Impacto do crescimento na inflação definirá se há espaço para mais corte nos juros, diz Campos Neto
Em meio a avaliações recentes de que a economia iniciou sua retomada a um ritmo forte, o Banco Central precisa entender o impacto do crescimento na inflação para avaliar se ainda há espaço para corte residual nos juros básicos, afirmou à Reuters o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, complementando que dados na margem mostram inflação acima das expectativas.
Campos Neto afirmou, em entrevista à Reuters na noite de ontem que hoje a avaliação do BC é que a projeção para o crescimento da economia tende a melhorar, sob o impacto das medidas de enfrentamento à pandemia, e a perspectiva é que a inflação possa ir na mesma direção.
"O que eu tenho dito é que a gente tem que entender o impacto do crescimento na inflação", afirmou ele, após ser questionado se ainda haveria espaço para nova redução na Selic.
"Essas duas coisas (crescimento e inflação) tendem a ir na mesma direção, ainda que entendendo que nós temos um hiato tão grande que é capaz de o crescimento voltar mais rápido sem gerar muita inflação", avaliou Campos Neto.
Em junho, quando levou a taxa básica de juros a 2,25% ao ano, o BC indicou que o espaço ainda restante para mais estímulo monetário era incerto e devia ser pequeno, mesmo com as expectativas de inflação confortavelmente abaixo da meta de 4% para este ano e de 3,75% no ano que vem —o que foi visto como um contrassenso por parte do mercado.
"A gente já tem alguns dados de inflação na margem que vão, ainda que muito residual, mostrando pela primeira vez que está um pouco acima das expectativas", destacou Campos Neto. Ainda assim, ele frisou ter "mais convicção de que o crescimento está assimétrico do que a inflação". "A minha confiança é maior no crescimento."
Em sua visão, a diferença entre o grande volume já pago em auxílio emergencial e o que foi efetivamente gasto indica que há um consumo represado que vai continuar aquecendo a economia.
"Isso vai continuar fortalecendo os números de varejo durante um tempo porque foi um volume de dinheiro que foi pago que foi muito grande para uma classe que vai ter uma tendência de gastar, de pagar dívidas, enfim, uma classe que não tinha poupança", disse Campos Neto.
Segundo o presidente do BC, a influência do auxílio emergencial sobre a economia deve durar pelo menos até o final do ano, uma vez que os saques não têm sido feitos todos de uma vez e, com a decisão do governo de estender o pagamento de 600 reais a informais e vulneráveis por mais dois meses, há um fluxo pela frente que ainda está por vir.
Em outra ponta, Campos Neto avaliou que a ajuda a pequenas e médias empresas, que irá engatar de vez no segundo semestre, também poderá representar um impulso para a atividade, levando a um crescimento com continuação de melhora, "ainda que não seja totalmente em V, mas pelo menos com uma inclinação melhor".
Ele destacou que ainda nesta semana o governo deve enviar ao Congresso uma Medida Provisória (MP) que vai amparar ações anunciadas pelo BC no seu último pacote para destravar o crédito.
Com isso, passarão a valer medidas importantes, como a que incentiva os bancos a emprestarem para pequenos negócios em troca da otimização do seu uso de capital. A MP também abrirá a porta para que o mutuário use parte do que já foi pago no seu financiamento imobiliário, podendo tomar esse dinheiro emprestado da instituição financeira ao mesmo custo acertado no contrato original.
Campos Neto disse que, além do Pronampe, que já está operacional, o Congresso deve aprovar em breve as garantias do Tesouro para financiamentos a pequenas e médias empresas por meio do Fundo Garantidor para Investimentos (FGI), administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Os parlamentares também devem apreciar as modificações no programa de financiamento à folha de pagamento, que passará a contemplar mais empresas, lembrou o presidente do BC. Ele citou essas iniciativas como programas que estavam atrasando um pouco, mas que estão agora saindo todos mais ou menos ao mesmo tempo.
"Basicamente o que a gente consegue dizer é que teve uma queda muito abrupta, o começo da recuperação tem sido em V. Se ele vai continuar em V, ou fazer aquele símbolo da Nike, que chama swoosh, aí vai depender de outros parâmetros", disse.
Em junho, o BC projetou uma retração de 6,4% para o PIB este ano, mas afirmou que o viés era de alta.
Perguntado sobre exatamente a que o BC estava atento em relação à pandemia de coronavírus, Campos Neto afirmou que um aprendizado ainda está acontecendo em relação à crise, envolvendo aspectos como o fator medo no comportamento das pessoas e o impacto do distanciamento social nas variáveis macroeconômicas.
"Os dados têm mostrado que está tendo uma adaptação construtiva. Algumas coisas estão funcionando bem, tem alguns setores que estão mais prejudicados, alguns vão ter que se reinventar. Tem um movimento transformacional acontecendo na sociedade e na economia", disse.
Quebrando o termômetro
Campos Neto disse que o Banco Central vê com preocupação o fato de a volatilidade do real estar sempre acima das demais moedas, mas que ainda estuda as causas por trás desse fenômeno.
"A volatilidade estar sempre maior que as outras moedas a gente vê como preocupação, mas também a gente não quer curar a febre quebrando o termômetro. Então é preciso entender qual é a causa da volatilidade para atacar a causa e não a consequência", disse.
Segundo ele, o BC já detectou alguns fatores que ajudam a explicar esses movimentos. De um lado, ele reconheceu que o real está sendo usado como hedge em operações. Ele ponderou que, sempre que a moeda tem juros mais baixos, tem uma tendência natural de ser um hedge mais barato.
De outro, Campos Neto chamou atenção para o número de operações de curto prazo, de contratos pequenos, ter aumentado.
Ainda assim, ele ponderou que o BC não tem uma explicação fechada da razão pela qual a volatilidade está maior e que segue com sua investigação em curso.
Questionado sobre o quão confortável está o BC com a volatilidade do câmbio hoje, ele lembrou que as intervenções da autoridade monetária no câmbio são feitas quando há percepção de disfuncionalidade, seja por gaps de liquidez, seja por um fluxo muito grande que esteja provocando comportamento de manada.
"Então quando tem uma volatilidade alta a primeira pergunta não é tentar enfrentar a volatilidade é tentar entender por que a volatilidade está um pouco mais alta", emendou.
Autonomia
Campos Neto disse ainda que, após conversas com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), tem expectativa de que a autonomia do BC seja votada pelos senadores por volta de 15 de agosto.
Ao comentar a defesa feita esta semana pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de que o cartão de crédito passe por uma reformulação, Campos Neto disse que a modalidade de fato tem anomalias no país, mas acrescentou que o BC não estuda mudanças no instrumento.
Ele destacou como principal anomalia o uso do cartão para pagamentos parcelados sem a cobrança de juros, o que não teria paralelo em outros lugares no mundo. Mas ponderou que mudanças nessa sistemática demandam estudos. "Hoje a gente tem toda uma indústria de varejo que trabalha com o parcelado sem juros", afirmou.
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