Com coronavírus, setor de eventos congela e pode ter pior ano em 2 décadas
Campeonatos de futebol suspensos, shows e espetáculos adiados, feiras de negócios canceladas. Com a recomendação de distanciamento social para combater a disseminação do novo coronavírus, o setor de eventos tem enfrentado estagnação, que pode trazer o pior ano em duas décadas.
Empresários e representantes do setor dizem que ainda não conseguem estimar o prejuízo causado pela crise, mas já consideram o primeiro semestre morto. Em alguns segmentos, como de feiras e congressos, o impacto da crise é maior e pode gerar falências.
800 eventos cancelados
Entre cancelamentos, suspensões e adiamentos, o setor de eventos no Brasil está praticamente parado. Com agendas riscadas, empresários alternam entre minimização do prejuízo nos próximos meses e esperança de retomada no segundo semestre.
"O impacto está violento, muitos cancelamentos e adiamentos. Estamos estancados. Atendemos muitos eventos dentro de hotéis. Agora, ninguém vai fazer, né?", declarou Raffaele Cecere, CEO da R1 Soluções Audiovisuais, especializada em produção para eventos.
Segundo ele, havia cerca de 800 eventos marcados para os próximos meses e todos foram cancelados "da noite para o dia". "A hora que decretou pandemia foi o estopim. Há empresa falando de cancelar o semestre, não é mais só um mês. Um cliente grande, farmacêutico, simplesmente cancelou tudo até julho", relatou.
Esportes atingidos em cheio
Suspensão e adiamento também têm sido palavras muito usadas no setor esportivo, que muitas vezes depende de outros para se manter. A agência internacional de marketing Octagon, por exemplo, foi obrigada a parar por tempo indeterminado por um motivo simples: especializada em eventos esportivos, não há quase nenhum jogo acontecendo no planeta.
A companhia, que tem contrato com os principais campeonatos de futebol do mundo, como a europeia Champions League, Copa América de seleções e Copa Libertadores da América, e de outros esportes, como NBA, a liga norte-americana de basquete, está usando este período para organizar o futuro. Foram cerca de 20 eventos adiados nos próximos três meses.
"A gente vive de experiência ao vivo, é da natureza do esporte juntar pessoas — algo que, agora, vai contra as medidas de segurança. Então, estamos com 100% dos eventos suspensos", contou Eduardo Baraldi, CEO da companhia no Brasil. "Já sentimos quando começou a parar lá fora. Agora, aqui também parou tudo. Não perdemos o contrato, esperamos que vá acontecer, que o dinheiro vá entrar alguma hora, mas está parado."
Empresas vão quebrar, diz associação
Eles estão longe de estar sozinhos. De acordo com Fátima Facuri, presidente Abeoc (Associação Brasileira de Empresas de Eventos), todos os seus 1.200 associados, de 12 estados, estão com a agenda quase toda bloqueada.
"Estamos entrando em colapso, afundados no caos. Entendemos, obviamente, as posições da OMS [Organização Mundial de Saúde], concordamos, mas alguém precisa fazer alguma coisa. Do jeito que está, parte das empresas vai quebrar, não tem saída", afirmou Facuri. "Este vai ser o nosso pior ano em muito, muito tempo."
Prejuízo com material, passagens e hotéis pagos
Há ainda uma característica peculiar ao setor. Diferente do varejo e de outras áreas, seu principal problema não é não faturar, mas, além disso, ter de muitas vezes arcar com os prejuízos do que já foi pago. Empresários dizem que ainda não conseguiram calcular despesas.
"Para nós, o principal prejuízo é que muitas vezes já está tudo pago. Estes grandes eventos começam a ser programados um ano antes, às vezes mais. Tem toda operação de passagem aérea para trazer palestrantes ou artistas, custo com hotelaria, centro de convenções... Tudo pago. Mesmo que o local dê crédito para depois, como fazer com o que já foi investido em material ou promoção? O prejuízo ainda é imensurável", declarou a presidente da Abeoc.
Esperança de que eventos ainda aconteçam
Nenhum dos empresários contatados pela reportagem diz ter colocado na caneta o quanto perderão — em grande parte porque esperam que os eventos não sejam definitivamente cancelados, mas reagendados.
"A grande maioria dos contratos não tem sido cancelada, mas suspensa. Quando empurra para a frente, a gente considera que [o dinheiro] vai entrar. Pode não ser agora, mas entra", afirmou André Zavarize, CEO da ZAZ Produções.
Para ele, ao olhar para a projeção anual, o impacto diminui, mas este tempo parado não deixa de ser "um balde de água fria" em um ano que estava "decolando".
"A gente fica preocupado, claro. O mercado neste ano começou de 30% a 40% mais acelerado do que no ano passado, todo mundo querendo montar evento para ontem. Agora, tudo parou", declarou o empresário. "Mas acredito que vai retomar. Não pretendemos calcular [o prejuízo] neste período porque estamos considerando que os eventos aparecerão lá para frente."
Alugando computadores parados para gerar renda
Cada companhia tem lidado com a estagnação a seu modo. Algumas deram férias coletivas, outras arrumaram meios alternativos de gerar renda - mas todas decidiram enxugar de alguma forma.
"Estamos avaliando despesas, vendo onde dá para cortar. As execuções estão travadas, mas os planejamentos podem seguir, a máquina não para", declarou Baraldi, da Octagon.
"Estamos tendo de fazer dispensa a toque de caixa", contou Cecere, da R1. "Eu não queria fazer isso. E não sei vou se conseguir recontratar no futuro — talvez não — mas temos que segurar as pontas."
Para evitar mais demissões, a empresa decidiu alugar os cerca de 800 notebooks que tem no estoque. "Tem muita gente trabalhando de casa agora, né? Eles estavam parados, agora estão quase todos alugados. Não vai pagar todas as contas, mas já é uma ajuda", declarou.
Não cabem mais feiras e congressos em 2020
Dentro do setor, o segmento mais afetado é o de feiras e congressos. São eventos panejados com muita antecedência, e mesmo que o cenário se normalize no segundo semestre, não haverá espaço e tempo para todos.
"O calendário de eventos 2020 já não existe. Os eventos adiados estão tentando ser encaixados em outras datas, mas não tem como jogar tudo para segundo semestre", alerta Facuri. "Vendo isso, alguns organizadores e patrocinadores da indústria já estão pedindo para jogar para 2021 ou 2022. Mas e até lá? É o caos."
Zavarize concorda: "Nossos centros de eventos são lotados o ano todo. Para achar data nova é muito difícil. Nós fazemos um congresso muito grande de contabilidade, para 20 mil pessoas, de quatro em quatro anos. Se não acontecer na data prevista, ferrou, não tem o que fazer."
Uma das alternativas, diz Facuri, tem sido passar os eventos para outros estados que não São Paulo ou Rio de Janeiro. "Mas a gente depende de que a indústria, quem financia, diga OK. O problema é se eles preferirem evitar mudanças e simplesmente jogarem para 2021."
"Talvez tenha que fechar"
A empresária L.B. vive este drama. Sem querer se identificar, ela contou ao UOL que não sabe se sua empresa, especializada em aluguel de stands para feiras, irá sobreviver nos próximos meses.
"Quase todo o faturamento que eu tinha previsto para o primeiro semestre desapareceu. De abril até julho, está tudo cancelado", contou a empresária.
Segundo ela, são mais de 30 grandes eventos. "Eu não sei o que vou fazer. Já comecei a dispensar alguns funcionários que são CLT e avisei os intermitentes que não temos trabalho. Não é legal fazer isso em um momento como este, mas o que vou fazer? Os custos seguem. Talvez tenha que fechar", lamentou.
Empresas criam vaquinha para trabalhadores informais
Sem serviços, direitos trabalhistas e com uma possível ajuda do governo de R$ 600 por mês, os trabalhadores informais também foram severamente impactados pela crise. "O CLT, mesmo sendo demitido, ainda tem seus direitos, fundo de garantia. Com o mercado parado, quem é freelancer não vai ter nada", afirmou Cecere.
Pensando nisso, ele reuniu um grupo de cinco empresas do setor para formar a SAB (Supplier Alliance Brasil), uma vaquinha online que pretende angariar fundos para os trabalhadores informais.
"Estamos pedindo a outros empresários. Não é exagero, com o mercado parado, pode haver muitas pessoas que acabam até sem ter o que comer. Esta é nossa forma de contribuir em tempos difíceis", declarou o empresário.
O dinheiro recolhido vai para cerca de 300 profissionais informais cadastrados nos bancos das empresas participantes, como ajuda de custo em meio à estagnação. O objetivo é reunir R$ 15 mil para comprar cestas básicas para todos. É possível contribuir por meio do site de crowdfunding "Vakinha".
Ajuda do governo para setor
Uma das reclamações dos empresários é que, com a estagnação, o governo deveria ser mais proativo em relação ao setor.
"A gente precisa que governo federal e estados olhem para nós. Entendo que eles tenham diversas prioridades, mas precisamos de medidas agora, não podemos esperar. Se você deixar o setor de eventos morrer, vai dar ruim para todo mundo: hotelaria, centro te convenções, transporte executivo, tudo", declarou Facuri, da Abeoc.
No Rio de Janeiro, a Apresenta Rio (Associação dos Promotores de Eventos do Setor de Entretenimento e Afins do Estado) divulgou uma carta aberta aos governos federal, estadual e municipais com dez medidas para ajudar na crise.
Entre elas, estão acesso imediato a linhas de crédito específicas, instituição de um regime de tributação diferenciado temporário e desoneração da folha de pagamento para os empregadores com isenção do recolhimento de INSS e FGTS pelos próximos 180 dias.
O UOL procurou o Ministério da Economia para saber se será lançada alguma medida específica para o setor, mas não teve resposta.
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