"O brasileiro não vê com bons olhos qualquer tipo de avaliação"
Resumo da notícia
- André Fischer, pioneiro em avaliação de clima organizacional no país, afirma que o brasileiro não se sente confortável em avaliações de feedback
- A experiência de André será aplicada para eleger os Lugares Incríveis para Trabalhar, em uma parceria entre FIA e UOL
- Levantamento indica que pessoas em cargos qualificados estão satisfeitas com home office durante a pandemia
- Pesquisador acredita que a "uberização do trabalho" deve levar à criação de sindicatos também digitais
"A avaliação de desempenho sempre foi um gargalo na gestão de RH no Brasil. O avaliador tem dificuldade de avaliar, e o avaliado não quer ser avaliado." O professor doutor André Fischer fala com conhecimento de causa: ele é um dos pioneiros em metodologias de avaliação de clima organizacional no país. Sua experiência de 40 anos é parte integrante do novo Prêmio Lugares Incríveis para Trabalhar, lançado no último dia 30, resultado de uma parceria entre a FIA e o UOL.
A premiação é baseada na pesquisa FIA Employee Experience, elaborada pela Fundação Instituto de Administração (FIA) Business School, onde Fischer é livre-docente e coordena os MBAs de Recursos Humanos e Especialização em Gestão de Pessoas. Segundo Fischer, trata-se de uma área particularmente desafiadora no cenário corporativo brasileiro. "Temos uma cultura que não vê com bons olhos qualquer tipo de avaliação. Somos mais coletivistas. 'O grupo é mais importante do que a minha posição pessoal'. 'A minha relação com a equipe é mais importante do que meu papel de liderança, de avaliador'", analisa.
Além de premiar os lugares incríveis para trabalhar no Brasil, a pesquisa também traz novidades, como a criação de um índice específico para CEOs, que revelará como eles são percebidos por seus funcionários. Empresas podem se inscrever, gratuitamente, até 12/9, e o prazo para responder a pesquisa vai até 26/9.
Fischer falou com exclusividade ao UOL Economia sobre o Prêmio e sobre como as práticas de RH vêm sendo impactadas pela pandemia, pela crise econômica, pela ascensão das start-ups e pela chamada "uberização do trabalho".
O senhor lidera estudos de gestão de pessoas desde a década de 80, que culminaram na pesquisa Lugares Incríveis para Trabalhar. Nessa longa trajetória, o que mudou nas empresas nos últimos anos?
Antes, a pesquisa focava mais em "satisfação" [do trabalhador]. Com o passar do tempo, passamos a medir outros estados psicológicos, com uma ênfase muito grande em "comprometimento". É diferente de satisfação. Comprometimento é o quanto a pessoa está afim de defender o projeto daquela organização. Um bom exemplo é o dos bombeiros do World Trade Center, que estão olhando o prédio e pensando, "eu tenho que entrar ali". Eles não estão satisfeitos de entrar lá. Mas o comprometimento exige que entrem, e eles entram.
O que o senhor espera encontrar na pesquisa Employee Experience e no prêmio Lugares Incríveis para Trabalhar este ano? Como está a gestão de pessoas no Brasil hoje?
A gente percebe que, nas empresas brasileiras melhores estruturadas, e de certos segmentos, como serviços e tecnologia, houve uma reformulação do RH para realizar essa migração de satisfação para comprometimento. Nas organizações que ditam as tendências de RH, isso está muito claro. Com colaboradores comprometidos, elas vão se transformando em organizações que não dependem do controle sobre essas pessoas para gerar seus resultados. É mais barato ter esse tipo de vínculo, porque você não precisa pagar uma estrutura de controle. E os questionários que fazem parte da nossa metodologia, para o RH e para os funcionários, entendem essa tendência. Nós não perguntamos para o funcionário apenas "Você gosta desse trabalho? Você tem um bom salário? Um bom benefício?". O que distingue as empresas é quando perguntamos algo como "Você recomenda essa empresa para o seu filho trabalhar?" Essa é uma pergunta que praticamente explica a variação dos resultados em quase todas as outras.
A metodologia da pesquisa evolui a cada ano. Quais são as novidades em 2020?
Um grande diferencial é nossa ênfase em inovação. Nossos instrumentos foram revisados para valorizar esse aspecto digital, inovador. Nós também trabalhamos aspectos que outras pesquisas desse tipo não abordam. Por exemplo, os CEOs. Nós incluímos perguntas para saber o que as pessoas acham do CEO da companhia. Isso traz uma série de elementos muito interessantes - podemos terminar a pesquisa descobrindo quem é o CEO mais admirado no país. Também abordamos bastante os efeitos da crise gerada pela pandemia de covid-19. Até porque nós achamos importante nosso papel de, neste momento crucial, mostrar às empresas exatamente como está esse impacto.
E como a pandemia, o isolamento e a implementação do home office impactaram as relações de trabalho?
Nós já temos duas pesquisas feitas que tratam da relação entre RH e Covid-19. Uma é sobre como as empresas estão reagindo nessa situação. A outra fala sobre a percepção do home office entre pessoas com níveis muito qualificados nas organizações (gestores, executivos, técnicos de alto nível, etc.) Tivemos duas conclusões. Primeiro, que as empresas tomaram uma série de iniciativas de RH muito diferentes de situações anteriores, mas as lideranças não estavam bem preparadas para trabalhar uma equipe à distância. Tiveram que aprender, e muitas não aprenderam. E, do lado das pessoas, elas estão muito satisfeitas e se dizem dispostas a continuar [em home office] se isso for uma decisão da empresa.
A pesquisa não detectou estresse ou desgaste?
A indicação vem de uma pergunta específica sobre como a pessoa sente a saúde mental neste momento. E o resultado é impressionante. Foi positivo. Inclusive entre mulheres. O principal fator de correlação da satisfação que encontramos, até agora, é com o tempo gasto anteriormente com deslocamento. Mas a satisfação não desvia quando a pessoa é casada ou tem filhos. Eu também imaginava, por exemplo, que quem tem uma sala isolada para trabalhar em casa fosse mais satisfeito, mas não. Agora estamos conduzindo um estudo para cruzar esse dado com o número de filhos. Sobre desgaste e estresse, há uma exceção: o segmento que atua em educação, como professores. É o mais insatisfeito.
O que têm acontecido com o papel do RH com a ascensão do modelo das startups, que costumam ter diretrizes para gestão de pessoas menos consolidadas?
Ainda não temos dados concretos, porque esse fenômeno é atual e precisamos de distanciamento. Mas posso falar um pouco sobre isso de forma preliminar. A startup tem como característica o fato de que as pessoas ali correm o risco junto com o proprietário, com o primeiro investidor. Elas assumem o risco de a empresa não vingar, ou de ela pivotar e elas ficarem sem emprego. Quem entra nesse jogo sabe disso.
No último dia 1º, tivemos uma paralisação dos entregadores de apps, que trouxe atenção novamente à chamada "uberização do trabalho". Como é a gestão de pessoas nesse tipo de empresa?
É uma questão mais complicada, porque essa gestão continua sendo baseada em controle: do aplicativo, do sistema, da avaliação que o cliente faz... Eu acho que vamos chegar em uma nova sindicalização. A tecnologia permite mais vigilância para um grupo de trabalhadores. Ou esse grupo se organiza coletivamente, como vimos recentemente, ou ele não consegue estabelecer uma relação de igual pra igual [com a organização]. A tecnologia permite duas possibilidades. Uma é o surgimento do trabalhador do conhecimento, que está nessa pesquisa de home office que mencionei. A outra é o surgimento de uma nova classe operária, que vem com a uberização, e que se torna um embrião de um sindicato digital do futuro. Repete o passado de uma forma digital.
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