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Carlos Juliano Barros

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Emprecariado': o limite entre empreendedorismo e precarização está sumindo

O meme "Esconda a dor, Harold" virou símbolo do "emprecariado" - Reprodução: StockLite / Shutterstock
O meme "Esconda a dor, Harold" virou símbolo do "emprecariado" Imagem: Reprodução: StockLite / Shutterstock

24/01/2023 04h00

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Era para ser uma mera foto em um banco de imagens qualquer de um homem segurando uma caneca de café, de frente para o notebook.

No entanto, quis o capitalismo digital que o despretensioso retrato se transformasse não apenas em um meme, mas em uma poderosa denúncia nas redes sociais.

O sorriso amarelo contido em "Esconda a dor, Harold" é a síntese perfeita de uma ampla categoria de trabalhadores que se equilibra entre as promessas do empreendedorismo e os fantasmas da precarização para conquistar um lugar ao sol na chamada indústria criativa.

Além disso, funciona como uma espécie de resumo visual da tese desenvolvida ao longo das 283 páginas de "Emprecariado: Todo mundo é empreendedor. Ninguém está a salvo", do artista italiano e professor universitário Silvio Lorusso.

Com previsão de lançamento para o mês que vem, a obra está em pré-venda no Brasil pelo site da novata e instigante editora Clube do Livro do Design.

O emprecariado é a parte (não tão) glamurosa do precariado

Para começo de conversa, é preciso delimitar o objeto da análise de Lorusso.

Não estamos falando da base da pirâmide do setor de serviços sujeita a trabalhos maçantes, desprestigiados e mal-remunerados, como motoristas de aplicativo ou atendentes de restaurantes fast-food.

Grosso modo, esses fazem parte daquilo que o economista britânico Guy Standing batizou de "precariado" — um conjunto pouco coeso e bastante diverso que explodiu nas últimas quatro décadas com a globalização da economia e a desintegração da classe operária.

Para um brasileiro, o precariado está longe de ser uma novidade: desde sempre, ele compõe a paisagem do nosso mercado de trabalho, marcado pela baixa produtividade e pelas altas taxas de informalidade.

Já o emprecariado tem características próprias. Seu universo é o dos frilas, dos "jobs", e sua fauna é em grande parte composta por pessoas graduadas em áreas como comunicação ou arquitetura, reféns da dinâmica narcisista de autopromoção nas redes sociais.

Em geral, o emprecariado até vê com bons olhos a sedutora liberdade de trabalhar a hora que quiser, de onde bem entender — inclusive, da própria cama. Mas também se ressente da falta de estabilidade, de reconhecimento e, claro, de remuneração justa.

Não por coincidência, Lorusso tem como uma de suas principais referências o conceito de "classe aspiracional", cunhado por seu conterrâneo Raffaele Alberto Ventura. Isso quer dizer que o emprecariado é ensinado a "pensar como os ricos e a viver como os pobres", em meio a uma "luta fratricida" por oportunidades.

O emprecariado tem futuro com ferramentas como o ChatGPT?

É uma coincidência, mas não chega a ser uma surpresa, que o livro de Lorusso seja publicado no Brasil no mesmo momento em que o noticiário é inundado por reportagens sobre o ChatGPT.

A ferramenta de inteligência artificial, capaz de redigir em segundos qualquer tipo de texto, de e-mails corporativos a ensaios sobre literatura, jogou gasolina na fogueira do debate sobre o futuro das ditas profissões criativas.

Como já discutido nesta coluna, inovações desse tipo costumam provocar dois tipos de reações apressadas.

De um lado, há os pessimistas preocupados com a iminente extinção de empregos — no caso específico do ChatGPT, os jornalistas certamente puxariam a fila. De outro, estão os "tecnoutopistas", entusiasmados com o poder emancipador das tecnologias digitais.

O livro de Lorusso não arrisca um palpite sobre o impacto dessas inovações no mercado de trabalho. Porém, oferece o repertório necessário para compreender a leitura que vem se consolidando sobre os efeitos de ferramentas como o ChatGPT, segundo os mantras do que ele prefere chamar de "empreendedorialismo".

A palavra de ordem é: "Acalmem-se! Os empregos não vão sumir e os profissionais que souberem explorar os recursos proporcionados pela inteligência artificial vão largar na frente e construir um diferencial".

Entretanto, é cada vez mais evidente a fratura no discurso que promete a emancipação financeira e a realização profissional a partir da fé inabalável na tecnologia. Indo direto ao ponto: a precarização na indústria criativa é uma realidade em expansão no mundo inteiro.

Personagens como Harold, do meme mencionado na abertura, podem até não sumir do mapa. Mas a expressão facial desses trabalhadores corre sérios riscos, sim, de ficar ainda menos calorosa.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL