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Reinaldo Polito

Humor pode alavancar ou destruir sua carreira; desafio é achar a dose certa

O humorista Agildo Ribeiro: resistência para se enquadrar no politicamente correto - Globo/Rafael Sorín
O humorista Agildo Ribeiro: resistência para se enquadrar no politicamente correto Imagem: Globo/Rafael Sorín

01/05/2018 04h00

No último sábado (28), o Brasil perdeu Agildo Ribeiro, um dos mais competentes humoristas do país. Aos 86 anos, já não tinha tanta atuação nos programas de televisão. Além da idade avançada, o humorista sentia certa resistência para se enquadrar no politicamente correto. E o motivo não era a falta de competência para perambular com desenvoltura nesses novos tempos de profundas transformações sociais.

Quem conheceu bem Agildo sabe que ele teve sempre muita noção dos limites do humor. Vez ou outra, atravessava a linha amarela, mas era tão querido pelo conjunto da obra que ninguém se incomodava. Havia exceções, como, por exemplo, o caso em que o estilista Clodovil ficou aborrecido quando foi chamado por ele de alfaiate.

Auto da Compadecida, Topo Gigio e Planeta dos Homens

Agildo atuou de forma exuberante por 60 anos. Tinha uma obsessão: fazer a plateia e os telespectadores rirem o tempo todo. Para isso, estudava e ensaiava detalhadamente cada um dos personagens que criava. E foram muitos --como, por exemplo, o inesquecível político Dr. Babaluf. Trabalhando sozinho ou ao lado de destacados humoristas, como Jô Soares, Paulo Silvino e Chico Anísio, seu desempenho era de alto nível.

Também fazia humor com bastante seriedade. O seu papel de destaque foi em uma de suas primeiras participações nos palcos, quando interpretou João Grilo, protagonista da imortal obra de Ariano Suassuna "O Auto da Compadecida".

Quem conviveu com ele diz que Agildo era excelente contador de histórias. Em qualquer lugar que estivesse, sempre tinha uma boa história para narrar. Era na vida como se apresentava no palco ou na frente das câmeras: alegre e comunicativo.

Uma de suas atuações que marcaram na televisão foi quando contracenou com o ratinho Topo Gigio. Até horário de jogo de futebol foi alterado para que as pessoas não perdessem o programa.

Durante muito tempo, fez sucesso no programa "Planeta dos Homens". Sua interpretação no papel do professor de mitologia grega Aquiles Arquilau, que se referia ao seu assistente como "Múmia paralítica" e se derretia de paixão por Bruna Lombardi, é inesquecível. Além desse trabalho intenso, foi grande imitador e participou de 30 filmes.

Humor em tempos do politicamente correto

Apesar de toda essa competência, Agildo sentiu a mudança dos tempos. Em uma de suas entrevistas, reclamou com mais ou menos estas palavras:

"A renovação é natural. Sei que a vida é dessa forma, mas essa história do politicamente correto está acabando com o humor. É chato demais. Como fazer humor se não pode contar com mulher pelada ou repetir bordões bem sacados? Considero essa situação como uma espécie de censura. Dá para imaginar como está difícil a vida dos redatores de humor."

Jovens e velhos profissionais têm o mesmo desafio

Se essa realidade atingiu quem viveu toda uma existência fazendo humor de altíssima qualidade, imagine, então, quem atua na vida corporativa se comportando como humorista bissexto. Sem o traquejo do timing perfeito, da propriedade e adequação à circunstância, o risco de se dar mal aumenta consideravelmente. E, diferente do humorista profissional, talvez não tenha novas chances de se recompor.

Tanto os velhos quanto os novos profissionais correm perigo com os novos limites do humor. Os velhos, porque se acostumaram a fazer brincadeiras que, no passado, funcionavam muito bem, com enorme liberdade e com poucas restrições de censura. Agora, porém, se não tiverem excelente capacidade de observação e jogo de cintura para se comportar, sem perceber, podem agredir seus interlocutores.

Os jovens, da mesma maneira, também precisam ficar atentos, pois, se levarem para o ambiente corporativo as mesmas brincadeiras que se acostumaram a fazer no relacionamento com os colegas de bancos escolares ou amigos de baladas, quando menos esperarem, estarão se penitenciando por terem penetrado na área "proibida". Sem contar que mesmo a garotada já não aceita bem comportamentos politicamente incorretos.

A dificuldade de encontrar o ponto de equilíbrio

Independentemente da atividade que desenvolva, da função que exerça ou da organização onde atue, saiba que o que era considerado bom humor até pouco tempo atrás hoje é repelido pelo novo comportamento social. Brincar com origem racial, gênero, prática religiosa e tantas outras características e preferências pessoais poderá ser fatal para as aspirações profissionais.

Só o fato de ficar atento a esses aspectos relevantes dos novos tempos poderá ser suficiente para que evite dissabores e contrariedades. Ninguém deve deixar de se comportar de maneira bem-humorada. Ao contrário, o humor tem a virtude de aproximar as pessoas, tornar o relacionamento mais leve e ser ótimo indicador de preparo, inteligência e presença de espírito –qualidades essenciais para projetar uma imagem positiva em qualquer ambiente.

Também não se transforme em patrulheiro obstinado, sempre pronto a criticar e censurar as pessoas que, vez ou outra, não se comportam de acordo com as regras do politicamente correto. Há mesmo uma tendência cada vez mais crescente de repudiar aqueles que se aproveitam da onda para chamar a atenção de quem desliza no politicamente correto por um ou outro motivo.

Em entrevista à Folha esta semana, o escritor Paulo Coelho diz que vive horrorizado com o politicamente correto, que o que está sendo imposto vai matar a literatura, e que a arte é o oposto dessa patrulha.

O equilíbrio é sempre a melhor conduta. Caso contrário, como disse Agildo Ribeiro do alto da sua inigualável experiência como humorista, a vida fica muito chata.

Superdicas da semana:

  • Desenvolva o máximo que puder seu lado bem-humorado
  • Mostre sua inteligência com o uso das tiradas bem-humoradas
  • Cuidado com os limites da brincadeira
  • O politicamente correto não é só coisa de gente chata
  • Se puder ofender alguém com suas brincadeiras, prefira calar
  • Não seja chato a ponto de só criticar quem não seja politicamente correto

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria", “Oratória para advogados”, "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. “Oratória para líderes religiosos”, publicado pela Editora Planeta.

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