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Reinaldo Polito

As idas e vindas na comunicação entre Brasil e Venezuela

05/03/2019 04h00

"Quanto maior o poder, mais perigoso é o abuso". (Edmund Burke)

Houve um período em que a Venezuela não dava a mínima importância para os vizinhos sul-americanos, inclusive o Brasil. Como tinham petróleo abundante, com excelente preço internacional, e mantinham estreito relacionamento com os norte-americanos, viviam de nariz empinado.

Os tempos são outros. O país vive agora numa pindaíba de fazer dó. A população está pressionada por um regime ditatorial, esfomeada, sem remédios, sem produtos de higiene, de bico virado com os americanos e sem muitas esperanças de que dias melhores virão. Apegam-se com unhas e dentes à perspectiva de que o presidente autoproclamado Juan Guaidó assuma o poder.

Hoje a situação da Venezuela é um dos assuntos mais comentados pela imprensa brasileira. Todos os meios de comunicação trazem no seu noticiário principais informações a respeito do relacionamento entre Brasil e Venezuela. Nos últimos dias, chegamos a ficar preocupados com o desenrolar dos acontecimentos na fronteira entre os dois países. 

A ajuda humanitária oferecida pelo governo Bolsonaro não foi aceita pelo presidente Maduro, e os caminhões com mantimentos e remédios tiveram de permanecer estacionados do lado brasileiro. A situação ficou tão tensa que se chegou a pensar em confronto entre os dois países.

Guaidó esperava que os países que o haviam reconhecido como governo interino agissem com rigor contra Maduro para destitui-lo do poder. A sensatez, entretanto, prevaleceu, especialmente com a experiência do vice-presidente Hamilton Mourão, que exerce forte liderança no Grupo de Lima (formado por Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Paraguai e Peru) e optou por uma solução mais diplomática.

Se analisarmos bem, a boa comunicação teve influência decisiva nessa ponderação dos países que desejam a queda de Maduro. Em todas as entrevistas de Mourão, a palavra foi sempre de equilíbrio e moderação. O próprio Bolsonaro chegou a se colocar à disposição para receber Maduro e discutir uma saída sem confrontos. Tudo depende agora das ações do presidente venezuelano.

Tenho alguma experiência nessa ligação entre os dois países. De 1980 a 1985, enfrentei um interessante desafio. Fui diretor Cultural e de Comunicações da Câmara de Comércio e Indústria Brasil/Venezuela. A minha atividade consistia em organizar os eventos culturais entre os dois países, cuidar da publicação de uma revista com notícias que envolvessem o nosso país e a Venezuela e manter contato com empresas brasileiras e venezuelanas para intensificar a exportação e importação de produtos entre as duas nações.

Para a confecção da revista era preciso fazer mágica, pois quase não havia informações que ligassem os dois países. No fim, a publicação era lançada com notícias que falavam isoladamente do Brasil ou da Venezuela. O máximo que eu conseguia fazer era falar das expectativas de exportações de produtos brasileiros para o país vizinho. Toda vez que uma autoridade venezuelana visitava o Brasil, eu vibrava. Afinal, tinha matéria de capa pronta.

Quando eu dizia nas reuniões não existir empresas venezuelanas no Brasil, o questionamento era sempre o mesmo: e a Toddy? Pois é, essa era a única empresa de bom porte que a Venezuela mantinha no Brasil. Os diretores da Câmara levantavam a questão, mas riam em seguida, já que sabiam que esta era uma das raridades.

Fundada em Porto Rico em 1930, a Toddy foi autorizada pelo governo Getúlio Vargas em 1933 a comercializar o produto no Brasil. Nos anos 1940, o produto Toddy começou a ser produzido na Venezuela pela venezuelana Trading. Foi passando de mão em mão, até ser adquirida, em 2001, pela Pepsico. 

Para quem pesquisa, essa história chega a ser meio nebulosa. No site da fabricante desse produto hoje não existe nenhuma referência de ter sido uma empresa venezuelana, mas uma busca na internet, especialmente em língua espanhola, mostra que a Toddy, durante 40 anos, foi gerenciada por venezuelanos --como, por exemplo, a Mavesa. 

Falei com o Max Gehringer, que foi presidente da Pepsico, fabricante do Toddy. Ele também não se lembrou dessa ligação com a Venezuela. Perguntei: como seria possível os venezuelanos dizerem que a Toddy havia sido deles se não fosse? Ele me contou esta comparativa história curiosa: 

"Em 1952, um empresário de Porto Alegre, o dr. Heitor Pires, viajou aos Estados Unidos e conseguiu a licença para produzir e comercializar a Pepsi-Cola no Rio Grande do Sul. Durante 22 anos, a Pepsi-Cola  foi encontrada apenas em solo gaúcho e, somente em 1974, houve a expansão nacional (com o célebre jingle do Gutemberg Guarabira, 'só tem amor quem tem amor pra dar')". 

E aí vem uma revelação surpreendente. "O fato de não haver Pepsi em nenhum outro lugar no Brasil induziu os gaúchos que viajavam à América do Norte na década de 1960 a ficarem admirados ao descobrir que 'o típico refrigerante dos pampas' também era vendido nos Estados Unidos". Por isso, pelo sim, pelo não, a história da Toddy venezuelana no Brasil "se non è vero, è ben trovato".

Outro fato que mostra o relacionamento entre os dois países ocorreu no final dos anos 1970. O presidente venezuelano Carlos Andrés Pérez autorizou a instalação de uma agência do Banco do Brasil em seu país. Assim que concluíram o acerto, Andrés Pérez disse ao então presidente do Brasil Ernesto Geisel: agora a Venezuela precisa instalar um banco no Brasil. 

Geisel concordou, e pouco tempo depois, o Banco Union já estava presente em nosso país. Inicialmente em um prédio alugado na rua Álvares Penteado, no centro velho de São Paulo, onde fervilhava o mercado financeiro, e posteriormente em imóvel próprio, na avenida Paulista, esquina com a Peixoto Gomide. Manteve-se atuante nesse local até o início de 2005, quando encerrou suas atividades no Brasil. Nem preciso dizer que o Banco do Brasil também não está mais na Venezuela.

O que ocorre hoje com a Venezuela não é novidade. Já naquela época o país praticamente só produzia petróleo. Nunca houve o cuidado de planejar um parque industrial que os protegesse de possíveis períodos de crise do seu produto principal. Importavam quase tudo.

Havia dois problemas preocupantes. O fato de Caracas ser cercada por uma população clandestina que chegava ao país pelas fronteiras era considerado um barril de pólvora. Diziam que, se essas pessoas resolvessem invadir a cidade, ninguém conseguiria impedir. O comentário era que a elite venezuelana tinha sempre seus jatinhos apontados para Miami, prontos para fugir do país.

Outro problema que tirava o sono era o que acabou ocorrendo. O preço do petróleo despencar e as receitas não serem suficientes para cuidar dos venezuelanos. Não que a receita da indústria petrolífera fosse destinada às necessidades do povo. Entrava governo, saía governo e o número de miseráveis ali sempre se mantinha assustador.

Esses episódios da Toddy e do Banco Union talvez tenham sido os mais próximos entre os dois países até os governos do PT, durante os 13 anos de Lula e Dilma. Como os petistas eram ligados aos presidentes Hugo Chávez e Nicolás Maduro por afinidades ideológicas, o intercâmbio comercial e financeiro foi mais intenso.

Com Bolsonaro se mantendo em posição radicalmente oposta, as relações estremeceram. Já como candidato, ele pedia a saída de Maduro. Agora, com dezenas de países reconhecendo o governo interino de Juan Guaidó, é só uma questão de tempo para que o Brasil, mais uma vez, volte a ter relacionamento amistoso com o país vizinho. 

O problema está restrito aos governos e suas posições políticas. Pude presenciar o bom relacionamento entre a população dos dois países. Ministrei cursos em Boa Vista algumas vezes, e observei como as pessoas que moram nos dois lados da fronteira mantinham contatos amistosos. Era comum brasileiros e venezuelanos entrarem no país vizinho como se estivessem dentro do seu próprio território. Tomara que voltem a se relacionar assim.

Superdicas da semana

  • A boa comunicação sempre será o caminho para afastar divergências
  • Quanto maior a crise, maior deve ser a sensatez e o equilíbrio
  • A diplomacia é sempre o melhor caminho para as soluções
  • A palavra sensata aproxima as pessoas e constrói relações

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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