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Reinaldo Polito

Recibos de Lula: arte da retórica ensina a lidar com documentos polêmicos

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Imagem: Reprodução

18/10/2017 04h00

Lula jura que é inquilino. E paga rigorosamente os aluguéis. Os procuradores duvidam. No meio dessa história surgem os recibos que comprovariam os pagamentos efetuados ao proprietário.

Afinal, os recibos podem ou não ser considerados comprovantes de pagamentos do aluguel? Pelo sim, pelo não, os procuradores duvidaram da autenticidade desses documentos. Por isso, entra na história o juiz para tentar esclarecer o imbróglio.

O juiz Sérgio Moro determinou na última sexta-feira (13) que a defesa de Lula teria 48 horas para apresentar os recibos originais que comprovem os pagamentos de aluguéis do apartamento de São Bernardo do Campo. Esse imóvel, vizinho do apartamento onde vive o ex-presidente, é investigado na Operação Lava Jato.

Foi esta a determinação do juiz: “Os recibos deverão ser entregues na secretaria deste Juízo e que os acautelará para submetê-los à perícia caso seja de fato deferida”. Embora essa determinação deva ser acatada pela defesa de Lula, os advogados solicitaram que os recibos fossem entregues em audiência formal ou na presença de um perito. Moro negou esse pedido.

A solicitação da defesa teve como motivação confirmar que os recibos originais entregues são autênticos e sem nenhuma adulteração. As cópias desses recibos já entregues foram consideradas pelos procuradores como sendo de documentos “ideologicamente falsos”. Por isso abriram um incidente de falsidade criminal, que é o procedimento para investigar a origem de provas juntadas a um processo.

O Código Penal esclarece no artigo 299 o que seja “falsidade ideológica”: “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.

O que se pretende no caso dos recibos de Lula, portanto, é verificar se há confirmação de que os aluguéis foram ou não pagos. Ou seja, se há ou não falta de correspondência entre o fato exposto e a realidade.

O estudo da retórica sempre considerou as provas documentais tanto para a defesa quanto para a acusação. Há referências, embora a obra não tenha chegado até nós, de orientações dadas já no século 5 a.C. pelos siracusanos Córax e Tísias. São mencionados por Platão, Aristóteles e Cícero.

Os dois escreveram o que é considerado o mais antigo livro de oratória que se tem registro: Technê (Teckhné). Essa obra orientava os donos de terras que haviam sido expropriados injustamente de suas propriedades como deveriam elaborar a defesa para recuperar seus bens. A partir desse estudo, os grandes autores incluem em suas obras como os oradores, especialmente os que dependem do bom desempenho na oratória judiciária, devem tratar as provas documentais.

Os documentos podem ser refutados dizendo-se, se for o caso, que o texto foi escrito em estilo diferente daquele normalmente utilizado pelo suposto autor, ou que houve rasuras, inserções, mutilações que comprometem a originalidade, tornando o documento inútil ou sem objetividade. E também, como no caso dos recibos dos aluguéis de Lula, como querem os procuradores provar, que os documentos não encontram respaldo nos fatos.

Enrico Ferri foi um orador excepcional. Dizem que era tão persuasivo em seus discursos de defesa ou de acusação que ao descrever, por exemplo, uma locomotiva atropelando uma criança, as pessoas se levantavam no tribunal com a impressão de que também seriam atropeladas naquele recinto.

Ferri nos legou um bom exemplo de como contestar uma prova documental. Quando esse criminalista italiano atuou como advogado de defesa de Carmine Fischetti, no Tribunal Criminal de Lucera, procurou demonstrar a falsidade dos documentos apresentados:

“Os senhores jurados devem ter observado um primeiro caráter geral: ponham os três documentos, um atrás dos outros, e verificarão que, especialmente os ‘fu Vitantônio’, estão alinhados à mesma distância da margem, de maneira que coincidem, perfeitamente, uns sobre os outros. Ora, essa disposição, demasiadamente regular, principia a tornar o caso suspeito; porque se eu assinasse três documentos Enrico Ferri fu Eraclio, seria impossível que os ‘fu Eraclio’ coincidissem em todos os três exatamente uns sobre os outros, a igual distância das margens, nem mais nem menos um milímetro!”.

Veja por um exemplo como este de Enrico Ferri que há uma infinidade de meios para atestar a falsidade ou não de documentos e a existência ou não de fatos que os originaram. Caberá à Justiça, portanto, confirmar se os recibos apresentados pela defesa de Lula se baseiam nos aluguéis efetivamente pagos.

O fato de terem sido assinados com datas não existentes parece, à primeira vista, sem a análise dos detalhes do processo, não revelar praticamente nada. Em pagamentos com cheques pré-datados, por exemplo, é comum ocorrer de os cheques serem datados com 31 de abril ou 31 de junho, já que na sequência as pessoas não se apercebem do engano.

E, como vimos, o que os procuradores desejam descobrir é se houve ou não falsidade ideológica nos documentos apresentados, ou seja, se a declaração é falsa, com a finalidade de alterar a verdade. Mais um round nessa luta travada entre Lula e a Justiça, que parece não terminar tão cedo. Tomara que a verdade apareça, independentemente da torcida de cada brasileiro para que o resultado seja um ou outro.

Superdicas da semana

  • Se tiver de usar um documento como prova, verifique sua autenticidade
  • Observe se o documento foi rasurado, mutilado ou sofreu qualquer adulteração
  • Analise se o estilo do documento é o mesmo utilizado normalmente pelo suposto autor
  • Sempre guarde os recibos de pagamentos efetuados

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria", “Oratória para advogados”, "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. “Oratória para líderes religiosos”, publicado pela Editora Planeta.

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