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Reinaldo Polito

O ponto de ruptura nas negociações entre Trump e Suleimani

O corpo de Qassim Suleimani na chegada ao Aeroporto Internacional de Ahvaz, no Irã - Hossein Mersadi/AFP
O corpo de Qassim Suleimani na chegada ao Aeroporto Internacional de Ahvaz, no Irã Imagem: Hossein Mersadi/AFP

07/01/2020 04h00

Meu primo Francisco e eu estamos completamente de acordo: os dois queremos Milão.
Carlos 5º

O presidente norte-americano Donald Trump ordenou na quinta-feira (2), a morte do comandante da Guarda Revolucionária do irã, o general Qassim Suleimani. Qualquer opinião a respeito desse fato vai esbarrar em opositores. Se alguém defender a iniciativa de Trump, encontrará forte resistência e desaprovação. Tanto assim que em dezenas de cidades em todo o mundo houve manifestações contra Trump. Por outro lado, se alguém censurar a atitude do presidente republicano, também encontrará uma verdadeira multidão disposta a defender a morte do líder iraniano.

Por que será que depois de tantos séculos de experiência as pessoas ainda não aprenderam a se entender pelo diálogo e pela negociação? Aprenderam. Porém, há um limite em que a conversa deixa de funcionar. Existe um ponto de ruptura que impede as partes de se entenderem.

Motivos alegados

Segundo as autoridades americanas, Suleimani havia sido alertado sobre a existência de uma linha que deveria ser considerada intransponível. As negociações deixariam de ocorrer se os Estados Unidos fossem atacados.

Alguns fatos se somaram para demonstrar que os limites impostos pelos americanos haviam sido ultrapassados, entre eles, o ataque a um campo petrolífero da Arábia Saudita, a morte de um empreiteiro estadunidense por mísseis atribuídos a Teerã e dirigidos contra bases americanas e a invasão da embaixada dos Estados Unidos em Bagdá.

Trump cumpriu sua palavra e autorizou que um drone, monitorado a partir do território americano, atacasse e eliminasse Suleimani. Autoridades americanas revelaram que tiveram diversas oportunidades de matar o líder iraniano, mas esperaram para ver se ele acataria os avisos de que deveria cessar com as agressões feitas pelos seus milicianos.

Há situações que são incontornáveis pelo diálogo. Sem entrar no mérito ideológico, será que poderíamos imaginar Lula e Bolsonaro sentados à mesa tentando identificar planos comuns para o desenvolvimento do país? Provavelmente sairiam desse encontro com animosidade mais acentuada do que entraram.

As diferenças irreconciliáveis de Burke e Paine

Quem se interessa pelo estudo das origens dos pensamentos conservador e progressista não pode deixar de ler as obras de dois dos maiores expoentes dessas correntes de pensamento. Edmund Burke, considerado o pai do conservadorismo, e Thomas Paine, um dos maiores nomes da teoria progressista. Foram contemporâneos e chegaram a ter encontros amistosos. Eles se respeitavam mutuamente.

Com o tempo, entretanto, os dois foram se distanciando, principalmente, entre os diversos motivos que poderiam ser elencados, pelas opiniões divergentes a respeito da Revolução Francesa. Enquanto Paine pregava mudanças a partir de rupturas instantâneas, Burke defendia transformações da sociedade mais lentas, levando em conta a experiência dos vários momentos vividos.

Para entender melhor a posição de cada um deles, podemos nos valer de uma primorosa explicação dada pelo político francês Pierre Magnin: Thomas Paine esteve no ponto mais à esquerda que um filósofo liberal poderia estar, sem ser considerado um socialista ou comunista. Edmund Burke, por outro lado, se colocou no ponto mais à direita que um filósofo liberal poderia estar, sem ser considerado reacionário.

De maneira simplista, já que outros fatores deveriam ser incluídos para uma análise mais profunda, essa posição dos dois pensadores ajuda a explicar as diferenças entre os partidos democrata e republicano nos Estados Unidos.

Esses dois pensadores tão importantes para entendimento da sociedade atual, se distanciaram de tal forma que suas opiniões se tornaram irreconciliáveis. Por mais inteligentes e bem preparados que fossem, jamais puderam se entender. Morreram como adversários.

Na Bósnia, os adversários da guerra civil só se toleram

Há pouco tempo visitei a Bósnia-Herzegóvina. Ainda hoje se veem nas paredes dos edifícios as marcas de tiros deixadas pela guerra civil ocorrida em 1992 que dizimou mais de 200 mil pessoas. Não chega a ser estranho que mesmo depois do Acordo de Dayton, em novembro de 1995, que acabou com o conflito, as mágoas tenham permanecido. As pessoas trabalham e convivem nas mesmas empresas, mas assim que saem do local de trabalho não se cumprimentam. Não há conversa que resolva esse tipo de antagonismo.

Na vida pessoal esse fenômeno também acontece. Tenho um amigo que estava em processo de separação. Como o casal tinha uma filha e haviam construído juntos uma vida de longos anos, movido pelo afeto que ainda o ligava à esposa e o carinho e o profundo amor pela filha, resolveu fazer uma consulta com o saudoso psiquiatra Flávio Gikovate. Quem sabe ele teria a solução.

Contou toda sua história conjugal naqueles 40 minutos de tempo de que dispunha na consulta. Gikovate ouviu atentamente, ponderou os pontos todos da narrativa do cliente e deu seu veredito: a sua mulher virou a chavinha. Não há argumento que a convença a mudar de ideia. Por isso, chega de conversa. Feche essa porta, mude o rumo da sua existência e vá procurar a felicidade em outros cantos. Esse amigo disse que aquelas palavras mudaram sua vida. Percebeu ali que não haveria mais reconciliação. E é feliz até hoje.

A conveniência pode ser uma saída

Quando chegamos a esse ponto de ruptura, quando o diálogo já não funciona para o entendimento, só resta uma esperança —a conveniência. Por exemplo, todos sabemos que o presidente Bolsonaro e o presidente argentino Alberto Fernández não podem se ver nem que estejam pintados de ouro. Entretanto, por conveniências comerciais, especialmente nos acordos necessários do Mercosul com a União Europeia, é provável que consigam se tolerar e preservar uma convivência amistosa.

Na vida corporativa não é diferente. Alguns colegas de trabalho se transformam em desafetos. Como há necessidade de convivência para o bom andamento dos trabalhos e preservação da carreira, poderão conviver respaldados nessa conveniência. Trocam de calçada quando se encontram na rua, mas na empresa, se forem sensatos, serão parceiros.

A conversa e o diálogo ajudam a contornar a maioria das situações, algumas até aparentemente incontornáveis. Há circunstâncias, todavia, em que a possibilidade de acordo desaparece. Nesses casos, se as conveniências sugerirem a convivência, a razão deve prevalecer. Se nem a conveniência existir, como no caso do assassinato de Suleimani, caberá a cada um decidir o que fazer.

Superdicas da semana

- Procure resolver as contendas pelo diálogo
- Principalmente quando escrever, procure analisar se não será mal interpretado
- Um pedido sincero de desculpa pode valer mais que os argumentos mais poderosos
- Se não houver mais possibilidade de diálogo, tente acertar, se for conveniente

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Como falar de improviso e outras técnicas de apresentação", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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