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Reinaldo Polito

Alckmin se comporta como se fosse um chuchu fora da horta

Lula e Alckmin participam de evento do PSB - Reprodução/YouTube
Lula e Alckmin participam de evento do PSB Imagem: Reprodução/YouTube

Colunista do UOL

03/05/2022 04h00

Não te levantes quando os outros se sentam, nem te sentes quando eles se levantam.
Do Talmude

Há um episódio muito engraçado de Mr. Bean em uma igreja anglicana. O personagem demonstra não estar familiarizado com os rituais da celebração eucarística. Não sabe o momento de ficar em pé ou sentado. Por isso, como está na primeira fileira, fica de olho em quem está ao seu lado.

Assim que a pessoa faz menção de se levantar, Mr. Bean fica em pé. Ao perceber que se enganou, pois todos permaneciam sentados, ele rapidamente se senta. A cena se repete algumas vezes, até que chega o momento de terem mesmo de se posicionar em pé.

Aleluia, aleluia

Em seguida começam a cantar o hino anglicano "All creatures of our God and King" (Vós criaturas do Senhor). Nesse instante Mr. Bean fica ainda mais perdido. Apenas movimenta a boca para fingir entoar a música. Tenta ler a letra do hino no livro que está nas mãos do vizinho, mas não consegue. E ele ali, como um peixe fora d'água tentando manter a pose.

A única parte que consegue cantar é o refrão: aleluia. aleluia, aleluia. Aliviado, se esbalda, repetindo essas palavras a plenos pulmões. Quem já passou por situações semelhantes sabe como é constrangedor não querer demonstrar ignorância. Quando nos sentamos nas últimas fileiras até dá para disfarçar, mas lá na frente, sem referência para imitar, é uma tremenda saia justa.

Onde estou?

Pois essa parece ter sido a situação em que se meteu Geraldo Alckmin na última semana. No dia 28, quinta-feira, ao participar de um evento do PSB, sua nova agremiação partidária, como uma das figuras mais importantes do encontro, se sentou à mesa, próximo de Lula, bem na frente do público.

Em determinado momento, anunciaram a execução do hino da Internacional Socialista. Todos se levantaram. O ex-governador, entretanto, deu uma vacilada, demonstrando falta de familiaridade com o que estava vivenciando. Seguiu no embalo, e também se levantou, acompanhando o exemplo dos presentes.

Chuchu fora da horta

A impressão que deu foi a de que Alckmin estava ali como se fosse o Mr. Bean na igreja anglicana. Balançava a cabeça, como se estivesse em consonância com a melodia. Tentou manter o figurino, mas não teve jeito, já que estava mesmo perdidão.

No episódio do Mr. Bean houve pelo menos a possibilidade de cantar "aleluia" em voz alta. No evento do PSB não. Nem o conhecido refrão do hino pareceu constar da cartilha do possível vice de Lula:

Bem unidos façamos
Nesta luta final
Uma terra sem amos
A internacional

No final, também com atraso, depois que iniciaram os aplausos, bateu palmas. Está certo que muita gente no evento não conhecia a letra do hino, mas os olhos do público estavam voltados para o novato. Deve ter passado pela cabeça de boa parte da plateia: o que esse cara está fazendo aqui?

Só um aperitivo

Essa reunião foi só um preâmbulo para o longo caminho que Alckmin deverá percorrer nessa nova jornada. Terá de se acostumar em campanha a vestir camisa vermelha no lugar da azul, repetir a palavra "trabalhador" a cada duas ou três frases, usar "companheiros" como vocativo. Ufa! Vai ser um penoso aprendizado. Mas o que é um perrengue desse para quem quer ser vice-presidente do país?!

Se depois de todo esse esforço conseguir vencer as eleições, tudo bem. Valeu o investimento. Se, todavia, não chegar lá, vai ser pior que a decepção das últimas eleições, em que quase perdeu para o cabo Daciolo.

Reconstruir a imagem política depois de uma derrota nessas circunstâncias exigiria esforço sobre-humano. Encontrar os cacos que ficaram pelo trajeto seria, provavelmente, uma das maiores superações da carreira política de Alckmin. Mais desafiadora até que cantar com desenvoltura o hino da Internacional Socialista.

Para saber mais pergunte ao Mr. Bean.

Superdicas da semana

  • Duas competências importantes: saber para onde ir e como se adaptar
  • Uma decisão bem ou mal tomada implica consequências para o futuro
  • Na hora de decidir é preciso avaliar se a coerência com o passado será preservada
  • Antes de saber como fazer não faça

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "Como falar corretamente e sem inibições", "Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo" e "Oratória para advogados", publicados pela Editora Saraiva. "29 minutos para falar bem em público", publicado pela Editora Sextante. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.