Justiça obriga recontratação de vendedora com transtorno bipolar demitida
A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) determinou a recontratação de uma vendedora demitida de uma empresa de implementos e máquinas agrícolas de Matão (SP). A funcionária alegou que foi discriminada por possuir transtorno bipolar, e o TST, em decisão unânime, reconheceu que esse tipo de doença causa, sim, preconceito.
O que aconteceu
Vendedora alegou discriminação. Na reclamação trabalhista, a funcionária disse que a empresa sabia que ela é portadora de transtorno bipolar afetivo, já que ela tinha ficado afastada durante dois meses para tratamento. Além da readmissão, foi pedida condenação por danos morais.
Empresa apontou motivos econômicos. Em defesa, a empresa negou a discriminação, alegando que o transtorno bipolar não causa estigma social e que exerceu seu direito de rescindir o contrato de trabalho por motivos econômico-financeiros. Além disso, alegou que outros 12 funcionários foram dispensados no mesmo mês pelo mesmo motivo.
Antes de ser dispensada, a funcionária trabalhou durante sete anos na mesma empresa. Não foram apresentadas provas sobre os motivos da demissão por parte da empresa.
Discriminação muitas vezes é sutil, segundo relatora. No TST, o entendimento foi de que houve abuso do poder diretivo do empregador. Segundo a relatora, ministra Kátia Arruda, a jurisprudência do TST tem reconhecido que os transtornos de depressão e bipolaridade são doenças que causam preconceito. Nesse caso, o empregador tem de comprovar que não foi esse o motivo da dispensa. Do contrário, presume-se que ela foi discriminatória.
E quanto aos outros empregados demitidos na mesma ocasião? A ministra disse que a vendedora estava em situação distinta dos demais e que caberia à empresa demonstrar que a demissão teria ocorrido por motivos comuns da relação de emprego.
A decisão foi unânime. A empresa teria oito dias para recorrer após a publicação do acórdão em 22 de março, mas não o fez. O processo retorna agora para a primeira instância para que a vendedora seja recontratada.
O que é o transtorno
Mas o que é transtorno afetivo bipolar? É um transtorno psiquiátrico caracterizado por períodos no qual acontecem variações extremas de humor, que podem ser desde episódios de mania (euforia) até episódios de depressão, de acordo com a psiquiatra e professora universitária Maria Carolina Pedalino Pinheiro.
Essas mudanças podem afetar significativamente a qualidade de vida da pessoa, interferindo em suas relações sociais, profissionais e emocionais. No entanto, é importante ressaltar que, se tratada precocemente e de maneira correta [normalmente com uso de medicamentos estabilizadores de humor e psicoterapia], é uma condição que pode ser controlada e muitas pessoas conseguem levar uma vida normal e produtiva, mesmo com o transtorno.
Maria Carolina Pedalino Pinheiro, psiquiatra
Para TRT, doença da vendedora não causa estigma ou preconceito. Primeiramente, a Vara do Trabalho de Matão condenou a empresa a pagar R$ 10 mil de indenização, mas a sentença foi alterada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em Campinas (SP). Para o TRT, a despedida discriminatória somente se aplica aos casos em que a doença grave gere estigma ou preconceito, o que não seria o caso do distúrbio psiquiátrico da vendedora.
Estigma pode agravar sintomas, diz a psiquiatra. De acordo com Maria Carolina, o estigma relacionado à saúde mental está associado a preconceitos, estereótipos e discriminações que podem levar as pessoas a se sentirem envergonhadas, isoladas e excluídas da sociedade.
Os estigmas e as discriminações relacionadas aos transtornos psiquiátricos têm um impacto significativo na vida das pessoas que convivem com essas condições, podendo contribuir para o aumento do sofrimento psicológico, agravar os sintomas do transtorno e dificultar o acesso a tratamentos adequados.
Maria Carolina Pedalino Pinheiro, psiquiatra
O que decisão significa
Decisão amplia possibilidades para a Justiça, de acordo com advogado. A decisão da 6º turma do TST amplia as hipóteses de incidência da Súmula 443 do TST, que considera como "discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito", de acordo com o advogado Marcos Fantinato, sócio da prática trabalhista do Machado Meyer Advogados.
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Quero receberA redação da Súmula 443 do TST com termos abertos e genéricos dá margem a esse tipo de decisão. A preocupação do TST com o combate à discriminação é mais que louvável, embora haja dúvida na literatura jurídica se de fato o transtorno bipolar é uma doença grave estigmatizante. Além disso, a dispensa do trabalhador por motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro não pode ser tida como dispensa discriminatória. Ou seja, a empresa ainda poderia recorrer ao próprio TST por divergência jurisprudencial e ao STF por meio de recurso extraordinário por alegação de violação à Constituição Federal.
Marcos Fantinato, sócio da prática trabalhista do Machado Meyer Advogados
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