'Fora, Bolsonaro' e críticas a Guedes marcam ato de servidores por aumento
Palavras de ordem contra o ministro Paulo Guedes (Economia) e gritos de "fora, Bolsonaro" marcaram ato esvaziado em que servidores públicos federais reivindicaram, nesta terça-feira (18), aumento salarial de até 28%.
À tarde, o protesto reuniu cerca de 400 integrantes de 50 categorias do funcionalismo público federal em frente à pasta comandada por Guedes. Pela manhã, o protesto foi em frente ao Banco Central e reuniu aproximadamente 300 pessoas. De acordo com os organizadores, não foi possível reunir mais pessoas por causa da pandemia de covid-19.
O ato é uma reação de servidores federais à promessa do presidente Jair Bolsonaro (PL) de conceder reajuste somente a categorias policiais, que são importante base eleitoral do atual governo. As categorias que aderiram às manifestações de hoje pedem reposição pela inflação acumulada desde os últimos reajustes, em 2017 e 2019. No total, seriam beneficiados aproximadamente 600 mil servidores da ativa.
Entre as categorias privilegiadas por Bolsonaro em sua previsão de aumento, os delegados da PF têm remuneração inicial de R$ 23,6 mil, de acordo com dados do Painel Estatístico de Pessoal do Ministério da Economia. Agentes podem ganhar até R$ 18,6 mil. Policiais rodoviários têm salários que podem chegar a R$ 16,5 mil.
Entre os servidores que pedem aumento, há categorias de elite, como funcionários do BC, que podem ganhar de R$ 7.200 a R$ 27, 3 mil. E diplomatas —que ganham de R$ 19, 1 mil a R$ 27, 3 mil. O último reajuste para essas classes foi em 2019.
O UOL pediu a Bolsonaro um posicionamento sobre os atos, e aguarda resposta. O Ministério da Economia e o BC disseram que não comentarão as manifestações. O vice-presidente, Hamilton Mourão, falou hoje que há espaço no Orçamento de 2022 para conceder aumento, mas que o presidente "ainda não bateu o martelo" sobre a promessa de beneficiar ao menos os policiais.
'Não queremos ganho real, só repor inflação'
Perto do BC, servidores ligados ao Sinai (Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central) puxavam gritos de "fora, Bolsonaro". Também havia imagens ironizando o ministro Guedes, que já se manifestou contra qualquer aumento a servidores em várias ocasiões.
Técnica do BC desde 2004, Maria A. C., 48, afirmou ao UOL que a categoria teve perdas com a inflação. "Os servidores precisam recuperar o poder de compra dos salários. Merecemos reposição emergencial das perdas, daí a exigência do reajuste comum para todos", disse.
A servidora falou que as desigualdades salariais entre categorias são "uma questão de saúde fiscal e equidade. Mas não podemos colocar toda a responsabilidade nas costas de trabalhadores, quando o Estado mostra-se incompetente na gestão."
Fabio Faiad, presidente do Sinal, criticou as "benesses" que o governo oferece a "grupos que teoricamente votam em Bolsonaro".
Não queremos ganho real, apenas a reposição inflacionária. O reajuste do servidor sempre é revertido em alimentos, serviços, compras, ajudando a impulsionar a economia brasileira.
Fabio Faiad, presidente do Sinal (Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central)
'Não somos elite, mas sim trabalhadores'
Funcionária da Câmara dos Deputados desde 1999, Hélida D., 57, nega que haja caráter elitista nas manifestações de hoje.
Elite não vai para a rua pedir direitos fundamentais. É um engano. Somos trabalhadores, e só estamos pedindo que o governo cumpra com sua promessa de distribuir a verba orçamentária para todas as categorias.
Hélida D., servidora na Câmara dos Deputados
Luiz C. N., 57, professor do departamento de enfermagem da UFG, reclamou do aumento apenas a policiais. "Reajuste para os servidores federais da saúde é importante... Durante a pandemia, contribuímos para salvar vidas, arriscando as próprias vidas. O governo cada vez mais reforça o quanto desvaloriza a ciência. O aumento é só para a sua base eleitoral, seguranças e policiais federais", disse.
Líder da bancada do PT na câmara, o deputado Reginaldo Lopes (MG) atribui a Guedes a responsabilidade pela crise entre as categorias. "O governo não tem dimensão do país, nem da democracia, nem do diálogo. Eles criaram espaço no orçamento de 2022 e não fizeram políticas para aumentar o salário mínimo, por exemplo", disse.
Ele se refere à aprovação da lei orçamentária de 2022, que destina R$ 1,7 bilhão para aumento salarial a servidores, cujo texto não define quem será beneficiado. Os servidores mobilizados hoje defendem que os reajustes devem se estender a todos funcionários federais.
O presidente tem até sexta-feira (21) para sancionar o Orçamento e decidir onde será aplicado esse valor, inicialmente prometido à PF, ao Depen e à PRF. A bancada do PT na Câmara planeja convocar Guedes e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, para prestar esclarecimentos em plenário.
Risco de greve
Os servidores devem se mobilizar novamente em 25 e 26 de janeiro, caso seus pedidos não sejam atendidos. Internamente, avalia-se também a possibilidade de se iniciar uma greve em fevereiro.
"A mobilização começa agora, mas não tem data para acabar. Só termina com a reposição de ao menos as perdas inflacionárias, que já passam dos 28%", afirmou Rudinei Marques, dirigente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas do Estado (Fonocate).
A pressão por aumentos se intensificou no fim de 2021, quando Bolsonaro sinalizou que daria aumento para categorias ligadas à segurança pública. São cerca de 45 mil policiais federais, policiais rodoviários federais e agentes penais.
A promessa desagradou servidores da Receita, provocando a entrega de 1.300 cargos de chefia no órgão desde o último mês. Depois, o movimento se disseminou para funcionários de outros órgãos, como o BC.
O presidente da Condsef (Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal), Sérgio da Silva, disse que os servidores subirão o tom do movimento se não obtiverem resposta do governo federal. "Nos deem uma reposta, senão vão engolir a maior greve do funcionalismo público no Brasil", disse.
O que querem os servidores
Todas as categorias defendem aumento de salário, de forma geral. Mas os detalhes variam. Os funcionários do BC pedem, segundo Faiad:
- Reajuste de 26,3%, além de reestruturação da carreira de analistas e técnicos do órgão;
- Mudança da previdência dos funcionários do Banco Central;
- Reconhecimento das atividades como sendo de Estado.
As demais categorias pedem:
- Policiais federais e agentes penitenciários: reestruturação das carreiras, com reajuste salarial sem porcentual definido;
- Poder Judiciário: reajuste de 28%, que representa as perdas com a inflação desde 2017;
- Diplomatas e outras categorias: aumento pela inflação acumulada no governo Bolsonaro, desde 2019, de 20%;
- Receita Federal: regulamentação do bônus de eficiência da categoria e recomposição dos cortes no Orçamento.
Bolsonaro causa divisão entre trabalhadores, dizem parlamentares
Na avaliação de Tiago Mitraud (Novo-MG), o salário de servidores públicos deve ser compatível com a realidade do país. Por isso, não caberiam aumentos em ano de pandemia, quando os níveis de desemprego e fome atingem recordes.
"Quando o governo promete aumento a uma categoria em detrimento de outra, ele causa divisões entre os próprios servidores", diz. "Por outro lado, é impertinente que servidores públicos peçam aumento num momento de crise econômica, como a atual".
Na avaliação do deputado federal Professor Israel (PV-DF), o ato dos servidores é uma resposta às políticas "irresponsáveis" do Planalto. "O governo pega a verba da classe média, de servidores públicos, e aplica em emendas [parlamentares] sem usar nenhum critério. É um governo que faz escolhas de investimentos incorretas. O presidente toma atitudes voluntariosas sem ouvir a própria equipe", disse.
Para o líder do Cidadania na Câmara, Alex Manente (SP), este não é o melhor momento para atender às reivindicações.
"Todas as categorias precisam de valorização. Mas é descabido, no momento atual, em que o Brasil passa por diversas dificuldades, falarmos em reajuste total para o funcionalismo. Precisamos recuperar a economia, fazer com que ela tenha condições de gerar uma cadeia de desenvolvimento nacional e, a partir disso, dar os reajustes salariais", disse.
Guedes é contra qualquer aumento
A posição dos parlamentares converge com a de integrantes do próprio governo, que dizem acreditar que uma paralisação geral implicaria em maiores danos para o governo do que o descumprimento da promessa que o presidente fez para sua base na PF.
O ministro Paulo Guedes, por exemplo, tem tentado convencer Bolsonaro a recuar da promessa de privilegiar policiais no plano de reajustes, conforme relataram interlocutores do governo ao UOL.
"A sugestão é que nenhum servidor federal tenha reajuste salarial neste ano", disse um integrantes da equipe econômica. "O presidente tem a melhor das intenções, mas, se ceder, sofrerá pressão para dar a todos os outros."
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