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Reinaldo Polito

Você pode falar todas as besteiras que quiser no trabalho; só que não

iStock/BrianAJackson
Imagem: iStock/BrianAJackson

17/04/2018 04h00

Se arrependimento matasse, eu já estaria morto há muito tempo. Perdi a conta de quantas vezes não só ouvi como também disse essa frase. Especialmente quando dizemos algo que não deveria ter sido dito. Por isso, o ditado atribuído aos chineses: três coisas na vida que nunca voltarão - “A flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida”.

Em uma de suas músicas, Wesley Safadão se vale dessa frase para compor um dos versos:

Flecha atirada, palavras ditas
Chances perdidas elas não voltam jamais
Brinca de amar
Foi um erro
E agora, fica aí se fabulando
Diz que eu vou, mas acabo voltando
Dessa vez vai ficar esperando
Vai, vai

Até há pouco tempo, quem mandava mensagem pelo WhatsApp, e se arrependia, não tinha como consertar o estrago. Ficava se remoendo na vã esperança de que o destinatário não lesse o que fora escrito e indevidamente enviado. Hoje, já é possível se arrepender e apagar a mensagem, desde que aja em pouco tempo. Quantos problemas puderam ser evitados graças a esse recurso!

Mesmo assim, é bom não arriscar. A prudência recomenda que não enviemos mensagens raivosas no momento em que a adrenalina ainda está fervendo. O ideal é seguir a recomendação dos nossos avós e aprender a contar até dez antes de tomar atitudes intempestivas.

E se a situação for muito, muito importante, o melhor é deixar para enviar a mensagem apenas no dia seguinte. Geralmente, com a cabeça mais fria, apagamos o que havíamos escrito e nos aplaudimos por termos tido a sensatez de deixar os impropérios descansando por uma noite.

Problema maior, entretanto, ocorre quando um profissional, ao falar de improviso, diz algo que não deveria ter dito. Depois que as palavras saem da boca não há como se arrepender e trazê-las de volta. Já foi! A pessoa tenta contornar de um jeito ou de outro, mas nem sempre é possível consertar o estrago.

Além das situações em que a boca é mais rápida que o discernimento, há ainda as circunstâncias em que a intenção de quem fala é a de usar uma ironia, mas, pelo fato de não se valer de entonação de voz apropriada ou por fazer uso de palavras inadequadas, o resultado pode ser muito ruim e até mesmo catastrófico. Torna-se impossível evitar as consequências negativas.

Uma das poucas saídas, que não resolve o problema, mas funciona como espécie de desculpa, é dizer com ar constrangido: foi mal. Ou seja, fui infeliz e não deveria ter falado o que falei. Dependo do momento, os interlocutores podem ou não aceitar essas desculpas, mas não há como desconsiderar a mensagem.

De uns tempos para cá começou a surgir também uma forma sutil de evitar essas situações constrangedoras – o uso cada vez mais generalizado da expressão “só que não”. Utilizada principalmente pelos jovens como espécie de brincadeira, devagar acabou por ser útil a pessoas de todas as idades em diversas outras circunstâncias.

O entendimento dessa expressão é bastante simples. O jovem faz uma afirmação, e, depois de pausa mais ou menos prolongada, quando a atitude é premeditada com boa antecedência ou quase que simultaneamente, ao pronunciar frases sem planejar, com a ajuda da comunicação fisionômica, diz “só que não”.

Ou seja, entendam pelo contrário o que eu acabei de dizer. Uma forma bastante interessante de enfatizar ainda mais determinada informação, especialmente com a intenção de ser bem-humorado. Por exemplo: eu ganhei todos os prêmios da gincana de matemática – só que não. Para informar que não era assim tão bom nessa matéria.

Com o passar do tempo, além dos jovens algumas pessoas com idade mais adulta também passaram a se valer dessa expressão. Dessa forma, o uso quase generalizado chegou a todos os ambientes, excepcionalmente até nas reuniões corporativas. E em determinados momentos mostrou sua utilidade não apenas para enfatizar certas mensagens, mas também para corrigir o que não deveria ter sido dito.

Um profissional, ao expor uma ideia, dizendo algo que não poderia dizer, ou numa reunião social usando de maneira inconveniente uma ironia, com esse recurso teria condições de se arrepender da besteira que disse. Ao perceber que havia falado algo indevido, depois de uma pausa, que poderia até ser prolongada, como se estivesse agindo desde o princípio de propósito, diria: “só que não”.

Talvez os interlocutores até não achassem apropriado para um profissional fazer esse tipo de brincadeira, mas seria preferível ser criticado pelo humor indevido a ter de arcar com as consequências de ter passado uma mensagem que poderia ser bastante prejudicial à sua imagem e até à sua carreira.

Quem já passou por esse tipo de constrangimento, e ficou com vontade de enfiar a cabeça num buraco, sabe que uma tábua de salvação como essa seria muito bem-vinda naquela oportunidade. O ideal é pensar muito bem antes de falar e não dizer bobagens, mas pode ocorrer um deslize e as palavras escaparem da boca, e aí a última alternativa é sacar do bolsinho o “só que não”.

Superdicas da semana:

  • Pense antes de falar
  • Se o assunto for muito importante, pense ainda mais
  • Adote como lema – falar só o necessário
  • Se tiver dúvida se deve ou não falar, prefira ficar em silêncio

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria", “Oratória para advogados”, "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. “Oratória para líderes religiosos”, publicado pela Editora Planeta.

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