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Credores da Samarco acusam Vale e BHP de manobras para receber R$ 24 bi

Estragos provocados pelo rompimento de duas barragens da mineradora Samarco no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG) - Avener Prado/Folhapress
Estragos provocados pelo rompimento de duas barragens da mineradora Samarco no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG) Imagem: Avener Prado/Folhapress

Maurício Angelo

Do Observatório da Mineração

18/06/2021 14h29

Um grupo de credores da Samarco acusa a Vale e a australiana BHP, donas da empresa, de fazer manobras financeiras usando a Fundação Renova, criada para pagar as indenizações devidas pela Samarco por causa do desastre de Mariana (MG), em 2015. Por causa das manobras, a Samarco, em recuperação judicial desde abril, teria de pagar quase R$ 24 bilhões à Vale e à BHP. Esse valor representa metade da dívida total da Samarco.

Segundo os credores, as duas donas da Samarco fizeram aportes na empresa para que ela pudesse, por meio da fundação, pagar as reparações. Agora cobram o dinheiro de volta. Elas também aparecem nos documentos da recuperação judicial como credores privilegiados, como direito de receber antes dos outros.

Os credores questionam essas manobras em uma petição de 15 de junho, na 2ª Vara Empresarial de Belo Horizonte (MG).

Na visão dos credores, baseados em demonstrações financeiras e documentos obtidos na Junta Comercial de MG, "Vale e BHP se utilizam da Samarco para fazer os aportes devidos à Renova, pelas quais são objetiva e solidariamente responsáveis, como se assumir tal responsabilidade fosse uma prerrogativa e não decorrência legal e constitucional".

Por essas manobras, a Samarco deveria R$ 11,9 bilhões para a Vale e R$ 11,8 bilhões para a BHP.

Os credores afirmam que a Vale e a BHP têm a obrigação de fazer os aportes na Renova, para que a fundação possa pagar suas obrigações para reparar os danos socioambientais, como estabelecido no acordo entre as mineradoras e os governos da União, de Minas Gerais e do Espírito Santo, em 2016. Para eles, as duas empresas têm o direito de cobrar da Samarco só um terço dos valores que elas pedem.

O grupo de credores questiona também um novo empréstimo de R$ 1,2 bilhão que a Samarco tenta obter com Vale e BHP. Eles dizem que esse empréstimo não obedece a um processo justo e que Vale e BHP foram as únicas a oferecer o montante.

Vale e BHP dizem que tem direito de receber o dinheiro

Procurada, a Vale disse que "como acionista, reforça seu compromisso com a sustentabilidade da Samarco para manter a continuidade de suas operações, gerando emprego e renda. Somente dessa forma, a Samarco poderá manter seus compromissos com a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, conforme acordado no TTAC —compromisso celebrado com as autoridades competentes".

Segundo a mineradora, "nos últimos cinco anos, a Vale e a BHP, como acionistas, apoiaram a Samarco com US$ 4,1 bilhões para manutenção da companhia, permitindo a retomada de suas operações e visando possibilitar que a Samarco cumprisse as suas obrigações".

A BHP, dona da outra metade da Samarco, disse que "juntas, BHP e Vale fizeram aportes na Samarco de aproximadamente R$ 24 bilhões nos últimos cinco anos, para permitir que a empresa sobreviva, reinicie suas operações e financie a remediação e compensação executadas pela Fundação Renova. O financiamento foi concedido em termos semelhantes aos de outras dívidas pré-rompimento da Samarco, apesar de concedido em circunstâncias diferentes".

A Samarco afirmou que, "com relação às obrigações não sujeitas à recuperação judicial, incluindo os compromissos com os acordos de reparação, a Samarco reafirma a sua responsabilidade, cabendo a ela os pagamentos daí decorrentes".

A assessoria da Renova disse, por telefone, que a fundação não iria comentar.

Credores acusam mineradoras de "golpe final"

O grupo de credores que está questionando as manobras de Vale e BHP reúne fundos de investimentos e instituições como York, Ashmore, Canyon, Bank of America, Maple Rock, Solus, HSBC, BNY Mellon, Citigroup, Fundos CVC e Fundos BR, que representam cerca de R$ 21 bilhões da dívida da Samarco. É 80% da dívida da Samarco, já tirando os R$ 24 bilhões para Vale e BHP.

Na petição de 15 de junho, dos escritórios Padis Mattar, FCDG e Resende Ribeiro & Reis, que representam este grupo de credores, enviada ao juiz Adilon Cláver de Resende e intitulada "O Golpe Final da Vale e BHP", são feitas 91 alegações.

No período entre 2016 e 2021, afirma a petição, Vale e BHP celebraram 92 contratos com a Samarco. Os primeiros, datados de 27 de outubro de 2016— sete meses após a assinatura do acordo de reparação entre as mineradoras e os governos. Os últimos datam de 15 de março de 2021, menos de um mês antes da recuperação judicial.

Os pedidos finais dos credores para o juiz da 2ª Vara Empresarial de Belo Horizonte incluem a rejeição integral do novo empréstimo de R$ 1,2 bilhão e a proibição da Samarco de "realizar qualquer pagamento à Renova, em razão da manifesta concursalidade do crédito devido a título de obrigações socioambientais".

Sobre os credores mencionados, Vale e BHP disseram que eles são "em sua grande maioria, fundos que compraram a dívida da Samarco após o rompimento da barragem de Fundão e não contribuíram com nenhum financiamento ou recursos para a recuperação da empresa".

A Samarco disse que o novo empréstimo de R$ 1,2 bi é um mecanismo de financiamento legal muito utilizado por empresas em processo de recuperação judicial.

Sobre os credores que detêm R$ 21 bilhões da sua dívida, a Samarco afirmou que "o que os credores propõem vai exatamente na contramão dos compromissos da Samarco com a reparação dos danos, da sua recuperação econômico-financeira e da manutenção da sua função social".

MP pediu extinção da fundação e suspeição de juiz

Os novos fatos têm relação direta com uma investigação publicada em julho de 2020 no Observatório da Mineração, mostrando que Vale e BHP estavam usando a Samarco e a Renova para reembolsar parte dos bilhões de reais que se comprometeram a pagar como reparação pelo rompimento da barragem em Mariana, em novembro de 2015, o maior desastre ambiental do Brasil.

Em fevereiro de 2021, o Ministério Público de Minas Gerais pediu a extinção da Fundação Renova e uma multa de R$ 10 bilhões em danos morais. O processo depende de o STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidir, a pedido da AGU (Advocacia-Geral da União), se a competência para julgá-lo é estadual ou federal.

Neste contexto, está em xeque também o sistema de indenização simplificado criado pelo juiz da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, Mário de Paula Franco Júnior. A Renova já pagou mais de R$ 1,2 bilhão em indenizações por esse sistema, que exige que o atingido abra mão de diversos direitos.

O sistema, que não respeita o acordo feito com Ministérios Públicos e Defensorias e todo o histórico de debate nos territórios, levou ao pedido de suspeição do juiz substituto Mário de Paula Franco Júnior, após matérias publicadas no Observatório.