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Reinaldo Polito

Como agir quando não querem ouvir seus argumentos

Colunista do UOL

25/08/2020 04h00

A arte da persuasão ultrapassa todas as outras, e é de muito a melhor, pois ela faz de todas as coisas suas escravas por submissão espontânea e não por violência.
Górgias

Há uma antiga teoria da psicologia que se mostra cada vez mais atual - a Reatância Psicológica, que nada mais é do que a resistência a um processo de persuasão considerado indesejado ou cerceador da liberdade de escolha de um determinado comportamento. É aquela situação em que a pessoa sente que a sua liberdade para realizar ou não qualquer ação se mostra comprometida. Ela deseja se comportar de certa maneira, mas se depara com argumentos que tentam demovê-la de sua vontade.

Essa teoria foi elaborada pelo psicólogo norte-americano Jack Brehm. Segundo seus estudos, há Reatância Psicológica quando os indivíduos tentam recuperar a liberdade perdida, ou ameaçada. Reagem nas circunstâncias em que se veem pressionados por argumentos contrários que tentam fazê-los agir na direção diferente daquela que estavam pretendendo. Ou seja, se mostram refratários ao processo de persuasão.

Barreira difícil de ser vencida

Essa posição adotada pelo interlocutor é difícil de ser combatida. Por mais coerente e lógica que seja a linha de argumentação adotada, independentemente de o ouvinte concordar ou não com o que esteja sendo exposto, pelo fato de se sentir ameaçado em sua liberdade, se coloca sempre na defensiva, ou para não concordar e ficar firme na atitude tomada, ou para agir em sentido totalmente oposto ao que tentam lhe mostrar - é o que Brehm chama de 'efeito bumerangue'.

Especialmente em situações delicadas como essa que estamos vivenciando, em que as pessoas estão o tempo todo com receio de perder sua posição profissional ou social, defendem-se das opiniões contrárias como se fossem ataques pessoais. A qualquer sugestão contrária às suas ideias apresentam objeções emocionais.

Por isso, mais que estarmos preocupados com os argumentos que pretendemos utilizar para combater posições contrárias, precisamos lutar, antes de mais nada, para afastar essas defesas emocionais. Somente depois que a parte contrária não se sentir ameaçada pessoalmente é que poderá, sem resistências infundadas ou não, refletir a respeito das ideias apresentadas.

Um exemplo prático

Vamos imaginar uma situação bastante comum na vida corporativa: a discussão de um projeto. Como exercício, vamos supor que precisássemos atacar alguns pontos inadequados ou prejudiciais à nossa causa. Se lançássemos mão, como acontece na maioria das situações, da conjunção adversativa "mas" logo no início da exposição, não apenas seria mantida a posição adversa, como, possivelmente, aumentaríamos ainda mais a resistência oponente.

Por exemplo: "estou de acordo com as propostas apresentadas pelo João Francisco para ampliar a nossa linha de produção, mas...". Ora, estaria muito evidente que alguém só concordava com a intenção de em seguida discordar. O defensor do projeto, nesse caso, iria se fechar ainda mais na posição que defendia.

Observe a diferença quando a concordância é mais abrangente sem o uso desnecessário da conjunção "mas". Atente para o cuidado de afastar antes as objeções emocionais:

"Estou de acordo com as propostas apresentadas pelo João Francisco para ampliar a nossa linha de produção. Eu acompanhei seu trabalho desde o princípio. Sua primeira atitude foi a de reunir as melhores cabeças da nossa empresa, formando assim um time de primeira qualidade. Outro aspecto que merece elogios foi o cuidado de avaliar o que já existia no mercado, pois pode assim, sem gastar desnecessariamente, trazer o que já estava pronto. Nada de querer inventar a roda".

Vamos ampliar um pouco mais essa fase de concordância: "e cauteloso como sempre foi, teve a precaução de analisar se os exemplos externos se adaptavam à nossa realidade. O que servia foi adotado, o que não cabia para a nossa cultura foi afastado. E ouvi aqui e ali que havia riscos no investimento, já que uma medida governamental poderia pôr tudo a perder. Quem pensou dessa forma não estudou o projeto como deveria ter estudado. João Francisco tem no seu projeto planos para curto, médio e longo prazo, podendo dessa forma dar o rumo que desejar em qualquer etapa da execução.

Assim sendo, João Francisco, renovo os meus cumprimentos pela equipe que montou, pelo aproveitamento dos exemplos externos e pelo cuidado de estabelecer planos que podem ser modificados a qualquer momento. Tenho aqui uma pequena sugestão que talvez possa ser incluída em seus estudos". A partir desse momento, como as defesas emocionais talvez tenham sido afastadas, é possível que ele se dispusesse a ouvir os argumentos com mais atenção.

Veja que, com essa estratégia, o profissional se sente valorizado, tem seu trabalho reconhecido e percebe que a equipe também foi enaltecida. São cuidados que às vezes se mostram trabalhosos, mas que podem fazer a diferença entre o sucesso e o fracasso no combate a uma posição contrária.

Vale a demonstração de solidariedade

A melhor tática para afastar essas objeções emocionais e evitar a Reatância Psicológica é se mostrar solidário, até com certa cumplicidade com a pessoa que resiste a qualquer tipo de argumentação. Se ele disser que não está se sentindo bem fisicamente, não diga "ah, isso não é nada". Será recomendável dizer "esse tipo de desconforto acaba com o dia, não deve estar sendo fácil para você".

Assim como se alguém disser "estou preocupado com a situação do departamento", não diga "esses problemas são normais, logo estarão resolvidos". Prefira dizer "é para estar mesmo, afinal, tudo acaba recaindo sobre as suas costas. Nem sei como suporta". Ao perceber que suas lamúrias encontram eco, ficará mais aberto a ouvir sugestões e ponderações.

Reflita sobre essa questão relevante do relacionamento humano e aumente suas chances de sucesso.

Superdicas da semana

  • Observe se há risco de a pessoa apresentar objeções emocionais
  • Diante de resistências emocionais os argumentos só funcionam se elas forem afastadas
  • Procure ser solidário, pois essa é a melhor estratégia para afastar a Reatância Psicológica
  • Se entender com sinceridade os desejos e preocupações contrárias, encontrará mais receptividade aos seus argumentos

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Superdicas para escrever uma redação nota 1.000 no ENEM", "Como falar de improviso e outras técnicas de apresentação", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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