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Reinaldo Polito

Será que Bolsonaro deveria fazer um curso com Lula?

Montagem com fotos de Lula e de Bolsonaro - Arte/UOL
Montagem com fotos de Lula e de Bolsonaro Imagem: Arte/UOL

Colunista do UOL

23/11/2021 04h00

A esperança dos homens é a sua razão de viver e de morrer.
Malraux

Dizer que Bolsonaro talvez pudesse fazer um curso com Lula provocaria, certamente, a reação vociferante dos bolsonaristas e o aplauso exultante dos lulistas. Essa tese, entretanto, encontra respaldo em princípios filosóficos defendidos por Aristóteles, Maquiavel e Hegel, e está diretamente ligada ao processo de comunicação, que é o objetivo maior desta coluna.

Uma das diferenças entre Lula e Bolsonaro está nos meios empregados para se referir às crises. Lula optou pela teleologia, que, em última análise, busca os fins. Enquanto Bolsonaro escolhe a deontologia, que tem como objetivo essencial os meios. Vamos aos fatos.

A marolinha de Lula

A crise de 2008 apavorou o mundo com a quebra do Lehman Brothers. A maioria dos países não sabia como contornar aquele tsunami. Qualquer decisão, por mais sensata que pudesse se mostrar, encontrava críticas ferozes dos economistas e dirigentes mundiais. Afinal, todos os caminhos pareciam levar diretamente ao caos.

No meio da balbúrdia, aparece Lula. O então presidente da República afirmou que no Brasil aquela crise não passaria de uma marolinha. Os oposicionistas subiram nos palanques para censurar as palavras "irresponsáveis" do dirigente brasileiro, enquanto os situacionistas, mesmo os mais descrentes, permaneceram em silêncio. Eles não seriam ingênuos de dar munição aos adversários.

Funcionou

Lula intuía que nas crises há um componente emocional que influencia a realimentação dos problemas e das dificuldades. Se ele dissesse que estávamos diante de uma catástrofe, provavelmente as pessoas deixariam de investir, de consumir, de empreender, e aí sim se consumaria o desastre.

Com esse discurso, Lula deu um alento à população. Ainda que, talvez, não acreditasse muito nas próprias palavras, estava usando a teleologia. Aquela mentirinha branda, inofensiva, que não prejudica ninguém. Ao contrário, ajuda a encarar com mais suavidade o momento e, consequentemente, a viver melhor. E deu certo. Tanto que o nosso PIB cresceu 1,9% no segundo trimestre de 2009, após ter despencado nos dois trimestres anteriores. Sem contar a surpreendente recuperação da Bolsa de Valores.

Faltou o ajuste

A situação que se seguiu, todavia, merece contestação. Lula não fez um ajuste de percurso. Achou que o desenvolvimento da economia interna, que foi a solução encontrada, com a concessão desenfreada do crédito e a redução de impostos dos automóveis e dos eletrodomésticos, poderia se prolongar indefinidamente.

Os brasileiros estavam felizes. Podiam comprar carros, eletrodomésticos, viajar, jantar fora, frequentar faculdades, enfim, realizar o sonho de consumo que até aquele momento parecia inatingível. Passada a euforia, chegou a conta. Muita gente endividada e inadimplente. Por esse motivo, o discurso passou a se referir apenas às conquistas do passado sem mencionar as consequências negativas das ações empreendidas.

Verdades inconvenientes

Bolsonaro preferiu adotar outra vertente, a deontologia. Ele não se preocupa muito em dourar a pílula. Fala com entusiasmo de suas realizações, mas não poupa palavras para se referir aos infortúnios que estão por vir.

E não faz tanto tempo que demonstrou esse sincericídio: "Alguém acha que eu não queria a gasolina a R$ 4,00 ou menos? O dólar a R$ 4,50 ou menos? Não é maldade de nossa parte, é uma realidade. E tem um ditado que diz: nada é tão ruim que não possa piorar".

Mentir descaradamente para a população seria uma atitude imperdoável, mas mostrar uma realidade crua, que pode até tirar a esperança das pessoas, talvez não seja a opção mais adequada. Todos nós precisamos de uma brisa motivadora para continuar a jornada.

Talvez possa aprender

Por isso, talvez caiba uma reflexão: não seria aconselhável Bolsonaro analisar como se comportou Lula? Bastaria revirar as páginas do passado, espanar um pouco do pó que turva a capacidade de enxergar com mais clareza os fatos que estão à volta, e dizer que tudo está sendo feito para que o amanhã seja mais promissor. E garantir que será. E se dedicar para que seja.

Em breve teremos o retorno dos discursos de campanha. São aqueles momentos em que os economistas, engenheiros, administradores desligam as calculadoras, vestem o manto dos políticos e passam a falar a linguagem dos eleitores. Quem sabe aí os candidatos, entre eles Bolsonaro, passem a ser mais teleológicos e menos deontológicos. Afinal, a esperança é sinal de que há vida além dos números.

Superdicas da semana

  • Mentiras que ajudam o próximo a viver melhor talvez sejam bem-vindas
  • Há situações em que precisamos dizer o que as pessoas desejam e precisam ouvir
  • A expressão da verdade precisa levar em conta os sentimentos alheios
  • É melhor um talvez de esperança que um não desanimador

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "Conquistar e influenciar para se dar bem com as pessoas", "Como falar corretamente e sem inibições", "Comunicação a distância", "Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo", "Saiba dizer não sem magoar os outros" e "Oratória para advogados", publicados pela Editora Saraiva. "29 minutos para falar bem em público", publicado pela Editora Sextante. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.