Caixa anunciará mudança no crédito da casa própria; o que se sabe até agora
A Caixa Econômica Federal deve anunciar hoje (20) mudanças importantes no financiamento da casa própria. Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro deu um "spoiler", dizendo que será uma mudança "histórica".
Ao que tudo indica, o banco deve anunciar um tipo de crédito imobiliário corrigido pela inflação. O presidente da Caixa, Pedro Guimarães, já havia sinalizado em maio a intenção de adotar o IPCA para novos contratos imobiliários. Para completar, na sexta-feira (16), o governo autorizou o uso do índice de inflação (IPCA) para reajustar as prestações do financiamento imobiliário.
Veja abaixo o que já se sabe sobre as mudanças no financiamento habitacional, o que pode ser anunciado e como essas medidas afetarão os brasileiros.
Como é hoje?
Atualmente, os contratos feitos pelo Sistema Financeiro da Habitação são corrigidos pela TR (Taxa Referencial). A Caixa cobra juros entre 8,5% e 9,75% ao ano mais TR nas suas principais linhas de crédito imobiliário, para compra de imóveis novos ou usados. Essas taxas não são válidas para o Minha Casa, Minha Vida, que cobra juros mais baixos.
Como a TR é igual a zero desde 2017 devido à queda da taxa Selic, na prática os juros do financiamento imobiliário ficam limitados à taxa prefixada pela Caixa.
O que deve mudar?
Agora, será possível fazer a correção por meio do IPCA, o índice oficial de inflação. O IPCA previsto para este ano é de cerca de 3,8%.
A dúvida é qual taxa de juros prefixada a Caixa usará junto com o novo indexador. Se for manter o mesmo nível de juros praticado atualmente (9% ao ano, em média), os novos contratos deverão ter uma taxa da ordem de 5% ao ano mais IPCA.
A expectativa, porém, é o que banco efetivamente reduza o nível de juros, acompanhando a queda da Selic. Se for confirmada essa tendência, os novos contratos poderão ter taxa da ordem de 2% a 3% ao ano mais IPCA.
Como isso afeta o consumidor?
Especialistas ouvidos pelo UOL alertaram que o financiamento imobiliário indexado pelo IPCA deve ficar mais caro e arriscado para quem deseja comprar a casa própria. O problema está na grande oscilação do índice de inflação em longos períodos de tempo. Um contrato imobiliário costuma durar entre 15 e 30 anos.
"Usar o IPCA no lugar da TR vai encarecer o financiamento. É só a gente olhar o gráfico dos dois indexadores ao longo dos últimos dez ou 20 anos", disse Marcelo Prata, especialista em crédito imobiliário e fundador do aplicativo Resale e do site Canal do Crédito.
"A TR se mantém mais baixa ao longo do tempo, enquanto o IPCA segue a tendência da economia. Uma hora sobe bastante, outra hora cai um pouco. Ou seja, é bem mais volátil [instável]", disse Prata.
O gráfico abaixo mostra a diferença de comportamento, mês a mês, entre a TR e o IPCA desde 2004. As variações são percentuais.
"O ponto que merece atenção é o fato de que empréstimos imobiliários são muito longos. Estamos falando de 20, 30 anos", disse Rafael Sasso, cofundador da Melhortaxa, plataforma digital especializada em crédito imobiliário.
Mas a inflação não está controlada?
Embora a inflação no Brasil tenha ficado abaixo da meta estabelecida pelo Banco Central nos últimos três anos, nem sempre o índice se comportou como o esperado.
Em 2015, por exemplo, o IPCA superou os 10% no ano. Eventuais mudanças de preço nos alimentos, nos combustíveis ou na energia elétrica, por exemplo, podem provocar a disparada da inflação, fazendo aumentar o custo do financiamento imobiliário.
"A Caixa vai ancorar a correção do contrato a um índice macro, que é mais volátil do que a TR e que depende basicamente do desempenho da economia. É difícil prever o que pode acontecer num período tão longo. Mas, certamente, o financiamento vai ficar mais caro", afirmou Sasso.
IPCA já é usado em outros contratos?
Segundo Sasso, o uso do IPCA como indexador de contratos de crédito imobiliário não é uma novidade no Brasil, mas os financiamentos com esse indexador costumam ter prazo mais curto.
"As fintechs de crédito e alguns bancos menores fazem empréstimos habitacionais dessa forma. Só que o prazo dos financiamentos não passa de dez anos. No caso da Caixa, estamos falando, a princípio, em um empréstimo de até 30 anos", afirmou o especialista da Melhortaxa.
O que está por trás dessa mudança?
Na opinião dos especialistas, o que está por trás da decisão da Caixa em adotar o IPCA nos contratos imobiliários é a necessidade de buscar novas fontes de recursos junto a investidores para poder emprestar.
"A Caixa não deixou isso claro em suas declarações. Mas tudo indica que a adoção do IPCA está ligada a uma questão de 'funding' [captação de recursos]", declarou Sasso, lembrando que, em pelo menos dois momentos no ano passado, a Caixa suspendeu a concessão de empréstimos habitacionais por falta de recursos.
"Eu acho que falta a Caixa ser mais clara no motivo pelo qual ela está adotando o IPCA. Não é porque o IPCA é melhor do que a TR. O IPCA vai encarecer o custo do financiamento para quem contratar nesse novo formato, mas esse é o futuro do crédito imobiliário", afirmou Prata.
Que benefícios essa mudança pode trazer?
Os especialistas em crédito habitacional acreditam que o uso do IPCA como indexador dos contratos imobiliários pode estimular a concorrência entre grandes bancos, fintechs e outras empresas de crédito. O próprio Banco Central declarou que o objetivo do uso do IPCA é estimular a concorrência.
"Para esse mercado ter fôlego e continuar crescendo, é importante mudar o índice de correção dos contratos. Vai ficar mais caro, mas vai garantir que haja mais oferta de crédito na praça, para não depender só dos grandes bancos", disse Prata.
Ele disse que, hoje, os grandes bancos concentram o dinheiro da poupança, que é a principal fonte de recursos do crédito imobiliário. "Se a gente começar a ter financiamentos atrelados ao IPCA, o consumidor poderá buscar crédito em fintechs e outros participantes do mercado, fora dos grandes bancos."
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