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'Dói ver o dinheiro derreter': os jovens que foram da euforia ao prejuízo na Bolsa

Grupo de investidores que mais cresceu na Bolsa foi o de jovens - Getty Images
Grupo de investidores que mais cresceu na Bolsa foi o de jovens Imagem: Getty Images

Camilla Veras Mota

Da BBC News Brasil, em São Paulo

19/03/2020 07h11

Entre dezembro de 2018 e fevereiro de 2020, a Bolsa brasileira ganhou 1,1 milhão de novos investidores pessoa física e mais que dobrou de tamanho, somando 1,9 milhão de pessoas.

Em termos relativos, o grupo que mais cresceu dentro da Bolsa foi o de jovens. O total de investidores com idade entre 16 e 25 anos aumentou quase cinco vezes nesse período, de 37,7 mil para 179,9 mil.

Na faixa etária entre 26 e 35 anos, o salto foi de 226,9%, de 286 mil para 609,9 mil pessoas.

A conjuntura da economia brasileira nos últimos anos estimulou esse movimento.

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Imagem: BBC

A queda nos juros, de um lado, diminuiu o retorno das modalidades de renda fixa, menos arriscadas. O ciclo de alta da Bolsa, por sua vez - o que o jargão do mercado financeiro chama de 'bull market' -, chamou atenção para as promessas de maior retorno da renda variável.

Foi esse cenário que motivou a estudante de administração Mirela*, de 20 anos, a tirar tudo o que tinha na poupança e comprar ações.

Ela, o irmão e o pai, dono de uma loja de roupa infantil em Arujá (SP), entraram na Bolsa ao mesmo tempo, em setembro.

"O cenário estava muito bom e a gente sentia necessidade de guardar dinheiro para o futuro", diz ela.

Grande parte dos investidores mais jovens nunca viveu uma grande crise financeira. A premissa de que quanto maior retorno, maior o risco, era apenas teórica para muitos deles até a quarta-feira de cinzas, 26 de fevereiro, quando a Bolsa caiu 7%.

"Dói ver o dinheiro derreter", diz Marcelo*, de 22 anos.

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Imagem: BBC

Estagiário em um banco, ele começou a investir em renda variável em 2019. Como a família "não tem a cultura de poupar", contava com a ajuda dos amigos e com o material que lia e pesquisava sobre o mercado financeiro para aplicar.

Apesar de se considerar um investidor de perfil conservador, quando ele viu a Bolsa acelerar em abril do ano passado resolveu colocar parte das economias em fundos de ações, imobiliários e ETFs (sigla para 'exchange-traded fund', fundos que acompanham índices - de ações ou de títulos, por exemplo).

Nas últimas semanas, quando o Ibovespa acumula queda de mais de 40%, ele tem evitado olhar o aplicativo da corretora.

"Parei quando perdi o equivalente a um salário em um dia", conta.

Assim como a maior parte dos investidores com quem a BBC News Brasil conversou nos últimos dias - com idades entre 20 e 70 anos -, ele tem convicção de que o investimento em renda variável é de longo prazo e que em algum momento haverá uma retomada, ainda que ela leve muito tempo.

O problema, no caso do estudante, foi que uma questão relacionada à sua saúde o obrigou a resgatar parte do dinheiro, o que ele tem feito aos poucos, desde o início de março - materializando as perdas que a Bolsa registrou nessa crise.

Fernando*, de 24 anos, que se define como investidor de "perfil mais arrojado", tem cerca de 70% do patrimônio aplicado em renda variável.

Chegou a vender o carro - que ele, assim como muitos jovens, enxerga mais como custo supérfluo do que como solução para o transporte - e decidiu alocar mais capital na Bolsa durante o ciclo de alta.

Nos últimos dias, ele também tem deixado o aplicativo da corretora de lado - "a dor é grande" - e estima que o prejuízo esteja na faixa dos 40%.

Ele se diz confiante, entretanto, que em algum momento o mercado estabilize e eventualmente inicie uma recuperação, assim como aconteceu em todas as outras crises.

As perdas das últimas semanas, entretanto, não têm precedentes.

Nesta quarta-feira, o principal índice da Bolsa brasileira, o Ibovespa, fechou em queda de 10,35%, chegando a 66 mil pontos, com o sexto 'circuit breaker' em um mês, entre os dias 9 e 18 de março.

Durante a crise de 2008, a Bolsa também acionou o mecanismo seis vezes, mas em um intervalo maior, entre 29 de setembro e 22 de outubro.

O economista Marcos*, também de 24 anos, diz que, apesar da idade, tem sido aquele a quem os familiares que entraram na Bolsa durante o "ciclo de otimismo" têm recorrido para tentar se tranquilizar enquanto os índices derretem.

"Eles estão confusos, porque tem muita gente dizendo que agora é hora de comprar, porque está tudo muito barato. Eu digo pra terem cautela, porque os preços podem cair mais."

Nas últimas semanas, o jovem, que trabalha em um banco, perdeu o equivalente a R$ 20 mil com suas aplicações em renda variável, que somavam, por sua vez, 65% de tudo o que havia economizado.

Ele admite que tem estado "meio aflito" diante das notícias - da disseminação da doença e da crescente possibilidade de recessão global -, mas não mexeu no dinheiro porque o considera um investimento de longo prazo, que vai se recompor quando a economia voltar aos trilhos, ainda que esse momento demore mais a chegar do que se havia imaginado no início do surto.

Essa é também a avaliação de um investidor de 70 anos com quem a reportagem conversou e que começou a colocar dinheiro na Bolsa em 1967 e que passou por "todas as crises que você possa imaginar".

Para ele, que calcula ter perdido "algo entre 35% e 40%" desde o início da crise, esse ciclo de queda vai eventualmente ser superado, assim como os outros, mas "aquele que for apavorado, inexperiente ou que estiver precisando do dinheiro (aplicado) vai sofrer".

"Se o investidor tiver calma, em algum momento vai começar a voltar", aconselha a professora Andrea Minardi, do Centro de Finanças do Insper.

Quem tem tirado dinheiro da Bolsa

É isso que muitos deles parecem estar fazendo. Dados levantados pela B3 a pedido da BBC News Brasil mostram que, entre 26 de fevereiro e 16 de março, o pequeno investidor não tirou dinheiro da Bolsa.

Eles compraram R$ 84,3 bilhões em ações e venderam R$ 70,2 bilhões, um saldo líquido positivo de R$ 14,1 bilhões.

Quem mais tirou dinheiro da Bolsa foi o investidor estrangeiro. Naquele intervalo, eles compraram o equivalente a R$ 235,4 bilhões e venderam R$ 259,1 bilhões, saldo negativo de R$ 23,7 bilhões.

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Imagem: BBC

Em momentos de incerteza, os investidores estrangeiros são os primeiros a sair de mercados como o Brasil, considerados mais arriscados.

Diante da incerteza em relação ao cenário econômico global, parte deles prefere abrir mão da rentabilidade maior e migrar para títulos considerados mais seguros, como os da dívida pública americana.

A saída desse tipo de investimento do país contribui para reduzir a oferta de dólares e pressionar o preço da moeda americana, que chegou a R$ 5,19 na quarta-feira.

Os investidores institucionais, por sua vez, onde estão incluídos os fundos, têm saldo positivo de R$ 6,5 bilhões no período, resultado de R$ 173 bilhões em compras e R$ 166,8 bilhões em vendas.

Apesar de o líquido ser positivo, o comportamento desses investidores, para alguns especialistas, explica em parte a queda da Bolsa nas últimas semanas.

Isso porque parte dos fundos opera alavancado - ou seja, com recursos que não necessariamente têm em caixa.

A alavancagem não opera com o sistema tradicional em que alguém paga por algo e recebe o ativo em contrapartida. Ele se dá por meio do aluguel de ações ou de derivativos - contratos futuros, opções de ações e contratos de swap.

Caso a aposta dê certo, os ganhos podem ser exponenciais. Caso deem errado, o prejuízo também pode ser multiplicado.

Em momentos de queda livre da Bolsa, muitos desses fundos têm mecanismos para tentar estancar as perdas, como o 'stop loss': atingido um determinado limite negativo, a ordem que vem das áreas de risco é para vender todos os papéis.

"Quando isso acontece (alto grau de alavancagem) e o mercado oscila fortemente, as áreas de risco de fundos ou corretoras mandam as mesas de operações zerar as posições, independentemente do preço, para evitar mais perdas. Com muita gente tendo que zerar ao mesmo tempo, o mercado entra numa espiral - sobretudo porque ainda não apareceu dinheiro novo para comprar 'barato'", avalia um economista que atua no mercado financeiro e preferiu não se identificar.

* Os nomes dos entrevistados foram alterados