Mercado financeiro ainda apoia Guedes por temer substituto, dizem analistas
Diante dos sinais trocados de Paulo Guedes com relação às bandeiras que sempre defendeu, como controle de gastos públicos e empenho para concretização das reformas econômicas, os ânimos do mercado se tornaram menos amistosos para com o ministro. A dificuldade de Guedes em oferecer soluções para interromper o flerte do governo com a violação do teto de gastos tem causado descontentamento entre investidores.
Apesar disso, o ministro ainda tem apoio do mercado. Segundo analistas e especialistas ouvidos pelo UOL, o mercado ainda vê Guedes como uma espécie de controlador de riscos diante da iminência do rompimento do teto de gastos. Além disso, dizem, a queda de Guedes poderia abrir lugar para alguém alinhado às políticas de expansão fiscal. É o velho: ruim com ele, pior sem ele. Entenda abaixo o que faz o mercado financeiro ainda apostar em Guedes.
Mercado não quer cabeça do Guedes
VanDyck Silveira, CEO da Trevisan Escola de Negócios, avalia que, apesar do esgarçamento das relações com Guedes, o mercado não deve demandar a cabeça do ministro da Economia.
"O mercado já viu o que dá a substituição de ministros. O exemplo mais eloquente é o dos quatro ministros da Saúde, que deixaram essa bagunça. O mercado, se pedir a cabeça do Paulo Guedes, corre o perigo de ter um sujeito mais gastador e mais alinhado ideologicamente ao bolsonarismo", diz Silveira.
Ele dá como certo o furo do teto de gastos e diz que a manutenção do apoio a Guedes passa por limitar as mudanças na política de austeridade.
"Dentro de uma situação muito ruim, com o furo ao teto de gastos, o Paulo Guedes vai ser uma voz nos bastidores, dizendo que vai furar o teto, mas não de um jeito tão explosivo. Se o Paulo não estivesse lá, os gastos seriam maiores e as consequências muito maiores. O mercado sabe disso, tanto é que ele continua lá", diz.
Ele destaca que o grande feito do governo na avaliação do mercado foi a reforma da previdência, mas que esta já vinha alinhada do governo anterior. Depois disso, as propostas que se seguiram foram desfiguradas ao longo do caminho e não tiveram o governo como grande condutor.
"A total ausência de reformas, privatizações, e essas falas muito efusivas, bombásticas, mas com pouca ação, criaram uma certa falta de confiança de que as reformas absolutamente necessárias serão cumpridas pelo governo e que o ministro será o seu maestro", avalia.
Para manter confiança, é preciso avançar com reformas
Felipe Berenguer, analista político da Levante Ideias de Investimento, avalia que o mercado ainda confia no ministro, mas entende que avançar nas pautas que interessam não depende só dele. "A questão é que, dentro desse governo, tem várias forças diferentes e interesses variados, e a ala liberal tem perdido força, por isso o mercado tem reagido negativamente", afirma.
Para Berenguer, o que mantém o apoio ao ministro são, basicamente, os compromissos de austeridade fiscal que ele mantém com o mercado.
"Não adianta só o Paulo Guedes promover, o governo precisa entender que não tem outra saída que não seja reformas e cortes de gastos ou manutenção das regras fiscais, que são notadamente o teto, a lei de responsabilidade fiscal e a redução do déficit primário", diz o analista.
Guedes ainda tem apoio do mercado, mas confiança está estressada
João Guilherme Penteado, CEO da Apollo Investimentos, entende que o ministro perdeu, em partes, o apoio do mercado por não ter levado a cabo às reformas tributária e administrativa, e o programa de privatizações.
"Parece que o Ministério da Economia perdeu autonomia ao longo do governo e as propostas de reformas foram deturpadas e se mostraram menos eficientes e bastante abaixo do que era a expectativa inicial", diz Penteado.
Para ele, Guedes deve ser sustentado no cargo "principalmente porque uma instabilidade no Ministério da Economia geraria ainda mais temores e a substituição provavelmente seria para pior, dado o viés populista do presidente e a aproximação das eleições", afirma.
Falas otimistas de Guedes não agradam
Flávio Aragão, sócio da 051 Capital, diz que o mercado já não adere às falas otimistas do ministro Paulo Guedes, mesmo avaliando como positivos os ajustes nas contas públicas, com mais arrecadação e a manutenção das despesas travadas pelo teto de gastos.
"Mas, agora, com a discussão de orçamento, reformas e eleição, o mercado entendeu que o cenário fiscal ainda se mantém muito parecido, ganhando o agravante dos juros mais altos, o que vai aumentar o custo de carregamento da dívida", diz o analista.
Gabriel Barros, economista-chefe da RPS Capital, aponta que o apoio a Guedes está bastante vinculado ao pagamento dos precatórios, à reforma administrativa e à manutenção da política fiscal. "A gente tem uma incerteza fiscal e política muito grande, que giram em torno do orçamento de 2022", afirma.
Briga entre poderes tira Guedes "da mira"
Ele também relaciona os descontentamentos atuais do mercado ao conflito institucional entre o Executivo, STF (Supremo Tribunal Federal) e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o que tira o ministro da mira. "O conflito institucional ainda está fazendo bastante preço, alimentado essa piora do mercado no curto prazo", diz.
Fabio Louzada, CEO da Eu me banco, escola de investimentos, diz que mesmo com o desgaste de Guedes, ele deve seguir como ministro, se a vontade do mercado for respeitada pelo presidente Jair Bolsonaro. Porém, a figura dele deve ficar cada vez mais apagada dentro do governo. "Para ter voz, Paulo Guedes teria que ter o apoio do governo e do centrão, o que fica cada vez mais difícil", diz.
"É o que tem para hoje"
Para André Perfeito, economista-chefe da Necton, Paulo Guedes já perdeu a credibilidade, mas o mercado não tem para onde correr. "Quando a gente fala de um desembarque do mercado, é um desembarque para onde? O Paulo Guedes deixou de ser liberal? Não acho. Se tivesse o Milton Friedman ocupando o cargo também não ia conseguir muita coisa. É o que tem para hoje", afirma.
Ele avalia que o mercado está colocando na conta do ministro uma série de erros que não tem a ver só com a condução da política econômica, mas também com erros de avaliação cometidos anteriormente pelos próprios analistas e investidores. Um exemplo são as privatizações, segundo ele.
"Só uma pessoa mal informada pode acreditar que privatizações podem caminhar rapidamente no Brasil", destaca o analista.
Reforma administrativa pode atrair confiança do mercado
Para o analista, Guedes tem a reforma administrativa como a principal bandeira para atrair de volta a confiança do mercado e avalia que a do Imposto de Renda, que poderia ser outra pauta a aproximar o ministro do mercado novamente, já subiu no telhado. Se não emplacar a reforma, só vai restar controlar gastos o tempo todo e aguardar o Banco Central acertar a taxa de juros para controlar a inflação.
Guilherme Mello, coordenador do programa de pós-graduação em desenvolvimento econômico da Unicamp, aponta que o mercado fez vista grossa às demonstrações de incapacidade de Guedes mesmo diante das evidências que os indicadores trouxeram, desde o avanço do desemprego, agravamento da fome, à incapacidade do ministro de colocar o país na rota do crescimento, segundo Mello.
O professor e economista da Unicamp diz, ainda, que não vê como certa a manutenção do apoio do mercado a Guedes.
"O que faria o mercado desembarcar seria a possibilidade cada vez mais real de o ministro abrir mão de tudo em que ele acredita para garantir a eleição do Bolsonaro, inclusive, fazendo algumas mudanças com impactos de médio e longo prazo que envolvam a expansão fiscal", afirma.
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