'Anulo minha carreira para cuidar do meu filho de 4 anos', diz mãe
A pedagoga Natalia Sammartino, 37, sempre teve dois empregos simultâneos antes de ser mãe, mas, desde janeiro, está desempregada e com dificuldade para voltar ao mercado de trabalho. Isto porque é difícil conciliar a jornada escolar de Eduardo, seu filho de quatro anos, com a sua vida profissional.
O caso de Natalia não é isolado. Um dado do IBGE divulgado neste mês mostra que mães com filhos pequenos têm mais dificuldade de participarem do mercado de trabalho do que mulheres sem filhos. Em 2022, a diferença no nível de ocupação entre mulheres sem filhos e aquelas com crianças de até 6 anos era de 9,6 pontos percentuais.
Vida em casa
Em 2019, Natalia voltou a trabalhar depois da licença maternidade. No entanto, ficou desempregada no final do ano quando a escola em que trabalhava fechou. No ano seguinte, preferiu ficar em casa devido à pandemia, já que o marido trabalhava fora e não havia escolas abertas para deixar Eduardo.
Foi nessa época que Natalia começou a fazer doces para ter uma renda extra. Em 2022, voltou ao mercado formal de trabalho, atuando meio período em uma escola, para conciliar com o horário de aulas de Eduardo. Natalia decidiu sair do emprego, que diz que estava insustentável, e retomar as buscas por uma vaga melhor, mas começou a enfrentar novas dificuldades. Por ser mãe, sempre é questionada sobre os cuidados do filho enquanto estiver trabalhando.
Conciliar os horários de trabalho com a carga horária de Eduardo na escola é uma dificuldade. Hoje o marido de Natalia viaja a trabalho com frequência, o que faz com que ela seja a responsável pela rotina do filho na maioria das vezes. Eduardo estuda no período da manhã, das 8h às 12h, em uma escola particular.
Com meu marido viajando, fica muito ruim, porque preciso ter alguém para ficar com o Eduardo. Então, eu acabo meio que anulando a minha carreira, entre aspas, para que o meu marido, que é nossa renda principal, consiga trabalhar e continuar provendo a casa.
Natalia Sammartino, pedagoga e mãe de Eduardo
Hoje Natalia busca uma vaga que possa trabalhar de casa pelo menos alguns dias da semana. Ela trabalhou de setembro de 2023 até janeiro deste ano em home office, mas foi demitida.
A minha pretensão é conseguir um emprego que seja home office. Se não for home office, que então seja um salário bom para que eu consiga deixar ele no integral da escola. Para trabalhar e ganhar um salário que vai metade embora [para pagar o integral] não vale a pena.
Natalia Sammartino, pedagoga e mãe de Eduardo
Home office como prioridade
Janaína Caixeta tem 31 anos e é mãe de Tiê, uma menina de três anos. Após ter sido demitida de um emprego como CLT em março de 2023, voltou ao mercado de trabalho como PJ para poder dar conta da vida pessoal e dos cuidados com a filha. Ela recusou outras propostas de emprego porque seria difícil conciliar a rotina com a pequena.
A filha de Janaína entrou na creche quando tinha 11 meses. A rotina de trabalho como CLT coincidia com o horário da creche, já que trabalhava em um horário menos convencional (das 7h às 16h).
Enquanto procurava recolocação, ponderou o que seria preciso para manter a rotina com a filha. Ela não estava satisfeita com o emprego que tinha antes de ser demitida, mas foi levando a situação justamente por conseguir trabalhar e manter os cuidados maternos. Hoje o trabalho de Janaína é home office.
Essa logística acaba ficando muito complicada [do trabalho presencial]. Pela casa, pela criança. Eu comecei a procurar 100% remoto, porque eu sei que minha casa precisa de mim para ela funcionar. Se eu não estiver aqui, quem fará o que eu faço hoje?
Janaína Caixeta, mãe de Tiê, de três anos
Janaína diz que o marido é presente na educação e cuidados da filha, mas que mesmo assim existe uma sobrecarga maior sobre ela. Ela já chegou a recusar propostas de emprego, porque não daria para conciliar com as aulas de Tiê.
Acabei rejeitando algumas propostas. Eu estava procurando só empregos que me permitissem trabalhar de casa no momento em que percebi que eu não precisava estar na empresa [para exercer trabalho], diferente da minha casa, que tem a necessidade de eu estar aqui.
Janaína Caixeta, mãe de Tiê, de três anos
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Quero receberEmprego para mulheres
A falta de acesso a cuidados infantis dificulta a permanência de mulheres no mercado de trabalho. Um dado do Banco Mundial, divulgado em março deste ano, mostra que a expansão do acesso a cuidados infantis tende a aumentar a participação das mulheres na força de trabalho em cerca de 1 ponto percentual inicialmente. Esse efeito mais do que duplica no prazo de cinco anos.
Hoje só metade das mulheres no mundo participam da força de trabalho. O número é de dois terços para os homens, o que significa que 75% deles fazem parte da força de trabalho. Se a disparidade de gêneros fosse excluída, o PIB global poderia aumentar mais de 20%, segundo o Banco Mundial.
O mundo não pode deixar de lado metade da sua população. Quando olhamos a disponibilidade, acesso e qualidade [de cuidados infantis], essa estrutura que beneficia os pais não é existente em 128 países ao redor do mundo. As mulheres têm que parar para pensar se vão trabalhar ou vão cuidar dos filhos.
Natália Mazoni Silva Martins, especialista em gênero e desenvolvido do Banco Mundial
Falta de acesso a creches e escolas
As creches públicas são insuficientes para dar conta de toda demanda. Claudia Mazzei Nogueira, coordenadora do Núcleo de Estudos do Trabalho e Gênero da Unifesp, afirma que como o cuidado de crianças ainda é mais ligado às mulheres, a falta de acesso a creches impacta diretamente a empregabilidade destas pessoas.
Mesmo quando há creches e escolas disponíveis, existe uma dificuldade em relação ao horário de trabalho. Normalmente as creches abrem às 7h e, quem tem horários diferentes de trabalho precisa se adaptar, seja contando com ajuda de um familiar ou de suporte da própria empresa — algumas companhias oferecem espaços para as mães e pais deixarem seus filhos durante o trabalho, mas não a minoria. As escolas funcionam no período da manhã, tarde ou integral.
A pandemia deixou mais evidentes os desafios entre vida profissional e pessoal das mulheres, observa Martins. Muitas mães decidem sair do mercado por não fazer sentido financeiramente. Se não há oferta pública, as creches e escolas privadas precisam caber na realidade financeira da família, o que muitas vezes não acontece.
É preciso haver uma mudança social para mudar o cenário, segundo as especialistas. Em 2022, a taxa de participação feminina na força de trabalho era de 53,3%, enquanto a masculina era de 73,2%, uma diferença de 19,9 pontos percentuais, segundo o IBGE. Esse dado se refere a pessoas que estavam trabalhando ou em busca de emprego e mostram que a responsabilidade por afazeres domésticos afeta inserção das mulheres no mercado de trabalho.
Auxílio-creche
Políticas públicas são o início do caminho que deve ser percorrido para melhorar a situação das mulheres no mercado de trabalho. Martins afirma que a melhor forma é aumentar o número de creches disponíveis, sejam as públicas ou instituições privadas com preços compatíveis a realidade das mães, considerando a população de cada uma das regiões para criar instituições que atendam ao local.
As empresas também podem ser aliadas no processo. Oferecer espaços para deixar as crianças no trabalho, tanto para homens como para mulheres, pode ajudar. Outra saída é o pagamento de subsídios, como o auxílio-creche, que é obrigatório no Brasil para empresas que têm mais de 30 mulheres empregadas com mais de 16 anos no regime CLT. O valor do benefício é de, no mínimo, 5% do salário da trabalhadora e deve ser pago até os cinco anos e 11 meses. As empresas que oferecem um espaço para deixar os bebês não são obrigadas a pagar o benefício.
O suporte financeiro faz grande diferença para as famílias. Se na região que a mulher mora não tem creche gratuita, o suporte financeiro vem como uma alternativa para que possam procurar os arranjos formais [de rede de apoio].
Natalia Martins, do Banco Mundial
Homens não tem o direito ao auxílio garantido pela CLT, mas algumas empresas estendem o benefício a eles. Apesar da obrigatoriedade para as mulheres, o benefício não resolve a questão, para Nogueira, que diz que o valor que [as empresas] são obrigadas a oferecer para essas mulheres que são mães é ínfimo e normalmente não é suficiente para pagar uma instituição privada.
Hoje apenas 78 economias — menos da metade do total — fornecem algum apoio financeiro ou tributário a pais e mães com filhos pequenos. Apenas 62 economias, o que representa menos de um terço do total, adotaram padrões de qualidade para serviços de cuidados infantis, como demonstra relatório do Banco Mundial Sem eles, muitas mulheres com crianças pequenas hesitam antes de ingressar ou retornar ao mercado de trabalho.
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