais investidores, e a demanda pelo FGC pode aumentar. Segundo Daniel Lima, diretor-executivo do FGC, isso não é um problema.

"O fundo está preparado para esse crescimento. Nosso modelo leva em conta o número de associados e projeta cenários bastante severos para a economia. O fundo nunca chegou nem perto de uma queda sensível nas suas reservas. Estamos bem capitalizados", afirma.

Lima explica que o fundo traça cenários para dimensionar qual o tamanho do caixa que precisa ter para cobrir perdas. Segundo ele, as reservas que o fundo tem hoje são suficientes para "momentos severos".

E se todo mundo quebrar?

impossível todo mundo quebrar, mas se muita gente quebrar e a reserva do fundo não for suficiente, ele pode antecipar 60 meses de contribuições. Além disso, o fundo pode buscar algum empréstimo. Existem alternativas para fortalecer e recompor as reservas nesses casos extremos", afirma Lima.

Os recursos do fundo são adquiridos a partir da contribuição mensal obrigatória de 231 instituições financeiras associadas ao fundo. Elas contribuem com 0,01% sobre o total de depósitos aplicados nos produtos elegíveis ao FGC. Ou seja, se o mercado de renda fixa cresce, o patrimônio do fundo também aumenta.

De 2017 a 2020, o patrimônio cresceu 28,6%, de R$ 66,4 bilhões para R$ 85,4 bilhões, dos quais R$ 62,1 bilhões estão no caixa, livres para serem acionados imediatamente. É por isso, diz o fundo, que não há fila para os ressarcimentos.

FGC não pode ser único critério para escolher investimentos

Mayra Lima, especialista de investimentos da Guide, afirma que o papel do FGC é maior do que ressarcir o investidor. "Ele existe para evitar um efeito cascata de falências", afirma.

Sem o FGC, por exemplo, os 23 mil investidores ressarcidos desde 2020 provavelmente tirariam seus recursos de outros investimentos aplicados em outras instituições. Sem recursos, essas instituições também iriam à falência, afetando outros milhares de investidores e o efeito manada seguiria seu curso.

Dessa forma, o FGC também ajuda a garantir a estabilidade do sistema financeiro.

"Mas o investidor não pode entender que só porque tem FGC, ele está 100% garantido. É uma combinação de fatores que vai deixá-lo mais confortável", afirma.

Olhar a classificação de risco da instituição (rating) que está oferecendo um título é um desses fatores, segundo a especialista.

"O rating é sempre colocado por uma agência classificadora de riscos, mas ele não é obrigatório. Então, outra possibilidade é olhar o histórico dessa instituição", diz Mayra.

Há quanto tempo a instituição está no mercado? Quais outros títulos ela já pagou? Essas perguntas ajudam a aumentar a segurança.

O planejador financeiro Afrânio Alves alerta para outro fator: o crescimento no número de fintechs.

"Temos uma oferta muito grande de carteiras digitais, mas carteira digital não é banco, por isso não está coberta pelo FGC. Verifique se a instituição está associada ao FGC", afirma.

Reserva de emergência precisa estar segura

Para a educadora financeira Andy de Santis, a reserva de emergência é outro ponto de atenção. Normalmente alocada em renda fixa com cobertura do FGC, a reserva corre risco se estiver em apenas um título de instituição financeira com baixo rating.

O ideal, diz ela, é diluir a reserva em mais de um ativo, para ter com o que contar no período entre a falência de uma instituição e o pagamento do fundo. "É importante ter essa reserva com liquidez diária para suprir as possíveis necessidades que surjam no meio do processo do trâmite do fundo", afirma.

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