Não se engane com discurso sedutor: bandido bom de bico é o que não falta
Eduardo Cunha acaba de ser afastado de suas funções como deputado federal e presidente da Câmara pelos ministros do STF. Há meses ele agoniza e se debate de forma obstinada na tentativa de se manter no poder. Conhecedor profundo das normas regimentais conseguia até aqui se manter no posto.
Se o STF não tomasse para si a responsabilidade de julgar seu afastamento, talvez ficasse agarrado indefinidamente em suas funções. Afirmam alguns especialistas que com essa decisão o supremo extrapolou os limites de suas atribuições e interferiu em outro Poder da República. É o risco de a exceção virar regra.
O próprio ministro Teori Zavascki tomou o cuidado de esclarecer os motivos de tão delicada decisão: “Em situações de excepcionalidade, em que existam indícios concretos a demonstrar riscos de quebra da respeitabilidade das instituições, é papel do STF atuar para cessá-los, garantindo que tenhamos uma república para os comuns, e não uma comuna de intocáveis”.
Cunha se transformara em persona non grata. Pesquisas recentes mostravam que ele é um dos políticos mais impopulares. Os indícios de que tenha cometido crimes são tão gritantes que quase ninguém tem dúvida de sua culpa. Chegaram a comparar as evidências apontadas contra ele com a de um marido apanhado pela esposa com batom na cueca.
Por outro lado, é difícil encontrar alguém que não o admire de alguma forma. Roberto Jefferson disse em entrevistas recentes que Eduardo Cunha é seu bandido preferido. Assim como muitos, Jefferson é fascinado pela sua frieza e capacidade de controle diante das situações mais constrangedoras. Cunha tem vocabulário pronto, língua afiada, semblante impassível.
Por mais séria e contundente que sejam as acusações levantadas contra ele, jamais se recusou a falar com a imprensa. Pelo contrário, é ele quem toma a iniciativa de chamar os jornalistas para conceder entrevistas coletivas. Sempre com respostas prontas, sustentadas por argumentação precisa.
Imagino que muitos jornalistas sentirão falta das suas entrevistas. Bastava ligar o microfone, apontar a câmera e esperar que alguém cutucasse a fera. A matéria já saía de sua boca pronta e editada. Tinham certeza de que sairiam daquele encontro com a missão cumprida.
Se insistissem em repetir a pergunta por causa de alguma incoerência ou contradição, seu olhar fustigava o ousado importunador e a resposta lacônica encerrava o ataque: isso já foi respondido. Mais alguma pergunta? Era comum também devolver a pergunta ao interlocutor para mostrar que a questão era descabida e que outra deveria ser feita no lugar.
Em certos momentos, quando era colocado na parede, sempre tinha uma saída. Por exemplo, dividia a pergunta formulada em diversos segmentos, escolhia o que mais lhe interessava e só tratava daquele aspecto do assunto. Não deixava a pergunta sem resposta, mas só respondia o que lhe era conveniente.
Já ouvi inúmeras vezes pessoas se lamentando: pena que ele não seja do bem. Sim, porque se usasse sua inteligência e capacidade de comunicação para objetivos elevados, estaríamos muito bem representados. Como, normalmente, as pessoas são tímidas e algumas até covardes para dizerem o que pensam e pleitearem o que desejam, se projetam no desempenho dele.
Esse é o perigo da arte de falar. Ela serve para o bem e serve para o mal. Tanto pode nos aprisionar como nos libertar. Da mesma forma como pode nos honrar consegue também nos envergonhar. Sua influência é tão extraordinária que uma simples frase pode, às vezes, nos levar de um extremo ao outro.
Por isso, Junqueira Freire, patrono da Academia Brasileira de Letras, fez críticas severas aos faladores. Embora tenha morrido muito jovem, deixou uma obra que atravessou o tempo. Em 1869 o grande poeta, que estava com apenas dezenove anos, escreveu com severidade cáustica na obra “Elementos de rhetorica nacional”:
“Expeli do vestíbulo da eloquência essa escória de pseudo-oradores míopes, bastardos, pedantescos, presunçosos, intrusos, parasitas: - expeli-os, zurzi-os, como Cristo fez aos agiotas, que profanavam o templo”.
E com pinceladas ainda mais intensas complementa: “Porque eles conceberão a eloquência como um objeto de câmbio e um negócio de lucro: da mais nobre idealidade descerão ao positivismo mais abjeto: infames”.
Continuamos a nos submeter ao aprendizado da democracia. Depois de tantos anos de pressão autoritária ainda engatinhamos na experiência da liberdade. A ânsia de que nos levem a um futuro mais promissor por vezes turva nossa capacidade de reflexão e nos submete à demagogia e à palavra fácil.
Chegará o dia que saberemos enxergar com nossos próprios olhos. Aí sim teremos discernimento para julgar com mais correção o que é certo e o que é falso. E talvez nos livremos daqueles que querem nos enganar com discursos sem substância e desprovidos de ações que lhes deem respaldo.
Podemos até por deleite admirar bandidos de verbo afiado e sedutor, mas temos de ter a razão alerta para nos proteger desses que usam a palavra para ludibriar, tanto na política quanto nos mais diferentes relacionamentos dentro e fora do ambiente de trabalho. Não tenhamos ilusões - bandido bom de bico é o que não falta.
Superdicas da semana
- Cuidado com discursos bonitos. Eles podem esconder mentiras e falsidades
- A credibilidade é conquistada quando as palavras encontram respaldo nas ações
- Mais vale uma boa ação que um discurso eloquente
- Falar bem, ser correto, ter integridade – esses são os requisitos da boa oratória
Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante, e "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas", "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva.
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