Salário mínimo seria de R$ 1.410 sem interrupção de ganho acima da inflação
O salário mínimo estaria hoje em ao menos R$ 1.410 se a política de valorização anterior, que considerava a inflação e a variação do PIB para reajustar o valor, tivesse sido mantida entre 2020 e 2022. Um projeto de lei do governo Lula (PT) quer tornar permanentes aumentos anuais acima da inflação, o que impacta não só na renda da população, mas também nos cofres públicos.
Entenda os valores
Se política de valorização tivesse sido mantida, o salário mínimo seria de R$ 1.410. Os cálculos foram feitos por Daniel Duque, pesquisador da área de mercado de trabalho da FGV (Fundação Getúlio Vargas), a pedido do UOL. O valor representa uma diferença de quase 7% em relação ao atual (R$ 1.320).
Diferença de R$ 90 'não é desprezível' para trabalhadores, diz pesquisador. Quantia é quase suficiente para comprar um botijão de gás de cozinha em São Paulo, que está custando, em média, R$ 108,89, de acordo com a ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).
O que é a política de valorização?
Valorização acima da inflação foi abandonada no governo Bolsonaro. De 2011 a 2019, o salário mínimo foi corrigido com base no INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) do ano anterior e na variação do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes. A política instituída por Dilma Rousseff (PT) foi interrompida em 2020. Na época, a avaliação do governo de Jair Bolsonaro (PL) foi de que o impacto para as contas públicas seria muito grande.
Antes de 2023, o último aumento real foi promovido em 2019. Naquele ano, o piso subiu de R$ 954 para R$ 998 — R$ 8 a menos do que o inicialmente previsto pelo governo de Michel Temer (MDB). Com Bolsonaro, o piso só superou a inflação em 2023, quando passou de R$ 1.212 para R$ 1.302.
Em 1º de maio, Lula definiu um novo reajuste, para os atuais R$ 1.320. Com o adicional de R$ 18, o aumento em relação ao valor do salário mínimo de 2022 foi de R$ 108 — um reajuste total de 8,91%, acima da inflação acumulada no ano passado (5,93%).
Aumento real não é obrigatório por lei, mas foi uma das promessas de Lula. O objetivo, segundo o governo, é aumentar o poder de compra das famílias. Por ora, a proposta de Orçamento para 2024 prevê salário mínimo de R$ 1.389.
Impacto do salário mínimo
Mais de um terço dos trabalhadores recebem até um salário mínimo. Um levantamento feito pelo economista Bruno Imaizumi, da LCA Consultores, aponta que cerca de 35,6 milhões de pessoas têm renda mensal de até um salário mínimo. Dados se referem ao segundo trimestre de 2022.
Benefícios do INSS também usam o piso nacional como referência. Segundo o governo federal, 65% dos beneficiários do RGPS (Regime Geral de Previdência Social) — ou quase 14 milhões de aposentados e pensionistas — recebem um salário mínimo.
Salário mínimo ainda é base para BPC, abono e seguro-desemprego. Eventuais reajustes no piso também impactam idosos e pessoas com deficiência que recebem o BPC (Benefício de Prestação Continuada), empregados formais com direito ao abono salarial e demitidos que recebem o seguro desemprego. Só em 2022, de acordo com o governo:
- 5,1 milhões receberam o BPC
- 25,7 milhões receberam o abono salarial
- 8,5 milhões de parcelas de um salário mínimo foram pagas como seguro-desemprego
O que dizem especialistas
Reajuste é necessário, mas política do governo Lula não é a melhor. Daniel Duque, da FGV, concorda que aumentar o salário mínimo é importante porque melhora a distribuição de renda, mas diz que usar o PIB como uma das variáveis no cálculo "não é o ideal". "Há melhores formas de balizar esse crescimento [da economia]", avalia.
Aumento deveria ser feito com base em produtividade, diz economista. Tiago Sbardelotto, da XP, acredita que usar apenas uma porcentagem da taxa de crescimento da economia ou o PIB per capita no cálculo seria a melhor forma de reajustar o salário mínimo anualmente. Assim, o aumento seria feito "com base no crescimento da produtividade".
Uma política de valorização do salário mínimo pode ser positiva, mas não da forma como foi proposta pelo governo. Quando você tem um crescimento do salário mínimo acima da produtividade, você está colocando um custo adicional para as empresas, e esse custo tende a ser repassado para a economia como um todo, por meio da inflação.
Tiago Sbardelotto, da XP
Reajustar o salário mínimo sem aumentar o déficit fiscal é "muito difícil". Os economistas ouvidos pelo UOL questionam como financiar os aumentos acima da inflação sem quebrar a regra de gastos (a ser aprovada) ou pressionar as contas públicas. O governo calcula que retomar a política de valorização anterior impactaria cerca de 40 milhões de pessoas e custaria:
- R$ 18,1 bilhões em 2024
- R$ 25,2 bilhões em 2025
- R$ 39,1 bilhões em 2026
Esse é o maior problema da política de salário mínimo no Brasil: é sempre associada a um custo fiscal elevado. A princípio, não deveria haver espaço para esse aumento, mais os investimentos e gastos sociais que o governo quer. É difícil entender qual é a equação para fechar essa conta.
Daniel Duque, da FGV
O que diz o governo
Nova política de reajuste do salário mínimo foi enviada ao Congresso. Projeto de lei foi apresentado pelo governo Lula no último dia 5 e retoma a política de valorização anterior, que leva em conta a inflação do ano anterior somada ao crescimento do PIB de dois anos antes.
Se a proposta for aprovada, as variáveis consideradas para o aumento do salário mínimo em 2024 serão:
- INPC acumulado de novembro de 2022 a novembro de 2023
- Crescimento do PIB de 2022, divulgado pelo IBGE
Em caso de retração da economia, reajuste será feito só pela inflação. É semelhante ao que aconteceu em 2017 e 2018: como o PIB de 2015 e 2016 registrou queda, o governo considerou apenas o INPC para aumentar o salário mínimo.
"Trabalhador de baixa renda precisa recuperar poder de compra". Procurado pelo UOL, o Ministério da Fazenda afirmou que a valorização do salário mínimo é um dos principais instrumentos para melhorar as condições de vida das famílias vulneráveis e ainda impacta positivamente a atividade econômica, por meio da expansão do consumo.
O trabalhador de baixa renda precisa de políticas que recuperem seu poder de compra e melhorem suas condições de vida, reduzindo as desigualdades. A valorização real do salário mínimo é avaliada como um dos principais instrumentos para atingir estes objetivos. (...) Ainda que imponha limites para o crescimento de outras despesas, a política de valorização continua sendo uma das prioridades do governo.
Ministério da Fazenda, ao UOL
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