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Alexandre Pellaes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Qual o papel da empresa no seu desenvolvimento?

LuckyBusiness/iStock
Imagem: LuckyBusiness/iStock

Colunista do UOL

11/08/2022 04h00

Uma das competências apontadas como essenciais para o sucesso no futuro do trabalho se chama aprendizagem intencional.

Ela representa a consciência da necessidade de buscar e de absorver aprendizados, de múltiplas formas, em diversas interações, e a partir de distintos cenários, que ultrapassam o treinamento oferecido pelas empresas.

Dessa forma, aprendizagem intencional é uma competência individual e não organizacional, que está conectada ao nosso empenho por conquistar mais autonomia e experimentar menos dependência dentro do mundo do trabalho.

Há, portanto, um desvio da força de definição de assuntos e iniciativas de aprendizado, os quais vinham sempre "das empresas para as pessoas", passando a haver uma redefinição de papéis, quando o interesse por determinado conhecimento é apresentado no sentido "das pessoas para as empresas".

Nossa simpatia por determinado tema pode surgir e se desenvolver de diversas maneiras: podemos ler um texto em um blog, sentir a provocação em um post de Instagram, ver uma notícia recortada no TikTok, ter uma aula completa no YouTube e por aí vai...

No entanto, isso não quer dizer que agora o compromisso de desenvolvimento é apenas das pessoas ou que as empresas não fazem parte do sistema que estimula e facilita a aprendizagem intencional. Afinal, no mundo do trabalho organizado, tem que existir uma responsabilidade compartilhada entre organizações e indivíduos para potencializar o desenvolvimento humano.

Compreender essa corresponsabilidade nos dias atuais é algo de extrema importância, já que, historicamente, os indivíduos adultos - marcadamente, após os 35 ou 40 anos de idade - só aprendiam o que as empresas indicavam ser necessário para avançar (ou sobreviver) na carreira.

Ou seja, a sociedade se desenhou de maneira tão centrada em torno do trabalho e dos postos de emprego, que a decisão das pessoas sobre aprender algo novo em suas vidas dependia de uma necessidade organizacional e não de um interesse genuíno, curiosidade, expansão de si ou autoconhecimento.

Assim, o estímulo para aprendizagem esteve mais conectado com o preenchimento de caixinhas predefinidas para o próximo cargo em que as pessoas estavam de olho. Era uma estratégia segura, para um mundo linear e previsível... que ficou no passado.

Hoje, em um mundo de mudanças aceleradas, inovação e redesenho das relações sociais e de trabalho, as empresas não conseguem prever e definir de maneira estruturada todos os elementos de conhecimento técnico e competências comportamentais que uma pessoa precisa ter para experimentar uma jornada de sucesso.

Aliás, nem conseguiam antigamente. A terceirização exagerada do nosso desenvolvimento dentro do mundo organizacional para as empresas empregadoras fez um monte de gente ser pega de surpresa quando houve globalização, abertura de mercados e transformação digital, nas últimas duas décadas. A empresa não as preparou e, quando identificou a necessidade de conhecimentos diferentes do que as pessoas possuíam, rolou um "beijinho, beijinho e tchau, tchau" - as pessoas foram demitidas.

Considere a diferença entre o pensamento do passado ("preciso aprender inglês para virar gerente") e um pensamento de maior valor agregado ("quero aprender inglês para ter acesso a mais conhecimento, aprender culturas e ideias diferentes"). O segundo te torna, potencialmente, uma pessoa mais interessante para se tornar gerente ;^).

Ou ainda, "ai, que saco ter que fazer esse curso da empresa" versus "eu posso usar a minha relação com a empresa para potencializar múltiplos aprendizados adicionais". É preciso virar essa chave.

Nesse contexto, a frase do escritor e futurista Alvin Toffler faz um sentido tremendo para a realidade que encaramos atualmente:

"O analfabeto do século 21 não será aquele que não consegue ler e escrever, mas aquele que não consegue aprender, desaprender e reaprender."

Isto é, há que questionar o que você considera que sabe e buscar novas maneiras de aprender.

Ao mesmo tempo, as organizações devem revisitar suas práticas e seus valores (financeiros e éticos) de treinamento e desenvolvimento (T&D), evitando que haja diminuição de ofertas, estímulos e investimentos totais (em horas de conteúdo e ações de desenvolvimento).

Essa redução seria uma grande armadilha, pois há um descasamento de ritmo entre a conscientização das pessoas sobre a necessidade de desenvolvimento autoprovocado e sua ação efetiva para buscar o aprendizado.

O que quero dizer é que as empresas devem manter o incentivo e o estímulo por meio de treinamentos pré-definidos pela organização, e complementar sua estratégia permitindo que as pessoas tragam demandas e solicitações adicionais de aprendizagem, aceitando alternativas menos tradicionais e conceitos inovadores.

Para ajudar esse movimento, nos vale reconhecer que a pandemia acelerou muito a adoção de plataformas e formatos de interação online, permitindo maior alcance potencial das ações de T&D, o que pode nos trazer possibilidades interessantes para a parceria empresa-indivíduo na definição da carteira de aprendizagem.

Segundo o estudo Panorama do Treinamento no Brasil, (em sua 16ª edição em 2022), realizado pela Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento (ABTD) e parceiros, no ano de 2019, o formato principal de treinamentos oferecidos pelas empresas no Brasil era presencial, representando 70% do total. Os 30% restantes eram realizados por ensino à distância (EAD) e/ou online. Já nos dados relativos à 2022, ocorreu a inversão desse mix: agora, 69% das atividades acontecem como EAD/online e 31% são iniciativas presenciais.

O levantamento também aponta que houve uma redução de aproximadamente 25% no valor investido por pessoa em T&D, por ano - o que pode ser indicação da economia com a troca do modelo presencial pelo online, mas que demanda um olhar mais cuidadoso, para entender as nuances desse movimento, uma vez que, quando comparamos a média de investimento por pessoa entre Brasil e Estados Unidos, por exemplo, notamos uma grande disparidade. No Brasil, o valor investido por funcionário, por ano, é R$ 758, enquanto, nos EUA, o valor é US$ 1.267. Nem me atrevi a converter as moedas, pra não aumentar o choque rsrs. (Tem espaço pra melhorar aí, hein?).

Portanto, empresas, líderes, RHs e áreas de T&D, mãos à obra para rever os planos de desenvolvimento de pessoas - em forma, conteúdo e volume. Há novas ferramentas, novas maneiras de desenvolver materiais exclusivos, novos fornecedores com linguagem ajustada à realidade atual e com mais flexibilidade.

E qual é a sua parte?

Agora, com relação à participação dos trabalhadores e trabalhadoras, também cabe um puxão de orelha... Você aí, que está lendo, tem que fazer a sua parte. Afinal, segundo o levantamento mencionado, a taxa de absenteísmo nas ofertas de T&D gira em torno de 16%. Ou seja, a empresa oferece o curso, mas a galera não faz o treinamento - e olha que nem tentaram mensurar o percentual de quem "faz de conta" que fez o curso...

Historicamente, nós correlacionamos o aprendizado com a escola e com a formação para um determinado ofício. Uma etapa com começo e fim. Considerávamos que, em um momento de nossas vidas, estaríamos "formados", prontos para performar sem ter que aprender mais nada. Bobagem. Agora falamos em lifelong learning (aprendizado por toda a vida, em tradução livre) e temos que reforçar nosso compromisso e nossa intenção real, com disciplina e constância.

Muitas vezes, as pessoas demandam (e até exigem) uma oportunidade para aprender, mas não a aproveitam. Para sua inquietação, encerro o nosso papo com um dado estarrecedor: de acordo com o estudo mais clássico sobre completude de cursos online, apenas cerca de 12% das pessoas que se matriculam em um curso efetivamente terminam as aulas.

Somente 12%, gente... Podemos fazer melhor, né?

Qual é sua percepção sobre treinamento e desenvolvimento no mundo do trabalho? Você acredita que as empresas estão interessadas em ajudar as pessoas a se desenvolverem para esse mundo complexo? E as pessoas? São comprometidas nessa construção conjunta?

Deixe seus comentários, conte seu "causo" e deixe suas inquietudes e reflexões aqui nos comentários - ou me escreva em @pellaes, no Instagram.

Um abraço, boa semana e muito bom trabalho.

Lugares Incríveis para Trabalhar

O Prêmio Lugares Incríveis Para Trabalhar é uma iniciativa do UOL e da FIA para reconhecer as empresas que têm as melhores práticas em gestão de pessoas. Os vencedores são definidos a partir dos resultados da pesquisa FIA Employee Experience (FEEx), que mede a qualidade do ambiente de trabalho, a solidez da cultura organizacional, o estilo de atuação da liderança e a satisfação com os serviços de RH. A pesquisa já está na fase de coleta de dados das empresas inscritas e as empresas vencedoras devem ser anunciadas em agosto.