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Reinaldo Polito

OPINIÃO

As mulheres mudaram, e eu tento, como posso, acompanhar essa mudança

Senadora Tereza Cristina  - Ian Cheibub/Folhapress
Senadora Tereza Cristina Imagem: Ian Cheibub/Folhapress

14/03/2023 04h00

Tudo está em mudar.
Colette

Tenho mãe com 94 anos de idade, com quem sempre morei. Tenho esposa. Tenho quatro filhos. Três filhas e um filho. Tenho quatro netas. Alguém duvida de que são as pessoas que mais amo na vida? Faço esse preâmbulo para dizer que mesmo não tendo lugar de fala para me referir às mulheres, sou das pessoas mais interessadas em seu bem-estar.

Uma das minhas filhas, Rachel, é minha parceira de trabalho. Estamos juntos profissionalmente há mais de 25 anos. Tenho vídeo dela, com apenas dez aninhos, fazendo discursos em sala de aula. Sabia que essa competência seria importante em sua vida.

Além dos cursos que ministramos, escrevemos cinco obras em coautoria. Entre os nove livros que ela publicou, há um especial para as mulheres: "Mais que mulher maravilha, mulher real".

A cabeça era outra

Graças a essa obra, Rachel coordena uma série de livros na Editora Saraiva voltada para mulheres: "Mulheres fora de série". São escritos por mulheres que são referência em suas especialidades, dirigidos às mulheres. Com essa parceria que desenvolvemos ao longo dessas décadas, não é difícil deduzir que acompanhei todos os seus passos nesse empreendimento literário.

Hoje, quando leio o que escrevi sobre as mulheres nos meus primeiros livros publicados há cerca de 40 anos e comparo com a minha maneira de pensar nos dias atuais, noto uma diferença espantosa. E fico feliz por ter tido a lucidez de perceber as transformações que ocorreram ao longo desse tempo.

O mundo era outro

O mundo era outro. Só para dar ideia da realidade em que vivi há quatro décadas, quando iniciei a minha carreira como professor de oratória, basta dizer que as mulheres perfaziam apenas 5% dos meus alunos. Não era tão comum que frequentassem um curso para aprender a falar em público.

Eu desejava que elas participassem mais. Como não procuravam a escola espontaneamente, várias vezes liguei para aquelas que se destacavam em matérias na imprensa, como na revista Exame, por exemplo, e as convidava para que se inscrevessem gratuitamente nas aulas. Consegui assim, com esse "artifício" aumentar um pouco o percentual. Hoje, chegam a ser maioria entre os meus alunos.

E as oradoras?

Um fato curioso é que os comentários sobre as mulheres, quando o assunto era comunicação, quase sempre giravam em torno delas como ouvintes, não como oradoras. As orientações dadas eram sobre como o orador deveria se comportar diante de plateias femininas, e não a respeito da maneira como elas deveriam se expressar em público.

Quando se fala em mudanças e na evolução da mulher em sua participação no desenvolvimento da oratória, poucos têm noção do que acontecia há não muito tempo. Só como exemplo, vale a pena citar a conferência proferida por um dos mais admirados intelectuais da nossa história, Aloysio de Castro.

Seria trucidado

Membro titular da Academia Brasileira de Letras. Fruto de uma cultura machista, suas palavras eram ouvidas sem resistências. Em 1953, ele falou sobre o tema "A loquacidade feminina" para um público só de mulheres. Se alguém fizesse hoje as brincadeiras que Aloysio fez naquela oportunidade, seria trucidado.

As conferências

É inimaginável que alguém pudesse falar o que ele falou para um público feminino e ser ovacionado como foi. Fez citações, por exemplo, de frases do Padre Manoel Bernardes, considerado ao lado de Vieira um dos mais brilhantes pregadores da história. Veja o tipo de humor do conferencista:

Quanto tempo será necessário para uma mulher aprender a calar-se? Pergunta o clássico Manoel Bernardes. Ei-lo que logo responde categórico: todo o tempo que for necessário para não ser mulher.

Mesmo entendendo que eram outros tempos, se eu aqui distante fico chateado, imagino, então, como as mulheres devem se sentir ao ler essas palavras! E não parou por aí. Lembrando sempre que a plateia era exclusivamente feminina, ele vai além da faixa amarela com aquele comentário sarcástico que hoje seria considerado inoportuno e ofensivo:

Mas também há exemplo de divórcio por continuado silêncio do marido, como se diz de caso ocorrido na Inglaterra, em que o esposo, por cinco anos consecutivos, nem por uma vez dirigiu a palavra à consorte. Não lhe faltou boa razão perante o Tribunal: Podeis crer-me, meritíssimo juiz, nunca tive coragem de interrompê-la.

Lugar de mulher

Quando vemos as mulheres ocupando as tribunas, falando com eloquência, debatendo ideias, persuadindo multidões, constatamos como foram capazes de vencer desafios, preconceitos e menosprezo. Ocuparam seus espaços. E como diz uma destacada aluna que se dedica às causas femininas, Gabriela Mansur: "Lugar de mulher é onde ela quiser!".

O pensador russo Bakhtin afirma:

A palavra constitui o meio no qual se produzem lentas acumulações quantitativas de mudanças que ainda não tiveram tempo de adquirir uma nova qualidade ideológica [...] A palavra é capaz de registrar as fases transitórias mais íntimas, mais efêmeras das mudanças sociais.

Como produto dessa cultura, eu continuo meu caminho. Sei que melhorei e evoluí, mas também tenho consciência de que ainda preciso buscar muito esse aperfeiçoamento. De vez em quando, ao fazer determinado comentário, sou repreendido por uma das minhas filhas:

Papai, cuidado com o que está dizendo. Alguém poderá interpretar preconceito e machismo em suas palavras.

Assim, ainda errando, mas com a vontade de aprender sempre, até com a ajuda delas, vou retirando um pouco daquela casca equivocada que se formou durante a minha longa existência. Não é fácil. Chegarei lá.

Superdicas da semana

  • Precisamos ter cautela ao julgar o que foi dito em contexto cultural diverso
  • O humor também depende de época e de circunstância
  • O tempo, a experiência e os exemplos moldam o comportamento
  • A imposição exacerbada de ideias, ainda que justas, pode provocar ressentimentos

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "Como Falar Corretamente e sem Inibições", "Saiba dizer não", "Comunicação a distância", "Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo" e "Oratória para advogados", publicados pela Editora Saraiva. "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.