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Reinaldo Polito

OPINIÃO

O peso e o papel do carteiro Sergio Rial no anúncio do rombo nas Americanas

Sergio Rial, CEO da Americanas deixa cargo - Reprodução
Sergio Rial, CEO da Americanas deixa cargo Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

17/01/2023 04h00

O escândalo é que ofende - e quem o evita, vence-o: / Ninguém é pecador quando peca em silêncio.
Molière

As Americanas sacodem o mercado com uma notícia inesperada e impactante. O CEO Sergio Rial revelou que há uma dívida de R$ 20 bilhões escondida no balanço da empresa. Essa informação constitui um dos maiores escândalos corporativos dos últimos tempos.

A pergunta é recorrente: como é que ninguém percebeu um rombo contábil de R$ 20 bilhões? É muita grana para ficar escondida por tanto tempo sem que uma pessoa sequer levantasse o tapete para enxergar o que havia.

Não estamos nos referindo a R$ 20 mil, nem R$ 20 milhões. Não, a conversa é sobre R$ 20.000.000.000,00. É zero que não acaba mais!

Poderia ser pior

Cabe ainda no pacote outro dado de arrepiar. O risco de os credores pedirem antecipação do pagamento das dívidas. Nesse caso, o número poderia ser dobrado, chegando aos R$ 40 bilhões. Se esse fato ocorresse, só restaria fechar as portas. Tudo indica que virá um pedido de recuperação judicial.

Por isso, foi preciso pisar em ovos para dar essa notícia. A salvação da lavoura estava na habilidade de comunicar o fato. O escolhido para pôr o sino no pescoço do gato foi Sergio Rial. Ele assumiu como CEO das Americanas e pegou o chapéu rapidinho para se retirar do cargo no curtíssimo período de dez dias.

Bem na frente

Pois é, foi necessário pouco mais de uma semana para que ele e o diretor de relações com investidores, André Covre, batessem os olhos no balanço para descobrir que naquele angu havia caroço. Muita gente ficou intrigada. E indagam: como fica o pesado investimento que fizeram em ESG? O G de governança não foi observado? Era para valer, ou só para inglês ver?

Afinal, será que seu antecessor, Miguel Gutierrez, que esteve no comando da empresa por duas décadas não viu o que estava debaixo dos seus olhos? Aqui entra mais um questionamento:

Será que Rial desconhecia o tamanho da encrenca em que estava se metendo, ou sua chegada foi apenas parte de uma estratégia para amenizar as consequências do estrago que adviriam com a divulgação do tsunami?

Mão na cumbuca

Nos últimos 50 anos já treinei executivos em número suficiente para saber que eles não metem a mão na cumbuca antes de terem ideia do que vão encontrar. Sabem que, ao aceitar esses desafios, colocam em perigo o próprio patrimônio.

Tendo em vista essas considerações, é possível deduzir que estamos diante de um dilema. Nenhuma hipótese que não exija explicações mais pormenorizadas. Apesar de ele mesmo chamar a atenção de que não tinha obrigação legal de explicar.

Das duas uma

Ou ele foi negligente no estudo preliminar sobre a real situação da empresa, ou já estava inteirado dos problemas antes de assumir. Esta é a mais provável. Nesse caso, estaria indo para o sacrifício, emprestando seu nome, experiência e credibilidade para segurar a bronca do mercado.

Só o fato de a companhia contratar um expoente do mercado financeiro para a função, e não um profissional do ramo varejista, já pode ser um forte indício de que seu papel seria o de usar sua "palavra corporativista" para acalmar os bancos na tormenta. Tanto assim que, ao revelar o que sabia, pediu que todos tivessem paciência.

Carteiro ideal

Será? Para responder à essa indagação, basta uma reflexão: quem teria melhores condições de dar uma notícia assustadora como essa? O antecessor Miguel Gutierrez, ou Rial, muito bem acompanhado de André Covre? A resposta é tão óbvia que parece não haver dúvida sobre o acerto da sua presença.

Em ocasiões de gerenciamento de crise, não é suficiente apenas elaborar a mensagem correta, no momento oportuno, mas também optar pelo profissional ideal a ser escalado para fazer o comunicado. Em muitas situações, como essa, o peso do carteiro é tão ou mais relevante que a correspondência.

Águas ainda vão rolar

O episódio dessa semana está muito longe de ser o epílogo da história. Agora entram aqueles que atuam nos bastidores. São os advogados, os negociadores, os gestores de crise, as empresas de auditoria e consultoria, os assessores de imprensa. Todas as peças precisarão estar rigorosamente alinhadas para que o difícil momento seja superado. Tomara. São muitos empregos em risco.

É a hora de gastar com profissionais competentes. Por questão até de sobrevivência, não pode haver falhas. As Americanas podem tratar de pôr a mão no bolso e investir para que a delicada circunstância seja contornada. Bem, diante dos R$ 20 bi, qualquer valor agora poderá ser visto como simples pixuleco.

Superdicas da semana

  • As aparências enganam
  • É levantando o tapete que se descobre a sujeira escondida
  • Dependendo do contador, o resultado de dois mais dois pode ser diferente de quatro
  • A verdade pode não estar nas palavras, nem no papel, mas sim apenas na própria verdade

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "Como Falar Corretamente e sem Inibições", "Comunicação a distância", "Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo" e "Oratória para advogados", publicados pela Editora Saraiva. "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL