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Por que Bolsonaro pode esperar de presidente eleito do Uruguai parceria comercial, mas não ideológica

Marcos Corrêa/PR
Imagem: Marcos Corrêa/PR

Talita Marchao - De São Paulo para a BBC News Brasil

28/11/2019 18h54

A confirmação da vitória do candidato do Partido Nacional, Luis Lacalle Pou, nas eleições presidenciais uruguaias não representa somente a guinada do país para a centro-direita e fim de 15 anos sob o comando da Frente Ampla, de centro-esquerda.

A chegada de Lacalle Pou ao poder pode assegurar um novo parceiro para o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro ? comercial, mas não ideológico.

A vitória foi confirmada somente nesta quinta-feira (28/11) após a contagem dos chamados "votos observados", de pessoas que votaram fora de suas zonas eleitorais.

Lacalle Pou derrotou o candidato governista da esquerdista Frente Ampla, Daniel Martínez. A diferença entre os dois foi de cerca de 1% dos votos.

Ainda que Lacalle Pou tenha tentado se distanciar de Bolsonaro logo após o primeiro turno, recusando o apoio do brasileiro, suas propostas econômicas liberais são alinhadas às do governo brasileiro.

Nesta quinta, o Itamaraty "assegurou sua determinação em trabalhar em conjunto" e convidou o novo líder uruguaio para visitar o Brasil.

Em entrevista à BBC News Brasil, o analista político uruguaio Andrés Malamud, pesquisador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, acredita que o governo de Lacalle Pou terá uma melhor sintonia com Bolsonaro do que o governo que está saindo em Montevidéu, mas não necessariamente será um aliado.

"Aliados não, parceiros, sim. Aliados de Bolsonaro são Donald Trump (presidente dos EUA), Netanyahu (ex-primeiro-ministro de Israel) e Viktor Orbán (premiê da Hungria). A parceria de Lacalle Pou com Bolsonaro seria mais instrumental, relacionada à abertura comercial, e não ideológica", explica Malamud.

Malamud lembra ainda que a vitória de Lacalle Pou é mais uma consequência do descontentamento do eleitorado com seus atuais governantes na região ? e não exatamente guinada ideológica. "Veja a direita no Chile com problemas. Na Argentina e no México, venceram partidos de esquerda. não é uma questão de ideologia, é antigovernista", explica.

O professor de Relações Internacionais da PUC-SP David Magalhães, que participa do monitoramento do Observatório da Extrema Direita, concorda que a dimensão da proximidade entre Lacalle e Bolsonaro é mais econômica, e não ideológica.

"Existem muitas ideias em comum entre o grupo do ministro (brasileiro) da Economia, Paulo Guedes, e a visão pró-mercado da centro direita uruguaia. Mas as afinidades acabam aí", diz o especialista.

"Em outros aspectos de política externa, por exemplo o compromisso com a agenda de direitos humanos e meio ambiente que o Uruguai tem, tudo aquilo que o governo brasileiro chama de 'globalismo', a centro-direita uruguaia entende como um compromisso fundamental e se mantém como política de Estado, independentemente do governo de centro-direita ou centro-esquerda", explica Magalhães.

Segundo o professor da PUC-SP, os compromissos que o Brasil tem rejeitado em relação à agenda ambientalista e de direitos humanos são consensuais no establishment político uruguaio.

"Nesse aspecto, o governo Bolsonaro não pode esperar nenhuma convergência. Você não verá o Uruguai mudando sua votação na ONU como o Brasil tem feito, por exemplo. Mas no ponto de vista do alinhamento econômico, essa convergência existe", explica.

Distante da Venezuela, próximo da Argentina

O analista uruguaio aposta ainda em uma virada nas posições uruguaias em relação à Venezuela, que hoje não reconhece Juan Guaidó como presidente interino do país. "Lacalle Pou deve afastar o Uruguai de (Nicolás) Maduro, mas ainda não dá para afirmar se reconhecerá Guaidó como presidente", diz Malamud.

Em um post publicado no Twitter nesta quinta, Lacalle Pou agradeceu as felicitações de Guaidó por sua vitória nas urnas uruguaias. "Em defesa das democracias e dos direitos humanos", respondeu o eleito.

Diferentemente de Bolsonaro, que demonstrou insatisfação com a vitória do futuro presidente argentino Alberto Fernández e de sua vice, Cristina Kirchner, Malamud acredita que Lacalle Pou terá boas relações com o novo governo de Buenos Aires, eleito mês passado.

"Será uma relação pragmática. E o fato de Cristina estar no governo não representaria um problema. (O vice-presidente brasileiro Hamilton) Mourão não governa no Brasil, Cristina Kirchner também não governará na Argentina", justifica.

Em relação ao Mercosul, ainda que Lacalle Pou simpatize com as ideias do governo de Bolsonaro de abrir o bloco comercial, Malamud aposta que a vitória do uruguaio não mudará a atual situação da aliança.

"É antipático dizer, mas o Mercosul será o que o Brasil e a Argentina fizerem dele. O cenário mais provável é a continuidade formal do bloco em coexistência com a violação permanente de suas regras", avalia o analista uruguaio.

Magalhães avalia que a mudança de governo no Uruguai poderia até ajudar a dinamizar o Mercosul. "Mas o Uruguai não tem o mesmo peso que a Argentina no bloco. Não é o mesmo que se o argentino Mauricio Macri tivesse conseguido a reeleição", diz o professor.

Herdeiro de políticos conservadores

Lacalle Pou chega à Presidência uruguaia em sua segunda disputa pelo cargo ? na eleição anterior, em 2014, foi derrotado pelo presidente Tabaré Vázquez no segundo turno. Desta vez, alinhou-se a partidos de direita e de extrema-direita em sua coalizão.

Advogado de 46 anos, Lacalle Pou vem de uma geração de políticos uruguaios do Partido Nacional, ou Partido Blanco, de centro-direita. É filho do ex-presidente uruguaio conservador Luis Alberto Lacalle, que governou o país entre 1990 e 1995, e bisneto de Luis Alberto de Herrera, um dos líderes mais destacados da história do Partido Nacional.

Iniciou sua carreira política assim que se formou em direito, aos 26 anos, quando foi eleito deputado, em 1999. Foi reeleito para três mandatos consecutivos, e chegou a ser presidente da Câmara entre 2011 e 2012.

Após a derrota para Vázquez em 2014, foi eleito senador, cargo que ocupava até agora. É casado com Lorena Ponce de León, que conheceu ainda na adolescência, e tem três filhos.

Apesar de ter sido eleito em um partido de centro-direita e contar com o apoio da extrema-direita, Lacalle Pou afirmou durante sua campanha que não planejava rever leis aprovadas pelas gestões anteriores como a autorização do casamento homossexual, a liberalização da maconha e a legalização do aborto.

Magalhães lembra ainda que a influência da extrema-direita no governo de Lacalle depende muito da forma como os ministérios serão distribuídos entre a coalizão. "Eles não devem ficar com os ministérios mais importantes, como Defesa e Relações Exteriores, por exemplo", diz o professor.