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Reinaldo Polito

OPINIÃO

Ciência mostra que bate-boca com lulistas ou bolsonaristas é perda de tempo

Dom Quixote e Sancho Pança  - Arquivo
Dom Quixote e Sancho Pança Imagem: Arquivo

Colunista do UOL

07/03/2023 04h00

Toda discussão se reduz a dar ao adversário a cor de um tolo ou a figura de um canalha.
Paul Valéry

Ao ouvir os últimos discursos de Lula e de Bolsonaro, temos a impressão de que a campanha ainda não terminou. Parece que continuam no palanque como se estivessem ainda em busca do voto dos eleitores. São críticas de lado a lado para mostrar os próprios méritos e desqualificar o oponente.

Se a briga está nesse nível agora, com o retorno em breve de Bolsonaro, aí é que teremos mais lenha nessa fogueira. Lembrando que os dois oponentes deverão entrar com todo empenho nas campanhas municipais que estão cada vez mais próximas.

Não vale a pena

E você, vai participar dessa contenda? O interesse pela política é saudável e até necessário. Afinal, tudo o que acontece na nossa vida tem relação direta ou indireta com as decisões políticas. Portanto, quem não se envolve pode estar deixando nas mãos de outros questões que influenciarão seu futuro.

Por outro lado, será que vale a pena ficar batendo boca sobre esse tema com amigos e familiares? Você já tentou convencer um petista ou um bolsonarista a mudar de opinião? Esse é um desafio praticamente impossível.

Audição seletiva

Ainda que um político seja apanhado em falcatruas, ou apareçam evidências sobradas de sua má conduta, seus seguidores irão sempre buscar algum tipo de explicação para o seu comportamento. Agirão como se fossem advogados de defesa, que identificam e ressaltam apenas qualidades em seus clientes.

Em situações como essas, a "audição seletiva" irá imperar de maneira ainda mais contundente. Quase sempre, aceitamos as informações que nos interessam e favorecem as nossas causas, e rechaçamos aquelas que entendemos ser contrárias aos nossos desejos.

Pesquisa

Uma pesquisa realizada com 152 alunos da Universidade Estadual de Ohio apresentou conclusão bastante curiosa. Nesse estudo, que teve como título "Mecanismos de retenção da imagem sob forma de percepção, memória e distorção seletiva", Hans Sebald comprova a existência da "audição seletiva".

Os alunos assistiram aos debates realizados em 1960 entre os candidatos à Presidência dos Estados Unidos, Jonh Kennedy e Richard Nixon. O objetivo era descobrir o que eles pensavam dos candidatos antes e depois dos debates.

Não mudaram

Os pesquisados deixaram clara a existência de uma percepção e memórias seletivas. Demonstraram também uma distorção seletiva. Isto é, os alunos ouviram o que desejavam, com base em suas opiniões e condutas anteriores. Os argumentos utilizados por um ou outro candidato não alteraram a maneira de pensar de cada um.

Portanto, discutir política ou futebol imaginando que terá chances de alterar a maneira de pensar do outro poderá ser apenas perda de tempo. Sem contar, como tem acontecido ultimamente com frequência, que esses embates acabam por criar desavenças até insuperáveis.

Cérebro e crença

Outro estudo que ajuda a explicar esse fenômeno foi apresentado no livro "Cérebro e Crença", de Michael Shermer. Diz o autor:

Uma vez formadas as crenças, o cérebro começa a procurar e encontra evidências que as confirmem, o que aumenta a confiança emocional e acelera o processo de reforço dessas crenças.

Para o autor, até os cientistas, que deveriam sustentar suas teses apenas nos métodos científicos, como também são seres humanos, estão sujeitos aos caprichos da emoção e à influência dos desvios cognitivos quando moldam e reforçam suas crenças.

Contra moinhos

É comum ouvirmos comentários indignados a respeito de posições políticas de determinada pessoa: como pode alguém tão inteligente e bem-preparado não enxergar os erros evidentes no político ou no partido que defende?!

Não adianta. Salvo uma ou outra exceção que serve até para confirmar a regra, depois de a pessoa ser tomada por uma crença, a tendência é que continue com ela, tentando defendê-la por todos os meios de que dispuser.

Assim sendo, vale a pena refletir bem antes de empunhar a lança e sair por aí destruindo moinhos. Há lutas, como as travadas com aqueles que nos são caros, que acabam por transformar vitórias em verdadeiras derrotas.

Superdicas da semana

  • Há lutas que não valem a pena ser lutadas
  • Há vitórias que terminam com sabor de derrota
  • Não se convence quem está disposto a não ser convencido
  • A linha que separa o argumento da ofensa nem sempre é clara

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "Como Falar Corretamente e sem Inibições", "Saiba dizer não", "Comunicação a distância", "Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo" e "Oratória para advogados", publicados pela Editora Saraiva. "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.