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Reinaldo Polito

Lula adota estratégia genial ou perdeu a mão para a política?

Lula - Ricardo Stuckert/Reprodução/Facebook/Lula
Lula Imagem: Ricardo Stuckert/Reprodução/Facebook/Lula

Colunista do UOL

22/02/2022 04h00

O que parece erro, muitas vezes é apenas um estratagema. Não é Homero que cochila, nós é que sonhamos.
Pope

Lula é um animal político. Seus feitos são impressionantes. Provavelmente ninguém conseguirá se aproximar de suas proezas.

Algumas de suas conquistas são o fato de ter vencido duas vezes as eleições à Presidência. Ter feito também em duas edições a sua sucessora. Ter saído do governo com 96% de aprovação entre ótimo, bom e regular. E, se ficarmos apenas entre ótimo e bom, teremos incríveis 83%.

Duvido que outro político, que tivesse sido condenado em praticamente todas as instâncias e amargado 580 dias de prisão, estaria hoje com esses índices tão elevados nas pesquisas eleitorais. Daqui a décadas os analistas ainda estarão tentando entender esse fenômeno.

Não é ingênuo

Acompanho a trajetória de Lula há muitos anos. No final da década de 1970, eu atuava no mercado financeiro e ministrava cursos de oratória em São Bernardo do Campo. Nessa época, assisti a muitas manifestações sindicais lideradas por ele. Quem pensa que é simples, tente reunir as multidões que o presidente do sindicato dos metalúrgicos reunia.

Com sua comunicação simples e cativante, impulsionada por um carisma indescritível, encantava os trabalhadores no estádio da Vila Euclides. Nascia ali um dos maiores líderes políticos da nossa história. Todos esses fatos provam que Lula não é ingênuo nem inexperiente.

Atitudes e pronunciamentos estranhos

Ora, se ele desenvolveu uma trajetória tão vencedora, por que toma atitudes e faz pronunciamentos que, pelo menos à primeira vista, poderão prejudicá-lo nas próximas eleições? Ou possui sensibilidade política acima da compreensão comum, ou o longo tempo de reclusão, que o afastou da realidade do país, fez com que perdesse a mão.

Lula tem pregado reiteradamente a regulamentação da mídia, incluindo aí a imprensa tradicional e as redes sociais. De vez em quando procura dar uma atenuada dizendo que só deseja democratizar os meios de comunicação para que não fiquem nas mãos de cinco ou seis famílias. Em outras oportunidades afirma que sua intenção é impedir a agressividade observada hoje.

Seja por um ou por outro motivo, essas iniciativas podem ser confundidas facilmente com censura. Como alguém que deseja voltar ao Palácio do Planalto pode pregar essa mordaça na mídia? Até os seus correligionários mais leais se sentem constrangidos com essas ideias.

Temas indigestos

Há outros pronunciamentos que também provocam estranheza, como, por exemplo, acabar com as escolas cívico-militares. Essa modalidade de ensino mostrou bons resultados onde as unidades foram implantadas, especialmente nas localidades em que a falta de segurança para os alunos e professores era problema recorrente.

Com a mudança, os pais se sentiram aliviados, pois viram na disciplina dessa nova modalidade de ensino uma oportunidade para que seus filhos aprendessem e tivessem um futuro mais promissor. Ainda que Lula e seu partido não sejam muito chegados aos militares, não haveria motivo para antecipar esse tema agora em período de pré-campanha.

Só para citar outros aparentes equívocos, poderíamos mencionar a bandeira que ele tem levantado para o fim do teto de gastos e os frequentes ataques às reformas Trabalhista e da Previdência.

No caso do teto de gastos a justificativa são os investimentos. Me engana que eu gosto, pois todos sabemos que essa grana extra nas mãos dos políticos acaba em gastança. Sobre as reformas, nunca é demais lembrar que o povo foi às ruas para apoiar a aprovação.

Só os petistas não bastam

São apenas alguns exemplos de pronunciamentos fora da curva que talvez prejudiquem as pretensões de Lula a vestir a faixa presidencial. Ainda que essas propostas estejam em sintonia com seus seguidores, o caminho parece ser mal traçado.

Apenas os petistas raiz não serão suficientes para eleger seu líder. Para voltar a governar o país, Lula precisará conquistar parte do eleitorado de Bolsonaro, de Moro e de outros candidatos. E esse discurso não parece ser o meio mais adequado.

Aqueles que acompanham Lula nessa jornada já o alertaram para que ponha o pé no chão e não se fie muito nos resultados atuais das pesquisas. Dizem que com o início da campanha, os seus pontos negativos e os feitos de Bolsonaro serão divulgados com bastante alarde.

A disputa ainda não começou

O atual presidente, com certeza, enfatizará todas as acusações de crimes e delações premiadas contra o ex-presidente e aqueles que o cercavam. Ainda que Lula diga que as condenações foram anuladas, para o eleitorado, poderá parecer mais desculpa que defesa.

Bolsonaro enaltecerá o Auxílio Brasil, que tem forte apelo popular, especialmente na camada mais pobre da sociedade. Falará das numerosas inaugurações de pontes, rodovias e ferrovias pelos quatro cantos do país. Lembrará à exaustão de como trabalhou para a água chegar ao Nordeste, atendendo ao sonho daqueles que sofriam há décadas com a falta desse bem precioso.

Portanto, com esses temas quentes, é que a disputa começará para valer. E não é com essas propostas polêmicas e equivocadas que Lula conseguirá conquistar os votos de que precisa. Se pretende chegar lá, seria interessante que ouvisse seus colaboradores e fincasse os pés no chão.

Sendo ou não partidário de Lula, valerá a pena acompanhar o que acontecerá nos próximos meses. Imagino que, se continuar assim, não obterá êxito. Mas posso estar enganado. Afinal, quem entende de política é ele.

Superdicas da semana

  • Quando a água curva o bastão, a minha razão endireita-o. La Fontaine
  • É muito mais fácil reconhecer o erro do que encontrar a verdade. Goethe
  • Contrariamente ao que creem os chorões, todo erro é uma propriedade que acresce ao nosso haver. Ortega Y Gasset
  • Os erros de uns são lições para outros; estes acertam porque aqueles erraram. Marquês de Maricá

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "Como falar corretamente e sem inibições", "Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo", "Saiba dizer não sem magoar as pessoas" e "Oratória para advogados", publicados pela Editora Saraiva. "29 minutos para falar bem em público", publicado pela Editora Sextante. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.