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Alexandre Pellaes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Um RH covarde não serve para nada

AndreyPopov/Getty Images/iStockphoto
Imagem: AndreyPopov/Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

19/08/2022 04h00

Qual é sua visão sobre a área de Recursos Humanos, o famoso RH?

Não é uma pergunta retórica, não. Eu realmente gostaria de saber como você vê a ação dessa área, a partir de dois aspectos:

1. O impacto que o RH tem sobre a sua carreira: ou seja, se você reconhece efeitos positivos ou negativos da ação da área no seu dia a dia;

2. A tendência geral de mercado sobre o papel do RH: isto é, se você identifica uma mudança na importância do RH no mundo do trabalho, ou se tá tudo meio na mesma...

Antes de responder, faça uma pausa breve e pense: "O RH da minha empresa serve para quê?". Liste aí (escreva mesmo!) as atividades e interações que você consegue lembrar que estão conectadas com o seu RH. Em seguida, faça um exercício de projeção, pensando: "O que eu acho que o RH deveria fazer a partir do que eu vejo no mercado." - e anote os itens que vieram à sua cabeça.

Agora, analise a composição da sua lista. O que é que tem aí? Muito provavelmente, haverá questões sobre benefícios, salário, cumprimento de obrigações legais, oportunidades de desenvolvimento, plano de carreira, ações de qualidade de vida, treinamento, reconhecimento etc. Ou seja, a lista tende a olhar mais para o que o RH "deveria" fazer por e para você, mas ignora o papel mais amplo do impacto dessa área sobre a organização.

Ainda que profissionais com responsabilidade de liderança possam ter uma visão um pouco mais ampla, a maioria das pessoas veem o RH assim mesmo. No entanto, esse é um reducionismo do papel do RH, e, para entendermos o potencial dessa área, vamos compreender como foi o seu desenvolvimento histórico e quais são seus principais subsistemas, de maneira simplificada:

1890-1920

A estrutura da área de Recursos Humanos começou a se desenhar láaaa no final do século XIX, com o nome Relações Industriais, cujo foco exclusivo era garantir que havia pessoas o suficiente para fazer a grande máquina industrial rodar. Contratar e demitir eram as atividades principais. Mas não pense que era qualquer coisa parecida com hoje, com currículos e processo seletivo. Era mais um catadão de gente disponível.

A partir de 1911, as discussões sobre o papel dos trabalhadores e das condições de trabalho ganhou mais relevância, com a propagação do conceito da administração científica, que defendia a racionalização do trabalho, visando a eficiência e maximização da produção, com contrapartidas ajustadas para as pessoas. Assim, houve redução de jornada e aumento de salários - mas as pessoas eram consideradas peças substituíveis de uma grande engrenagem. Nessa época, podemos enxergar o RH com características mais marcantes de Departamento Pessoal, como controle, documentação, registros e relações institucionais.

1920-1950

Durante esse período, marcado por inovações e ajustes nas práticas produtivas, surgiram diversas frentes de discussão e reivindicações sobre as condições de trabalho. Estudos sobre o papel da motivação e da qualidade da relação entre funcionários e empresas ganham destaque, gradativamente; as organizações começam a enxergar as pessoas como elemento humano - e, então, a área que antes exclusivamente se colocava como Departamento Pessoal, passa a englobar o conceito de Recursos Humanos, trazendo novos processos e críticas sobre a análise de condições de trabalho e perfil dos trabalhadores(as).

1960-1990

Aqui, acontece a conscientização da importância do papel dos indivíduos e de sua singularidade dentro do mundo organizacional e a impossibilidade de alcançar sucesso sustentável sem cuidar, desenvolver e melhorar a qualidade das relações profissionais. Ou seja, as empresas reconhecem que precisam enxergar as pessoas como pessoas e não como peças...

A psicologia organizacional e a administração de negócios se cruzam no desenvolvimento de iniciativas de treinamento, formalização de processos, busca por melhores condições de saúde, desenho de planos estruturados de carreira, revisão de pacotes salariais e reforço do vínculo entre empresa-empregado.

Ainda há concentração de escolhas de desenvolvimento para trazer mais resultado (e dá-lhe curso técnico na firma rsrs), mas o RH agora ganha um forte papel de Gestão de Recursos Humanos.

1990-2010

A área de gestão de pessoas torna-se mais complexa a partir do reconhecimento de práticas, estudos e informações sobre performance, engajamento e resultados, influenciados pela cultura organizacional, ou seja, pela qualidade da relação entre a organização e as pessoas, diante das possibilidades, permissões, incentivos e restrições que caracterizam a relação comercial do emprego.

Globalização, tecnologia e acesso à informação transformam completamente a necessidade de ações e planejamento na gestão de pessoas. O RH se torna um dos pilares estratégicos das organizações mais estruturadas e deixa de ser um departamento exclusivamente de prestação de serviços para outras áreas, passando a atender a organização como um todo.

Ganha popularidade a visão de Gestão Estratégica de RH, com discussões mais amplas sobre o impacto das práticas organizacionais para a performance das pessoas e sobre a relevância do perfil dos trabalhadores(as) para a composição dos resultados.

2010 em diante

Acentua-se uma mudança marcante no significado do trabalho na vida dos indivíduos. Historicamente, a ação que tinha foco financeiro e ferramental passa a ser reconhecida como construção de senso de identidade e de utilidade, agregando interpretações sobre propósito, felicidade e conexão - conceitos holísticos e complexos, impossíveis de serem administrados "na ponta do lápis", com base em controle.

O RH tenta se descolar da imagem de alocador de mão-de-obra, afastando a ideia de que pessoas são recursos. Novos nomes para a área de RH tornam-se populares, como: Gente e Gestão, Gestão de Pessoas, Gente e Cultura, Humanos e Valores etc. etc. etc.

A preocupação com o bem-estar dos trabalhadores e trabalhadoras torna-se uma prioridade e a busca por influenciar o modelo de gestão, padrões de liderança e estruturas de poder surge como uma oportunidade (e uma necessidade urgente) para o RH. A estrutura da área se torna complexa e engloba diversos subsistemas e atividades como atração, recrutamento, seleção, cargos e salários, benefícios, departamento pessoal, onboarding, treinamento e desenvolvimento, avaliação de performance, planejamento de carreira e sucessão, employer branding, cultura organizacional, comunicação interna, offboarding etc.

No entanto, apesar da evolução da atuação e da responsabilidade do RH ao longo do tempo, ainda hoje, sigo escutando reclamações repetidas sobre a falta de pulso firme e de coragem do RH.

Na última semana, recebi uma mensagem em tom de desabafo de uma leitora que compartilhou sua frustração ao denunciar com provas um episódio de assédio moral que vivera na empresa que trabalhava. "O RH não fez nada. Eu fiquei doente. Pedi demissão pra cuidar de mim e me sinto tonta por ter confiado na área. Um RH covarde não serve pra nada..." - desabafou.

Infelizmente, esse caso me lembrou de pelo menos três outras situações em que eu presenciei situações parecidas dentro de grandes organizações em que o RH tinha informações para tomada de decisões difíceis, mas optou pelo silêncio.

Por isso, resolvi escrever esse artigo para ressaltar meu compromisso com o RH para ajudar a mudar essa visão. Parem de se preocupar com nomes diferentes ou engraçadinhos para a área e foquem no que importa: a ação com real possibilidade de impacto positivo sobre as pessoas e a cultura. Mantenha a sigla RH e entenda que não é sobre Recursos Humanos, mas sim sobre Relações Humanas.

O RH não pode confundir respeito com omissão. Respeito à estrutura e à hierarquia não podem se converter em submissão.

Não se pode mudar tudo. Mas isso não quer dizer que não se possa mudar nada.

Todo(a) profissional de RH deve, nesse momento da história da área se questionar se está realmente sendo íntegro com sua intenção central. O RH vive seu momento de maior relevância na história da gestão, mas precisa compreender que está na vitrine e que tá todo mundo olhando e pensando:

"O que você faz fala tão alto, que eu não consigo escutar uma palavra do que você diz", frase do autor americano Ralph Waldo Emerson.

Falemos menos. Façamos mais. O RH tem uma decisão a tomar. Ser protagonista ou perder o bonde da mudança.

E, então, qual é a sua visão sobre o RH?

E, você, profissional de RH o que acha que atrapalha sua ação com mais intensidade?

Deixe seus comentários aqui no texto ou interaja comigo lá no instagram @pellaes.

Um abraço, boa semana e muito bom trabalho.

Lugares Incríveis para Trabalhar

O Prêmio Lugares Incríveis Para Trabalhar é uma iniciativa do UOL e da FIA para reconhecer as empresas que têm as melhores práticas em gestão de pessoas. Os vencedores são definidos a partir dos resultados da pesquisa FIA Employee Experience (FEEx), que mede a qualidade do ambiente de trabalho, a solidez da cultura organizacional, o estilo de atuação da liderança e a satisfação com os serviços de RH. A pesquisa já está na fase de coleta de dados das empresas inscritas e as empresas vencedoras devem ser anunciadas em setembro.