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Reinaldo Polito

'Perdeu, Mané' e 'Foi tarde, Neymar' não ajudam a pacificar o país

Lula discursando - Marcelo D. Sants/Framephoto/Estadão Conteúdo
Lula discursando Imagem: Marcelo D. Sants/Framephoto/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

29/11/2022 04h00

É-se rebelde quando se é vencido. Os vencedores nunca são rebeldes.
Anatole France

O PT venceu as eleições. Palmas para ele. Agora é só governar. Aí é que está o desafio. Se ganhar o pleito eleitoral é difícil, saber o que fazer com essa conquista é um desafio ainda maior. Ninguém consegue comandar um país contando apenas com metade da população.

Para ter capacidade de governança, os petistas precisam investir com todas as forças na pacificação do país. O Brasil está literalmente dividido. Saiu das urnas rachado. E com uma oposição ao governo nunca vista na história. Já na fase de transição, Lula descobriu o tamanho da encrenca que encontrará pela frente.

Mexendo em vespeiro

No primeiro pronunciamento para valer como presidente eleito, provocou um tsunami no mercado. Ao criticar a "tal estabilidade fiscal", demonstrou que não teria responsabilidade com o dinheiro público. Suas palavras inconsequentes atiçaram todos os indicadores econômicos:

Por que as pessoas são levadas a sofrer por conta de garantir a tal estabilidade fiscal nesse país? Por que toda hora as pessoas falam que é preciso cortar gasto, que é preciso fazer superavit, que é preciso fazer teto de gasto? Por que as mesmas pessoas que discutem com seriedade o teto de gasto não discutem a questão social?

O mercado reagiu

Não ficou pedra sobre pedra. Diante desse discurso populista, embolorado, do século passado, a Bolsa despencou, o dólar subiu, as previsões inflacionárias se assanharam. Até os economistas que o apoiaram na campanha, se apressaram em criticá-lo pelo pronunciamento infeliz. Alguns, como Meirelles, pularam do barco. A lá "filósofo" Felipão: me incluam fora dessa.

Diante da reação indignada dos especialistas, em vez de Lula tentar acalmar o tumulto, resolveu retrucar com suas costumeiras ironias:

O mercado fica nervoso à toa. Eu nunca vi um mercado tão sensível como o nosso. É engraçado que esse mercado não ficou nervoso com quatro anos de Bolsonaro.

Foi pior a emenda

Não deu certo. Foi como se jogasse mais combustível na tentativa de apagar o incêndio. Lula puxou o freio de mão. Baixou o tom do discurso e procurou se mostrar mais moderado. O mercado, porém, se mostra apreensivo. Afinal, vale o Lula do primeiro momento, ou esse que disse que não disse o que disse?

Para o país funcionar, Lula e seus aliados precisam agir rápido para pacificar os brasileiros. De verdade. Não só da boca para fora. E não vão conseguir esse objetivo agindo como estão. Só como exemplo:

O senador Randolfe Rodrigues, na linha do ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), atacando um bolsonarista com: "Perdeu, Mané!". A presidente do partido, Gleisi Hoffmann, comemorando a saída de Neymar dos jogos da copa por contusão com "Foi tarde". Lula sendo jocoso ao afirmar no seu discurso da vitória que a direita não estava lá, só gente de esquerda.

Poderiam dizer: ah, mas os bolsonaristas provocam! Sim, é o que faz quem fica na oposição. Como disse Anatole France: "Rebeldes são os vencidos, não os vencedores". Cabe ao eleito articular, negociar, ceder, enfim, mostrar aos perdedores que eles também serão beneficiados.

Inabilidade política

Em todos os casos citados, demonstraram inabilidade política. Deram a impressão de que se sentem mais confortáveis no palanque. Esses ataques, todavia, são verdadeiros tiros no pé. Só animam a resistência daqueles que agora são opositores.

A pergunta é esta: será que com cerca de 300 pessoas na equipe de transição não há alguém com bom senso e capacidade de liderança para colocar um pouco de juízo na cabeça desses "aloprados"?

Virar a chave

Para governar, Lula precisa virar a chave. Deve se conscientizar de que está diante de uma nova realidade, diferente daquela que enfrentou quando esteve nas duas gestões no Palácio do Planalto, e mais uma e meia no governo de Dilma. Alguém precisa lembrá-lo todos os dias sobre alguns fatos:

O Congresso será predominantemente conservador. A população estará com lupa nas mãos disposta a não tolerar mais mensalões e petrolões. Os especialistas do mercado permanecerão vigilantes, pois mesmo que tenham emprestado apoio na campanha, não estão interessados em ver o país se deteriorando.

Por isso, a época dos comícios deve ser esquecida. Precisam ter em mente que as eleições são página virada. O objetivo daqui para a frente só pode ter uma direção: governar para todos os brasileiros. Não apenas para os que caminham pela margem esquerda.

Ou mudam já, ou não conseguirão ter em mãos o leme desse transatlântico, que, antes mesmo de zarpar, já vislumbra águas turbulentas.

Superdicas da semana

  • O discurso deve ser verdadeiro e adequado às circunstâncias
  • Falar que vai fazer é fácil, difícil é fazer
  • O líder deve liderar para todos
  • Para toda ação, pode-se esperar uma reação

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "Como Falar Corretamente e sem Inibições", "Saiba dizer não", "Comunicação a distância", "Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo" e "Oratória para advogados", publicados pela Editora Saraiva. "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.