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Reinaldo Polito

Tite é um cara competente. E bom de bico

Tite pensativo - Markus Gilliar/GES Sportfoto/Getty Images
Tite pensativo Imagem: Markus Gilliar/GES Sportfoto/Getty Images

Colunista do UOL

06/12/2022 04h00

Conselho cordato é enfrentar as adversidades com rosto alegre, porque com ele se vencem os inimigos e se dá alento aos amigos.
Mateo Alemán

Ninguém pode criticar Tite como treinador. A seleção está indo bem. O Brasil se classificou em primeiro lugar nas eliminatórias, com bastante antecedência. Sobrou. Mesmo levando susto com a derrota para Camarões, concluímos a primeira fase na ponta. Derrotamos a Coreia do Sul de goleada e nos credenciamos para a próxima etapa. Portanto, até aqui o professor está aprovado. E com louvor.

Na copa da Rússia, entretanto, seu Adenor pisou na bola e nos deixou nas quartas de final. O Brasil perdeu de 2 X 1 para a Bélgica. Uma tremenda frustração. Afinal, a maioria da população brasileira tinha grandes esperanças de que iríamos abocanhar o tão sonhado Hexa.

Nova chance

Embora Tite tenha recebido naquela época algumas críticas, praticamente ninguém defendeu sua saída do comando da seleção. Continuou firme fazendo seu trabalho, montando um novo time para os jogos da fase de classificação e posteriormente disputar a copa de 22. Seguiu com seu projeto à frente do selecionado sem muitas pressões.

Por que será que mesmo tendo sido eliminado, ainda assim a continuidade do seu trabalho foi defendida pela maior parte da imprensa e da população? Porque ele é bom de bico. Se analisarmos bem, a sua situação não difere um milímetro da de Dunga. Os resultados dos dois técnicos foram rigorosamente idênticos. Só que um dançou, e o outro não.

Coincidências

Os dois foram desclassificados na Copa do Mundo nas quartas de final, e pelo mesmo resultado, 2 X 1. E com uma coincidência incrível, tomando gol contra. Ah, houve sim uma diferença. Uma pequena distinção que torna essa comparação ainda mais instigante.

Dunga perdeu de 2 X 1 para a Holanda com gol contra de cabeça de Felipe Melo. Tite foi derrotado por 2 X 1 contra a Bélgica com gol contra de ombro de Fernandinho. Ou seja, um verdadeiro CtrlC/CtrlV de uma para outra partida. E aqueles que criticam veementemente o desempenho de Dunga, talvez desconheçam a eficiência dos seus resultados.

Conquistas

Os números são impressionantes. Com Dunga, a equipe brasileira foi campeã da Copa América em 2007, com direito a um chocolate de 3 X 0 em cima da Argentina. Campeã da Copa das Confederações em 2009. Classificada em 1º lugar para a Copa de 2010. 1º lugar na fase inicial. Arrebentou com o Chile na segunda fase por 3 X 0.

Embora tenha perdido para a Holanda, o Brasil jogou uma partida dos sonhos. Quem assistir ao vídeo desse jogo vai constatar que a nossa seleção não merecia perder. Só para dar uma ideia de como o nosso time estava indo bem, em enquete realizada um dia antes de ser derrotado, obteve aceitação próxima de 80%.

Bom de entrevista

Diferentemente do que ocorreu com Dunga, a condescendência com Tite, mesmo perdendo jogos e não conquistando campeonatos, se deve à sua comunicação cativante. Ele encontrou um estilo para se relacionar com a imprensa e ser respeitado pelos jornalistas.

Pode até discordar, mas não bate de frente no momento de responder às perguntas. Por mais estressante que seja a situação, jamais se altera. O tom de voz, parecido com a de um padre confessor, é o mesmo em todas as circunstâncias. Quando o clima fica mais tenso, consegue encontrar uma tirada espirituosa para tornar a conversa mais leve e agradável.

Jeitoso

Suas respostas quase nunca são intempestivas. Antes de responder faz pausa prolongada e mede bem cada palavra. Se, por acaso, julga conveniente não abordar determinado tema, terceiriza. Pede para que alguém da comissão técnica dê a resposta. Nesse momento, a explicação deixa o campo político e segue linha mais técnica.

É dessa forma que Tite transita pelos momentos mais agudos. Sempre se valendo da sua habilidade para se expressar. Depois de tantos anos, falando com a imprensa quase todos os dias, já sabe quais serão os questionamentos e que tipo de resposta mais adequada deve ser dada.

Depende do resultado

Nesta Copa tem sido assim. Ao falar na coletiva de imprensa após a derrota para Camarões, não se abalou. Manteve a serenidade, como se aquele trágico resultado estivesse dentro da normalidade. Não, não estava. Foi a primeira vez que perdemos para um time africano, e não éramos derrotados em uma partida na primeira fase há 24 anos.

Tudo, entretanto, tem limite. Se conseguirmos o esperado título, Tite continuará sendo admirado. Com certeza, mesmo tendo avisado que vai deixar o comando da seleção, haverá boas chances de que continue. Afinal, "Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto! Digam ao povo que fico".

Se, todavia, decepcionar mais uma vez, não haverá competência oratória que o sustente. Será uma avalanche: levou Daniel Alves, um jogador com idade avançada. Preferiu Gabriel Jesus, que não mostrou competência na seleção. Não convocou Gabigol, Dudu, Marcos Rocha. Desta vez, sem perdão.

Diante de nova derrota, não adiantará nada ser bom de bico. Poderá arrumar as malas e buscar novos desafios. A ver.

Superdicas da semana

  • A boa comunicação pode valer tanto quanto a competência técnica
  • As crises mais agudas podem ser superadas com oratória eficiente
  • Se dois profissionais tiverem o mesmo resultado, quem falar melhor se sobressai
  • Não existe investimento pessoal mais relevante que aprimorar a comunicação

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "Como Falar Corretamente e sem Inibições", "Comunicação a distância", "Saiba dizer não", "Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo" e "Oratória para advogados", publicados pela Editora Saraiva. "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante.