Comunicação e lugar de fala das mulheres
É melhor ter lutado e perdido, do que nunca haver lutado.
Arthur Hugh Clough
As mulheres sempre reclamaram de preconceitos e injustiças. Com razão. Foram à luta e não esperaram que seus direitos caíssem no colo. Encontraram e encontram muitas resistências em todos os setores de atividade, mas, aos poucos, vão destruindo as barreiras que as impedem de progredir. Hoje podem comemorar mais um passo importante nessa jornada. Que passo é esse?
Cala a boca! Essa expressão é quase sempre muito agressiva. Há situações, entretanto, em que chega a ser aplaudida. Ficou famoso, por exemplo, o episódio no ano de 2007, durante a XVII Conferência Ibero-Americana, em que o presidente venezuelano Hugo Chávez acusava o ex-primeiro-ministro José Maria Aznar de fascista.
O rei espanhol Juan Carlos I se irritou com a atitude do líder venezuelano e se dirigiu a ele de forma seca e contundente: "Por qué no te callas?". Como Hugo Chávez era verborrágico e sem nenhuma cerimônia, aquele pito do rei foi visto com admiração e longamente aplaudido.
Caso emblemático
Outro caso em que o "cala a boca", mesmo sendo agressivo, acabou por se tornar emblemático e render bons frutos ocorreu em 1982 no debate entre Franco Montoro e Reynaldo de Barros, quando disputavam o cargo de governador do estado de São Paulo. Era o primeiro confronto político transmitido pela televisão depois do movimento militar de 1964.
O encontro teve como palco o programa do apresentador Ferreira Neto, na antiga TVS, que viria a ser o SBT. Era um momento aguardado com grande expectativa e ansiedade, pois, os jovens, passados quase 20 anos, nunca haviam assistido a um debate político ao vivo pela televisão. Todos queriam ver como os debatedores iriam se comportar.
Lá pelas tantas, durante um momento de discussão acalorada, Montoro grita com Reynaldo de Barros: Cala a boca! Surpresa geral! Ninguém esperava que o experiente político pudesse ter aquele tipo de atitude. Foi agressivo, deselegante e até muito rude. Só que o resultado foi bastante positivo para Montoro, pois no dia seguinte essa frase foi capa de quase todos os jornais do país, e a maioria elogiando sua coragem e ousadia.
Lugar de fala
Há situações em que mesmo não proferindo essas palavras o sentido é praticamente idêntico. Nos últimos tempos, por exemplo, considera-se que algumas pessoas não deveriam se manifestar fora do seu lugar de fala. E o objetivo é claro: dar condições para que as minorias tenham mais espaço para defender seus pontos de vista.
Assim, questões ligadas às mulheres, aos negros, aos homossexuais e outras minorias deveriam ser tratadas preferencialmente por aqueles que estivessem efetivamente envolvidos na situação. Dessa forma, os homens não seriam os mais indicados para discutir as questões relacionadas às mulheres, os brancos não seriam aptos para falar dos assuntos pertinentes aos negros, assim como os heterossexuais não seriam os mais indicados para tratar das matérias próprias dos homossexuais. Ou seja, cada um no seu quadrado.
Não que quem estivesse fora de determinado segmento não pudesse opinar sobre ele, mas a preferência seria sempre de quem pertencesse a essa esfera particular. Os de fora ficariam calados, ouvindo e depois, se houvesse espaço, e propriedade, aí sim poderiam se manifestar. Se não fosse o caso, entretanto, deveriam "calar a boca".
Cercado de mulheres
Pois é, vou falar hoje fora do meu lugar de fala. Às vezes até me sinto no direito, mas sei que não o tenho. Dos meus quatro filhos, três são mulheres. E eles me deram até agora quatro netas. Além disso, moram comigo minha mulher e minha mãe. É uma "mulherada" pra ninguém botar defeito. Nos assuntos delas, entretanto, faço de tudo para "calar a boca".
Ah, sem contar que a minha filha Rachel é super engajada nas causas femininas. Ela coordena para a Editora Benvirá uma série de Livros escritos apenas por mulheres, e falando sobre assuntos de mulheres. O título do seu livro é "Mais do que mulher maravilha, mulher real". Serão todos publicados até o dia da mulher. E ela faz parte do grupo SOS Mulher, do Fundo Social do Governo do Estado de São Paulo.
Portanto, esse é um tema que acompanho com interesse há um bom tempo, mas sem me manifestar muito. Fico só antenado pra saber como a conversa rola de um lado e do outro. Quando penso em dar um palpite, sinto um olhar de reprimenda, como se dissesse: a conversa não chegou aí ainda.
Brincadeira à parte, hoje vou enveredar por esse caminho, mas com a intenção de elogiar as mulheres. Quem acompanhou um pouco a história dos desafios que essas guerreiras tiveram de enfrentar e superar ao longo dos tempos faz reverência para a determinação e tenacidade delas.
Jornada difícil
Eu me lembro que na política as conquistas femininas foram lentas e sofridas. Conseguiram eleger Luiza Erundina para a prefeitura de São Paulo. Tiveram um ministério importante no governo de Fernando Collor, quando a economista Zélia Cardoso de Mello se tornou ministra da Economia, Fazenda e Planejamento. Emplacaram Graça Foster na presidência da Petrobras. A economista Maria Silvia Bastos, na presidência do BNDES. E, lógico, Dilma Rousseff, como presidente do país
Estou citando algumas como exemplo, mas poderia mencionar muitas outras que deram orgulho para essa batalha feminina. E pensar que mesmo assim ainda hoje poucas mulheres ocupam as posições mais importantes nas grandes empresas. Está melhorando, mas ainda falta muito para que elas cheguem às posições que merecem.
Hora de comemorar
Este, entretanto, é um momento de comemoração para as mulheres. Estou falando em comemoração porque pela primeira vez há chance de duas mulheres ocuparem os cargos mais importantes na Câmara dos Deputados. A deputada federal e ex-desembargadora Bia Kicis para presidir a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e a deputada federal e ex-executiva de grandes empresas Carla Zambelli para assumir a SECOM (Secretaria de Comunicação).
São duas mulheres obstinadas, que há muito lutam para ocupar espaços em suas atividades. Chegar a essa posição é o sonho de muitos políticos, mas para as mulheres a situação é ainda mais difícil e desafiadora. Nada é concedido gratuitamente. Ao contrário, cada etapa exige garra e até sacrifícios pessoais.
Imagino que essa vitória deva proporcionar grande alegria às mulheres que sempre lutaram tanto para serem reconhecidas e que, por preconceito e muita injustiça, se viram alijadas dessas posições relevantes. São duas mulheres competentes que, com certeza, darão orgulho a essa batalha feminina de tantos anos.
Como eu disse, estou aqui falando fora do meu lugar de fala, mas julgo que para elogiar e celebrar conquistas tão importantes eu possa me manifestar. Se elas forem confirmadas nos cargos, que tenham excelente gestão e sejam felizes nessas atribuições.
Excepcionalmente hoje, vou substituir as tradicionais Superdicas da semana por algumas frases famosas sobre as mulheres. Assim será possível ter uma ideia do preconceito que tiveram de enfrentar durante a vida toda.
Menos mal te fará um homem que te persiga, do que uma mulher que te siga. Gracián
Quanto mais leve é a cabeça da mulher, mais pesada é a do marido. Urbano de Castro
As mulheres adivinham tudo; só se enganam quando refletem. Alphonse Karr
A mulher é um estorvo social, uma forma de obscurantismo, e se o homem não tivesse de nascer dela, deveria ser suprimida. Bento Pérez Galdós
Todas as mulheres fáceis dizem que os maridos são difíceis. Sofocleto
Falando em comemoração, esta semana completei 14 anos como colunista do UOL. Entre textos, vídeos e entrevistas a conta já ultrapassa a 650. É uma alegria e grande honra estar aqui todas as semanas trocando ideias com você.
Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo", "Oratória para advogados", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas", "Superdicas para escrever uma redação nota 1.000 no ENEM", "Como falar de improviso e outras técnicas de apresentação", "Assim é que se Fala", e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.
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