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4 previsões que revelam economia em apuros para próximo presidente

Palácio do Planalto - Alan Marques/Folhapress
Palácio do Planalto Imagem: Alan Marques/Folhapress

Laís Alegretti - Da BBC News Brasil em Londres

12/07/2022 09h45

A menos de três meses do primeiro turno das eleições, as expectativas para a economia brasileira na virada de 2022 para 2023 indicam sufoco para quem assumir o comando do país.

A combinação prevista é de baixo crescimento, inflação ainda corroendo o poder de compra da população e uma ausência de sinais de melhora no nível de emprego formal e na renda das famílias.

Tudo isso em um país que viu subir o número de pessoas que passa fome, chegando a 33 milhões de brasileiros (15,5% da população). E onde mais da metade da população vive com algum grau de insegurança alimentar — ou seja, enfrenta dificuldade para comer, segundo dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar.

Para explicar as previsões, a BBC News Brasil reuniu projeções de órgãos oficiais e instituições internacionais em relação a quatro pontos centrais para a economia — que sinalizam como está ou estará a condição de vida do brasileiro.

Antes de detalhar esses indicadores, é preciso lembrar que essas projeções vêm sendo reavaliadas diante de cada novo acontecimento relevante no mundo (como os efeitos da Guerra na Ucrânia e o medo de uma recessão global) e no Brasil (como a incerteza diante da eleição e os efeitos de medidas propostas às vésperas dela).

1. Crescimento econômico

As perspectivas para o crescimento da economia brasileira apontam que pode vir um "pibinho" ao fim de 2022 — as diferentes projeções giram em torno de 1% para o ano. O PIB (Produto Interno Bruto) é a soma de bens e serviços produzidos por um país.

Mas o que isso significa, de fato?

"É andar de lado, igual a um caranguejo", diz o economista Fábio Terra, professor de Economia da Universidade Federal do ABC (UFABC). "É uma imagem triste, mas é a mais realista que a gente tem".

No boletim Focus (levantamento semanal de expectativas do mercado colhidas pelo Banco Central) divulgado nesta segunda (11/7), a projeção de PIB para este ano está em 1,59%.

A OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) revisou em junho sua expectativa para 0,6% de crescimento do Brasil neste ano; o Banco Central prevê 1,7%, e a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado estima cerca de 1,4%.

Segundo a previsão da OCDE, o crescimento previsto para o Brasil representa um quinto da projeção de crescimento mundial (3%).

A entidade destacou que a inflação afetou o poder de compra dos brasileiros e aponta que a eleição presidencial de 2022 adiciona incerteza, afetando o investimento. Acrescenta ainda que "a recuperação do mercado de trabalho tem sido lenta" (como será detalhado no terceiro tópico desta reportagem).

Para 2023, a entidade prevê um crescimento de 1,2% para o Brasil, pouco menos da metade da projeção para o avanço no mundo (2,8%). Antes, a OCDE previa que o Brasil poderia crescer 2,1% no próximo ano.

A economista Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente do Senado, destaca que, de maio para junho, a IFI diminuiu sua projeção de crescimento para 2023, de 1% para 0,8%. Ela diz que medidas que vêm sendo adotadas pelo Brasil se refletem "na perda da credibilidade na condução da política fiscal" — como a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que abre brecha para que o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) turbine programas sociais às vésperas da eleição, apelidada de PEC Kamikaze.

O Senado já aprovou a proposta, que propõe o reconhecimento do estado de emergência, o que, em tese, daria respaldo legal para o governo criar benefícios em ano eleitoral. A expectativa é que a Câmara avalie o texto nesta terça-feira (12/7). Se a PEC for aprovada, seu impacto nos cofres públicos pode chegar a R$ 41,2 bilhões.

O governo defende a medida afirmando que ela é importante para diminuir o efeito da alta da inflação sobre as pessoas mais vulneráveis. A PEC prevê benefício para caminhoneiros autônomos de R$ 1 mil por mês até dezembro deste ano, um auxílio para taxistas, aumenta de R$ 400 para R$ 600 o Auxílio-Brasil, dobra o valor do Auxílio Gás, compensa Estados pela gratuidade do transporte público de idosos, entre outras medidas.

E, fora do Brasil, as expectativas para a economia mundial têm sido impactadas por um receio que cresceu nos últimos dias: a possibilidade de uma recessão global, o que é uma notícia ruim especialmente para países emergentes.

Quando há recessão global, investidores tendem a buscar maior segurança, o que significa tirar dinheiro de países como o Brasil.

Esse temor de recessão está ligado principalmente à expectativa de que países como os Estados Unidos subam mais os juros, fortalecendo o dólar em relação a outras moedas.

"E aí tem efeito sobre a inflação: tudo aquilo que é comprado em dólar se torna mais caro. E o poder de compra acaba corroendo mais ainda, o que é ruim para o consumo e para a atividade econômica", explica Terra.

Vilma Pinto diz que o desafio do Brasil será "tentar recuperar um pouco da credibilidade que foi perdida ao longo do tempo", para então "recuperar capacidade de investimento, tentar melhorar o zelo com as contas fiscais e tentar criar mecanismos para que o Brasil consiga crescer mais, ter menor inflação e ter um desemprego menor".

2. Inflação

Órgão responsável por manter a inflação sob controle, o Banco Central (BC) já reconheceu que a meta estabelecida para 2022 não será cumprida. A projeção da instituição é que o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, índice oficial para medir inflação no Brasil) fique em 8,8% neste ano, bem acima da meta de inflação, fixada em 3,5% para este ano (com margem para oscilar entre 2% e 5%).

As expectativas dos economistas do mercado financeiro estão hoje em 7,67%, segundo o boletim Focus divulgado nesta segunda (11/7).

Os números refletem o que os brasileiros já estão sentindo na prática — os aumentos de preços de alimentos e de combustíveis estão entre as principais queixas.

Com a pandemia e a guerra na Ucrânia, a inflação é um problema que vem afetando países no mundo todo — inclusive alguns que lembravam muito pouco como era ter que lidar com um aumento tão acelerado do custo de vida, como o Reino Unido.

No entanto, o Brasil está agora entre os poucos países com inflação de dois dígitos (em 12 meses até maio), como mostra levantamento da OCDE. Entre os integrantes do G20, a inflação brasileira só não é maior que Turquia, Argentina e Rússia.

Com a inflação nas alturas, o Banco Central sobe a taxa de juros para tentar contê-la, mas isso também impacta negativamente na atividade econômica, pois se trata de um desestímulo para o investimento produtivo, como explica Terra.

"O Banco Central corretamente subiu a taxa de juros a partir de 2021 porque a inflação estava já incômoda e demonstrando que não cederia fácil. Talvez ele tenha subido demais. O Brasil tem hoje a maior taxa real de juros do mundo. Isso é muito desestimulante ao investimento", opina o professor. "O Brasil tem hoje uma renda real de trabalho que é 7,5% menor do que em 2021. Portanto, as pessoas conseguem consumir menos e o Brasil talvez esteja entrando agora no período mais complicado, em geral, das dificuldades políticas do país, que é o período eleitoral."

As previsões para 2023 são de uma inflação menor que em 2022, mas ainda em níveis elevados. O Banco Central, por exemplo, prevê um IPCA em torno de 4%.

Terra aposta em um índice mais alto, perto de 5 ou 6%. E a economista Vilma Pinto lembra que medidas tomadas recentemente pelo governo para tentar aliviar preços estão afetando essas previsões - reduzindo um pouco a projeção para este ano, mas aumentando para o próximo.

A meses da eleição e com a alta dos preços de combustíveis, o governo vem promovendo medidas para tentar reduzir o preço desses produtos — como a lei que zerou até o fim deste ano os tributos federais sobre diesel e gás de cozinha.

Também houve a imposição de um teto de 17% no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre combustíveis. E, em um decreto editado antes da eleição e que vale até o final de 2022, o presidente Jair Bolsonaro (PL) determina que postos exibam os preços dos combustíveis antes e depois dessa lei.

Vilma Pinto destaca que a IFI aumentou para 4,2% a previsão de inflação em 2023 e que está voltando a revisar essa previsão.

"É provável que a gente tenha um número pior do que esses 4,2% que a gente está projetando hoje, lembrando que esse número já é pior do que o que a gente projetava em maio por conta desse efeito de corte de impostos para 2022 e reversão disso para 2023."

3. Desemprego

O mais recente indicador do nível de desemprego mostrou uma recuperação. A taxa de desemprego caiu para 9,8% no trimestre encerrado em maio, a menor desde o trimestre encerrado em janeiro de 2016, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Apesar disso, 10,6 milhões de brasileiros seguem sem trabalho.

Especialistas destacam que uma análise mais detalhada desses números mostra que a alta foi puxada por trabalhos sem carteira assinada, como aponta Terra.

"A gente fala que o mercado de trabalho está melhorando. Mas qual é essa melhora? Sobretudo, o mercado de trabalho informal. Há uma metáfora para comunicar isso, que é o 'se vira nos 30' — a renda está caindo, a pessoa precisa trabalhar, agora já não tem mais que fazer distanciamento social, tem vacinação... Aí as pessoas estão fazendo o que dá para sobreviver, para poder trabalhar — então vai trabalhar como entregador, como diarista", diz o economista.

O problema, segundo Terra, é que não há hoje elementos para acreditar que haverá uma melhora na atividade para dar força ao emprego com carteira assinada.

"A pergunta para 2023 é: o que vai puxar o crescimento econômico? Se a gente não tem nada muito forte puxando o crescimento econômico, a gente não vai ter nada que apareça muito forte puxando o emprego formal. A dinâmica do trabalho informal vai continuar para o ano que vem. Não vejo diferença com relação a esse ano."

Isso se reflete na renda dos trabalhadores.

Vilma Pinto, da IFI, chama atenção para o fato de que o rendimento real (descontando o efeito da inflação) está menor.

"Se por um lado a gente vê, em termos de quantidade, uma melhora, uma redução em um número de pessoas desempregadas, por outro lado, essa questão da inflação está de fato piorando a situação econômica como um todo. E quando a gente olha em termos de salários, o salário real está sendo altamente afetado", diz a economista.

Os dados do IBGE apontam que o rendimento médio real do trabalhador (R$ 2.613) ainda é 7,2% menor na comparação do trimestre encerrado em maio de 2022 com o igual período de 2021.

Vilma prevê que, em 2023, a população ocupada fique estagnada (ou seja, em níveis parecidos com os de 2022). "Nas situações de curtíssimo prazo, a gente enxerga uma melhora, mas a perspectiva de médio prazo não é tão animadora", diz.

4. Contas públicas

A inflação — a mesma que corrói o poder de compra dos brasileiros — tem um efeito "positivo" para os cofres públicos: aumenta a arrecadação do governo. Isso acontece devido ao aumento dos preços dos produtos — com as empresas lucrando mais, a base de arrecadação também sobe.

"O aumento de preços de commodities está fazendo com que as finanças públicas se comportem bem melhor do que o esperado. E isso implica que tem sido bom o fluxo de caixa", avalia Terra.

O resultado mais recente da arrecadação de tributos federais, por exemplo, aponta que essa receita foi a mais alta em 28 anos —atingiu R$ 165,3 bilhões em maio, recorde para o mês desde 1995, quando começou a série histórica da Receita Federal.

No entanto, o aumento de arrecadação costuma ser comemorado quando ele reflete uma atividade econômica mais aquecida. E outro problema sobre o cenário atual, dizem os economistas, é que essa melhora é pontual.

Vilma Pinto, que é especialista em finanças públicas, defende que o governo não pode contar com esse aumento de arrecadação no médio prazo.

"Esse aumento de receita tende a ser temporário, na medida em que esse choque (de commodities) passa", argumenta. "A gente precisa ter um pouco mais de cautela na hora de adotar medidas que gerem impactos permanentes."

E alerta: "As medidas fiscais que estão sendo adotadas do ano passado para cá, principalmente, vão no sentido não só de piorar a trajetória fiscal futura em termos de aumento de gastos e redução de receita, mas também no sentido de diminuir a confiança das pessoas no compromisso com a responsabilidade fiscal".

"Isso gera melhora fiscal aparente de curtíssimo prazo, dá impressão de que teto está sendo cumprido, mas isso é piora fiscal lá na frente", conclui a economista.

- O texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62062570