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REPORTAGEM

Motor de avião mistura jato e hélices e promete baratear viagens

Concepção do A380 de testes com o propfan CFM Rise: Motor promete ser o futuro dos voos comerciais - Airbus
Concepção do A380 de testes com o propfan CFM Rise: Motor promete ser o futuro dos voos comerciais Imagem: Airbus

Alexandre Saconi

Colaboração para o UOL, em São Paulo

17/08/2022 04h00Atualizada em 17/08/2022 10h52

A emissão de gás carbônico ainda é um dos grandes desafios da indústria aeronáutica. Tido como um dos maiores poluidores do mundo, esse setor tem buscado constantemente medidas para diminuir as emissões e melhorar a sua viabilidade econômica.

Melhorar esses índices passa, obrigatoriamente, pelo desenvolvimento dos motores, para que eles consumam menos combustível e consigam levar os aviões cada vez mais longe. E uma tecnologia não tão nova ganhou novo destaque recentemente com a promessa de ser menos poluente, os motores propfan.

Também chamados de open rotor, open fan ou unducted fan, eles são uma espécie de mistura entre um turboélice, como o do avião ATR-72, e turbofan, como o dos jatos Boeing 737 e Airbus A320.

Entretanto, diferentemente do turbofan, ele não conta com o duto onde ficam as palhetas (ou pás) que rodam para movimentar o ar, sendo totalmente aberto. Daí o nome open ("aberto") fan ou unducted ("sem duto") fan.

Esse diferencial promete uma economia de até 20% no combustível, o que deve tornar as viagens mais baratas para o consumidor e reduzir as emissões de poluentes na atmosfera.

Passado pode ser o futuro

Propfan - Divulgação/Andrew Thomas - Divulgação/Andrew Thomas
Motor propfan GE36 em um avião da família MD-80 usado como plataforma de testes, na década de 1980
Imagem: Divulgação/Andrew Thomas

A ideia dos propfan remete à década de 1970, mas só agora seu desenvolvimento vem sendo retomado com força pela indústria. Embora tenha quase 50 anos de existência, a tecnologia atual permite desenvolver novas ideias e propostas em torno desse modelo.

Os motores de aviões comerciais são dotados, no geral, de um sistema interno com turbina. Nos turbofans, presentes nos jatos comerciais de grande porte, esse mecanismo gira um eixo onde está ligado o fan, que é a estrutura que movimenta o ar como as pás de um ventilador.

Nos turboélices, no geral, a turbina transmite seu movimento de rotação a uma caixa de engrenagens ligada às hélices, que, por sua vez, darão impulso ao avião.

No propfan, por sua vez, a rotação é transmitida para as pás, que foram dimensionadas para suportar as altas velocidades. Ou seja, conseguiu reunir o melhor dos dois tipos de motores em um, por isso vem sendo considerado, apesar da idade de seu conceito, o futuro da aviação.

Apenas como referência, aviões de menor porte, muitas vezes, utilizam motores com hélice movida a pistão, mas não guardam semelhança direta com esses outros tipos de motor.

Diferenciais

Enquanto os motores turbofan dos jatos conseguem desempenhar maiores velocidades, os turboélices têm uma maior força logo no início da aceleração. Em uma decolagem, isso gera grande economia, já que é a etapa com maior consumo de combustível.

Acelerando mais rápido, ele consegue fazer o avião decolar em um espaço menor também, diminuindo os custos operacionais com longos períodos do motor em potência máxima, o que é necessário quase que apenas para a aeronave sair do chão.

Junto a isso, o seu tamanho é menor que o dos turboélices, onde o diâmetro do rotor pode chegar a quatro metros. Para ter um melhor desempenho, ao contrário daquele modelo, ele possui mais pás, entretanto, menores e mais finas, além de possuírem um desenho diferente.

Desenvolvimento

Embora não seja uma tecnologia exatamente nova, ela ganhou recentemente novos olhares. A CFM International é uma das empresas que estão pesquisando como esse motor pode ser o futuro da aviação e substituir os modelos atuais no futuro.

A companhia está desenvolvendo o CFM Rise, motor constituído por dois conjunto de hélices, visando o melhor direcionamento do vento gerado. Dependendo do modelo, essas hélices podem ser contrarrotativas (cada uma girando para em um sentido) ou uma ser estática e a apenas outra se movimentar.

Ele será testado nos próximos anos em um A380, o maior avião de passageiros do mundo, usado como plataforma para novas tecnologias pela fabricante de aeronaves Airbus. A expectativa é que ele entre em serviço a partir de 2030.

O avião será adaptado para receber as equipes de engenheiros e os equipamentos e sensores de monitoramento. Os testes também devem acompanhar a viabilidade da utilização do modelo com combustíveis sustentáveis, promessa no curto prazo para diminuir o impacto da poluição causada pelo setor da aviação.

Motor já em uso

Embora o modelo venha sendo aperfeiçoado mais recentemente, sua ideia já existe, pelo menos, desde a década de 1970. Já no começo da década de 1980, a Nasa, a agência espacial norte-americana, testou o motor com sucesso em um Lockheed C-140 JetStar, abrindo caminho para novos experimentos.

Hoje, um dos poucos aviões que utilizam esse tipo de motor é o cargueiro Antonov An-70, da mesma fabricante do An-225 Mriya, o ex-maior avião do mundo que foi destruído recentemente na guerra na Ucrânia.

O An-70 possui quatro motores propfan, e consegue atingir velocidades em torno de 750 km/h.

Com o atual desenvolvimento tecnológico da indústria de motores aeronáuticos, acredita-se que essa tecnologia possa avançar para modelos economicamente viáveis.

Desvantagens

Até hoje, o principal problema desse tipo de motor é o barulho. Com muito mais ruído que os motores a jato da maioria dos aviões comerciais, ele ainda precisará contornar esse problema para se mostrar viável para ser adotado em larga escala.

Junto a isso, dependendo da velocidade desempenhada, as pontas das pás podem ultrapassar a velocidade do som, fazendo o modelo perder a eficiência. Isso também seria capaz de gerar mais ruído ainda, como XF-84H, considerado o avião mais barulhento do mundo e que podia ser ouvido a 40 km de distância.

Alternativas para contornar esse problema seria instalar o motor na cauda da aeronave, mais distante da cabine de passageiros, ou em locais da asa onde ela serviria como uma barreira acústica. Sem isso, não haveria conforto para viajar dentro do avião.

Para conseguir ser aprovado pelos órgãos reguladores para uso na aviação comercial, esse motor também teria de emitir menos ruído do lado de fora. Isso se deve ao fato de que em vários lugares, há limites sonoros que os aviões podem emitir, como em voos sobre centros urbanos ou em reservas ambientais.

Fontes: James Waterhouse, professor do Departamento de Engenharia Aeronáutica da USP (Universidade de São Paulo), Airbus e CFM International.

propfan - Nasa - Nasa
Um Dryden C-140 JetStar da Nasa durante testes com motor propfan (conceito open fan) em 1981
Imagem: Nasa