Com 91% dos valores de reembolso de golpe do Pix negados, sistema vai mudar
O Banco Central e a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) vão modificar o jeito como funciona o MED (Mecanismo Especial de Devolução), o sistema criado para ressarcir os correntistas por valores roubados por meio de fraudes com o Pix. Funcionando desde 2021, o MED só reembolsou 9% dos valores pedidos em 2023.
Qual é o problema do MED?
No Brasil, quase cinco golpes do Pix acontecem por minuto. São 4,7 ocorrências registradas a cada 60 segundos. Só no ano passado, foram aplicados no país 2,5 milhões de golpes desse tipo, segundo dados do Banco Central. Para tentar conter essa avalanche, a instituição criou o MED em 16 de novembro de 2021.
O MED já recebeu 1,6 milhão de pedidos de janeiro a maio deste ano. Em 2022, foram 1,5 milhão de pedidos de devolução por fraude e, no ano passado, 2,5 milhões.
Das 2,5 milhões de requisições feitas em 2023, apenas 225 mil foram atendidas. E só 9% do valor é reembolsado. As requisições são frustradas por falta de saldo na conta do golpista. O dado é de um estudo da Silverguard, fintech de segurança financeira digital.
Por que a maioria não recebe o dinheiro de volta?
Os golpistas usam inúmeras contas para aplicar as fraudes. Assim que o dinheiro da trapaça cai, os criminosos transferem o valor para outras contas.
Mesmo dentre as pessoas que receberam a devolução, muitas não conseguiram 100% do dinheiro do golpe. Das devoluções aceitas, apenas 35% foram realizadas na totalidade do valor do golpe, de acordo com a Silverguard. Ou seja, duas em cada três devoluções são parciais e a maioria de centavos.
Como o dinheiro da devolução vem da conta que o golpista usou para aplicar o golpe, ele transfere tudo para outro banco. Quando a instituição financeira tenta fazer o saque do MED, já não encontra nada.
Mariana Prado Lisboa, advogada e sócia na área de "meios de Pagamento e fintechs" do escritório Barcellos Tucunduva
Qual é a mudança que vai ser feita?
A Febraban disse que começou a debater nesta semana com Banco Central melhorias no mecanismo. "Batizado de MED 2.0, o projeto foi proposto pela Federação, e seu desenvolvimento ocorrerá ao longo do segundo semestre, com implementação prevista para o final de 2025."
Em breve, outras contas dos criminosos poderão ser usadas para o bloqueio de valores. O sistema atual, diz a entidade, permite "o bloqueio de valores apenas na primeira conta recebedora do recurso". "A Febraban propôs ao Banco Central que o MED faça o bloqueio de valores até outras camadas de triangulação do recurso, o que foi aceito pelo regulador", disse a federação em nota.
Como funciona o MED
Nove em cada 10 brasileiros não sabem o que é ou como funciona o mecanismo, segundo a pesquisa da Silverguard. Para usar, o primeiro passo é entrar em contato com o banco. Quando uma pessoa percebe que caiu numa fraude por Pix, é essencial que atue rapidamente e registre o caso na instituição bancária da qual é cliente, por meio do canal de atendimento oficial, como SAC ou Ouvidoria.
A instituição de destino faz o bloqueio dos recursos da conta que recebeu os valores. Isso desde que haja saldo e que seja comprovada a fraude. O dinheiro só pode ser devolvido se a conta que recebeu o valor tiver saldo.
A solicitação de cancelamento pode ser registrada em até 80 dias após a transação. Mas é ideal que seja feita o quanto antes. Também é preciso registrar um boletim de ocorrência.
Vítimas de golpes
Foi o que aconteceu com Jussara Martins, de Serra, no Espírito Santo. "Fui enganada num grupo de Telegram de investimentos em criptomoedas. Eles pediam depósitos e depois de um certo tempo, devolviam o dinheiro com lucro. Cheguei a ganhar R$ 600. Mas quando pediram investimentos maiores, de R$ 3.000, fiz o Pix e eles sumiram", conta ela.
No mesmo dia, entretanto, ela fez a solicitação do MED ao seu banco. Juntou boletins de ocorrência e todas as provas pedidas. Mas na hora de receber o dinheiro de volta, não havia mais valores na conta em que o golpista recebeu o Pix de Jussara. "Tive que me conformar com o prejuízo", diz ela.
Quatro em cada 10 brasileiros já sofreram golpes envolvendo o Pix, conforme a pesquisa. O operador de telemarketing Rodrigo Basque, de São Paulo, comprou um celular e foi enganado. "Encontrei com a pessoa, testei o aparelho. Mas assim que fiz o Pix, esse cara saiu correndo com o aparelho." No mesmo instante, ele também entrou em contato com o banco.
Ele fez todos os procedimentos e não recebeu nada, porque a conta do golpista também havia sido zerada. "Fiquei só com a dívida de R$ 2.200 do empréstimo que fiz para comprar o celular. Foi tanta raiva que parei de usar essa conta e só movimento meu dinheiro em outra instituição", diz ele.
Há solução?
Os bancos deveriam ter mais escrutínio com a abertura de contas. É o que diz a advogada Mariana. Mecanismos como reconhecimento facial, por exemplo, ajudariam a provar que a pessoa que está abrindo uma conta é ela mesma.
Isso ajudaria a coibir que uma mesma pessoa abrisse dezenas de contas. Os golpistas chegam a usar até CPF de pessoas mortas para abrir as contas. Procurada, a Polícia Civil de São Paulo não quis falar sobre o assunto.
O monitoramento das contas também deveria ser mais efetivo. Quando um banco detecta que uma conta recebe valores e, em seguida o dinheiro é transferido - e que isso acontece várias vezes seguidas - esse correntista deveria ser averiguado. "Existe um bloqueio cautelar que alguns bancos usam nesse caso", diz a especialista. Mas na realidade, os fraudadores continuam conseguindo abrir livremente quantas contas eles querem e movimentando-as sem restrições.
Outra medida que pode ajudar é uma resolução do BC. A Resolução Conjunta nº 6, de 23 de maio de 2023, estabelece permite o compartilhamento de dados e informações sobre indícios de fraude entre os bancos. "Se um fraudador abre inúmeras contas em um banco X, e isso é detectado como suspeito, essa instituição pode avisar as outras, para evitar que o criminoso faça o mesmo novamente", diz Mariana.
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