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Carlos Juliano Barros

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Airbnb e Freshii reforçam tendência de fim de vagas típicas da classe média

10/05/2022 04h00

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Na última semana de abril, dois acontecimentos aparentemente desconectados forneceram pistas importantes sobre como o trabalho tende a ser impactado pela tecnologia digital no mundo pós-pandemia.

No dia 28, um comunicado assinado pelo CEO do Airbnb, Brian Chesky, avisou aos empregados da empresa que a maior parte deles vai poder morar e trabalhar onde bem entender. Só uma pequena parcela, com responsabilidades bastante específicas, vai precisar bater ponto nos escritórios da big tech.

Dois dias antes, uma reportagem do Toronto Star, um dos principais jornais do Canadá, revelou que a Freshii —uma popular rede de fast food local— estava recrutando pessoas na Nicarágua para atuar remotamente no atendimento dos caixas de seus restaurantes.

O "programa de otimização do trabalho", na definição da companhia, gerou a revolta de consumidores. Isso porque os funcionários conectados a partir da Nicarágua ganham apenas US$ 3,75 por hora - valor quatro vezes inferior ao salário mínimo do Canadá.

Polarização

Os casos do Airbnb e da Freshii são mais um indício de uma preocupante tendência que pode ganhar cada vez mais musculatura com a digitalização da economia mundo afora: a polarização do mercado de trabalho.

Esse é um conceito já desenvolvido em outras oportunidades nesta coluna e difundido por um artigo seminal assinado pelo economista David Autor, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, na sigla em inglês), nos Estados Unidos.

Observando o comportamento do mercado de trabalho norte-americano ao longo de décadas, o autor chegou à conclusão de que os típicos postos de classe média minguaram. Restaram, em um polo, as ocupações de alta remuneração e alta qualificação e, em outro, as de baixa remuneração e baixa qualificação.

Traduzindo: enquanto uma pequena minoria de profissionais altamente gabaritados conquista empregos inovadores e recheados de benefícios, a grande maioria se vira nos 30 para arrumar trabalhos precarizados e sub-remunerados.

O exemplo do Airbnb é paradigmático de uma das pontas. Ter a opção de trabalhar de onde for, inclusive de outro país, é um privilégio com ares de conto de fadas. Não à toa, o CEO da empresa disse a seus funcionários que eles poderão até receber um aumento para enfim viver "no lugar com que sempre sonharam".

"Outsourcing"

No outro polo, como mostra o exemplo da Freshii, a digitalização tem tudo para impulsionar no setor de serviços o que em inglês se chama de "outsourcing": a terceirização de tarefas para outros países - algo que os call centers instalados na Índia, por exemplo, já fazem há alguns anos.

É um movimento semelhante ao que ocorreu com a indústria, quase meio século atrás. Fábricas foram fechadas na Europa e nos Estados Unidos e reabertas em países de mão de obra barata, principalmente no sudeste asiático.

Só que, ao contrário do que ocorreu há cinco décadas, uma parte considerável dos trabalhadores de países da periferia do sistema que encaram esses serviços online vão precisar oferecer algum diferencial para arrumar um emprego. Em outras palavras, já não basta apenas ser barato.

Pense nas habilidades exigidas de um profissional da Nicarágua contratado para atender clientes no Canadá: fluência no inglês e domínio de informática são pré-requisitos básicos. Sem falar, claro, na necessidade de uma banda larga eficiente.

Esse é o drama da polarização: cada vez mais pessoas vão penar para encontrar um emprego à altura de sua formação. Com o passar do tempo, o sarrafo da precarização vai ficando mais baixo e mesmo profissionais com boa qualificação vão encarando empregos muito aquém de suas potencialidades.

Sorte de quem conseguir entrar para o time da Airbnb - azar de toda a sociedade, que vai estrangulando sua classe média e concentrando renda.

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Tradutor: postos de classe média minguaram

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL