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Reinaldo Polito

Como "encher linguiça" com bom conteúdo se tiver de falar muito num evento?

10/04/2018 04h00

A situação é desesperadora. Você está na reunião fazendo a apresentação de um projeto para o conselho da empresa. O tempo determinado para a sua exposição é, por exemplo, de 50 minutos. Só que após 20 ou 25 minutos já esgotou o assunto e não tem mais o que dizer. O que fazer naqueles 25 minutos restantes?

Como última saída, tenta repetir algum conceito importante, como se quisesse reforçar aquela ideia tão fundamental, fala por mais uns cinco minutos, toma um gole de água, revira as folhas de anotações, mas não há como contornar os momentos aflitivos, pois você não sabe mais o que dizer.

Situações como esse caso hipotético são mais comuns do que se possa pensar. Quem mais sofre com esses episódios são os repórteres e apresentadores de programas de rádio e televisão. Alguns acontecimentos chegam a durar horas e até dias inteiros, obrigando-os a falar o tempo todo sobre o mesmo assunto.

A primeira vez em que observei jornalistas tendo de falar, falar, falar sobre um fato foi no dia 01 de fevereiro de 1974, quando ocorreu uma das maiores tragédias brasileiras. Esse foi o dia em que um incêndio de grandes proporções praticamente destruiu o Edifício Joelma, ocasionando a morte de cerca de 190 pessoas.

A Rádio Jovem Pan fez a cobertura daquele triste evento durante o dia todo, sem nenhuma interrupção, nem mesmo para anúncios comerciais. Os repórteres se revezavam falando sobre o mesmo assunto, tendo de manter a audiência, como se cada informação fosse uma novidade.

Dois outros acontecimentos que obrigaram os jornalistas a garimpar informações foram a morte de Ayrton Senna e a de Tancredo Neves. Os repórteres passaram horas sem fim tentando descobrir o que dizer, sem perder o ritmo de suas narrações.

Na última semana tivemos mais um exemplo que ultrapassou o desafio imposto por esses que acabamos de comentar: a prisão do ex-presidente Lula. Do momento em que foi expedida sua ordem de prisão até o instante em que ele se entregou transcorreram mais de 48 horas. Haja assunto.

Inúmeras emissoras de rádio e de televisão tiveram de fazer a cobertura. Embora algumas informações fossem repetidas, precisavam narrar os fatos com ânimo e, em alguns casos, até com muita veemência, apesar de estarem esgotados fisicamente. Não foi raro perceber a preocupação de alguns jornalistas quando eram convocados a falar.

Em vários casos alguns repórteres acabavam reforçando com outras palavras o que o colega que o havia antecedido dissera - um expediente habilidoso para manter o ritmo dos comentários. Não havia novidades, e a saída era novamente fazer uma retrospectiva, ou descrever o que acabara de acontecer, indicar possibilidades de ação ou resultados, ou ainda fazer relações e estabelecer comparações.

Mesmo com as repetições até exaustivas devido às contingências que se impunham, os profissionais demonstraram habilidade e muita competência. Para isso tiveram que contar com experiência, vocabulário fluente, capacidade de improvisação e criatividade.

O que fazer para enfrentar momentos tão desafiadores?

Primeiro, é preciso se preparar muito bem para essas situações. Alguns casos como a morte de Tancredo e a prisão de Lula puderam ser previstos até com bastante antecedência. Nessas situações, o levantamento de dados biográficos e o conhecimento de relatos curiosos que marcaram a vida das pessoas envolvidas, ou de outras com as quais conviveram ajudam muito a organizar o raciocínio e estabelecer relações com os fatos desenvolvidos.

Nesse caso, algumas anotações serviriam de apoio para relembrar cada um dos tópicos na sequência que deveria ser seguida. A utilização desse roteiro ajudaria também a resgatar informações já comentadas para serem associadas ao novo aspecto abordado.

Outro recurso excelente é aprender a “cortar o fio de cabelo em 8 partes”. Sabendo que muitas informações precisariam ser transmitidas, não seria sensato comentá-las todas de uma só vez. A sugestão é fragmentá-las como se fossem temas distintos e desenvolvê-los separadamente. Feito isso, bastaria introduzir uma linha condutora para que se estabelecesse a interdependência entre cada um desses pontos.

O orador precisa ainda ficar atento e observar tudo o que ocorre ao seu redor. A reação dos ouvintes, a emoção do ambiente, os temas discorridos pelos palestrantes que o precederam. Essas informações constituem extraordinária fonte para o desenvolvimento e a complementação do assunto que precisa ser transmitido.

Quem fala em público deve também se transformar num colecionador de histórias. Além de serem úteis para esticar o tempo das apresentações, as histórias ajudam a ilustrar os conceitos discutidos, proporcionam mais segurança ao orador e tornam a apresentação mais enriquecedora e atraente.

Tenha sempre uma boa quantidade de histórias em seu repertório, mesmo que não precise fazer uso delas. Pode ter certeza de que a qualquer momento você poderá ilustrar um ponto ou outro com alguma narrativa interessante. Mantendo várias delas à disposição, será mais simples contextualizar de maneira adequada a informação transmitida.

Outra regra bastante simples é dividir o assunto no tempo, no espaço e estabelecer comparações. Quando o orador faz um histórico, desenvolvendo a narrativa no tempo, pode analisar os fatos relevantes que ocorreram com relação à economia, à política, à cultura em cada época citada. Esses temas quando bem organizados são inesgotáveis.

Da mesma forma, o assunto se expande e enriquece quando se lança mão da divisão no espaço e das comparações. Fazer comparações entre regiões de um determinado país ou de países diferentes produz a possibilidade de infindáveis análises. Com algumas poucas informações até é possível expor muito bem as ideias.

Por isso, ao se preparar para fazer uma apresentação, procure conhecer muito mais sobre o assunto do que seria adequado e necessário para o que deseja transmitir. Se tiver de falar durante 30 minutos, vá com estoque de informações para pelo menos uma hora. É preciso sobrar matéria.

Esse é o segredo. Preparar-se para transmitir determinado tema, mas estar ainda mais municiado com as informações que o cercam. Esses cuidados darão segurança e o apoiarão para que fale o tempo que for necessário, sem sustos ou atropelos.

Superdicas da semana:

  • Saiba mais do que seria necessário para a sua apresentação
  • Divida um assunto em várias partes e as desenvolva como se fossem temas distintos
  • Divida o assunto no tempo. O que ocorria no passado, atualmente e como será no futuro
  • Divida o assunto no espaço e compare os fatos em regiões diferentes

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Superdicas para escrever uma redação nota 1.000 no ENEM", “Oratória para advogados”, "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. “Oratória para líderes religiosos”, publicado pela Editora Planeta.

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Correção: Diferentemente do informado em versão original deste texto, em 1974 ocorreu o incêndio do edifício Joelma, e não o do edifício Andraus.  A informação foi corrigida.