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O "Uber" da cidade de Araraquara e o renascimento das cooperativas
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Desde o começo do ano, quem vive em Araraquara conta com mais um aplicativo à la Uber para se locomover pela cidade. Criado a partir de um programa da prefeitura de estímulo ao cooperativismo, o Bibi Mob repassa a cerca de 200 motoristas 95% do valor das corridas - parcela bem superior à transferida pelas plataformas líderes de mercado.
Até agora, a experiência da cidade do interior paulista é o exemplo mais ambicioso em solo brasileiro do chamado "cooperativismo de plataforma". Para quem nunca ouviu falar, esse conceito concilia as bases clássicas do cooperativismo - horizontalidade, autogestão e coletivismo - com as novidades das tecnologias digitais.
Nascido no grupo de pesquisa liderado por Trebor Scholz, professor na New School de Nova Iorque, o cooperativismo de plataforma pulou os muros da academia e se transformou em um movimento organizado em escala global. Em novembro, o Rio de Janeiro vai sediar um congresso mundial sobre o tema. E, por toda parte, brotam iniciativas parecidas com a da prefeitura de Araraquara para fazer frente ao poder das big techs.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a Up and Go oferece serviços de limpeza em sistema de cooperativa. Ou seja, os trabalhadores também são donos da empresa. Para cada dólar pago por uma faxina, cinco centavos são direcionados para a manutenção da plataforma. O restante entra no bolso de quem coloca a mão na massa de fato.
Na Europa, a CoopCycle - uma espécie de federação de ciclistas que trabalham fazendo entregas na Alemanha, na França e na Espanha - desenvolveu um código de aplicativo por conta própria. Com o mesmo app, o usuário pode acionar um courier em qualquer um desses três países. A ideia é bater de frente com os apps de delivery que abocanham um bom naco da renda do entregador.
Não basta regulamentar
Nos primeiros anos do capitalismo de plataforma, nascido na esteira da crise financeira de 2008, o clima era de verdadeira euforia. Fundos de investimento de risco torravam bilhões em empresas promissoras como a Uber para subsidiar serviços e oferecer o melhor dos mundos: consumidores pagando barato e trabalhadores ganhando relativamente bem.
Só que o tempo passou e a conta chegou - principalmente para as pessoas que ganham a vida por meio de aplicativos. Hoje há um consenso de que é preciso criar leis para garantir direitos mínimos a motoristas, entregadores e outros profissionais.
"Mas não adianta pensar apenas em regulamentação. É preciso construir alternativas", afirma Rafael Grohmann, professor da pós-graduação da Unisinos e coordenador do Observatório do Cooperativismo de Plataforma do Brasil.
Na avaliação de Grohmann, a pandemia foi decisiva para o reaquecimento do cooperativismo no país - agora, em bases digitais. Se, por um lado, o coronavírus impulsionou o mercado de trabalho informal das plataformas e escancarou a precarização, por outro, ele também encorajou pessoas a se organizarem de forma autônoma.
"No Brasil, têm aparecido vários coletivos de entregadores com uma perspectiva de gênero definida - são coletivos em que trabalham mulheres e pessoas LGBTQIA+", exemplifica o professor. Um dos mais consolidados é o Señoritas Courier, que atua na cidade de São Paulo apenas com bicicletas.
Desafios
Criar uma plataforma capaz de prover serviços eficientes e de larga escala demanda não só dinheiro, mas programadores e marqueteiros de ponta - algo ainda restrito a um seleto grupo de companhias bilionárias que drenam o grosso do dinheiro dos investidores.
Porém, com o passar dos anos, a tecnologia vai se transformando em uma espécie de "commodity". Uma década atrás, imaginar um grupo de motoristas com um aplicativo próprio - funcionando bem, claro! - era uma possibilidade para lá de remota. Mas o que será possível fazer daqui a uma década?
Uma medida importante para acelerar esse processo é estabelecer parcerias com o poder público, como acontece em Araraquara. Com o respaldo de autoridades locais, é mais fácil atrair usuários e garantir sustentabilidade financeira para plataformas concebidas para operar em bases mais justas.
Ainda vai levar um tempo para que as cooperativas consigam bater de frente com os principais aplicativos do mercado e se consolidem como uma alternativa ao modelo consagrado pelas big techs. Mas este é um movimento que está apenas engatinhando - e que tem demanda de milhões de trabalhadores para ganhar corpo.
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