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Carlos Juliano Barros

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Precisamos falar sobre os juros' tem de virar trending topic urgentemente

Baixar juros só será possível com mobilização da sociedade  - Getty Images/iStockphoto
Baixar juros só será possível com mobilização da sociedade Imagem: Getty Images/iStockphoto

14/02/2023 04h00

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Você já deve ter reparado que a maior parte das fontes citadas pelo noticiário econômico vem do mercado financeiro.

São economistas-chefes de bancos, analistas de consultorias, gestores de fundos de investimento -- porta-vozes do que alguns, ironicamente, chamam de "Faria Lima".

Dominando as manchetes e formando a opinião pública há décadas, essa turma conseguiu uma façanha e tanto: interditar o debate sobre as escorchantes taxas de juros praticadas no país.

É o que se tem visto, mais uma vez, nas reações à cobrança de Lula para que o Banco Central corte a Selic, a taxa básica de juros da economia.

Remédio amargo ou veneno?

Sim, o presidente até poderia baixar o tom e evitar ruídos que só servem para colocar lenha na fogueira, num momento em que o governo ainda patina para conquistar a confiança de amplos setores da sociedade.

Porém, já passou da hora também de colocar em xeque o argumento padrão do mercado financeiro. Aconteça o que acontecer, somos acuados o tempo todo pela ameaça de que as contas públicas estão à beira de um colapso e de que a inflação vai disparar.

Portanto, na iminência do apocalipse, não resta alternativa a não ser apelar ao remédio amargo dos juros estratosféricos — muito acima das taxas praticadas em outros países.

O problema é que, como diz o clichê, a dose do remédio tem sido tão alta que claramente se transformou em veneno para a economia brasileira, que cresce a taxas raquíticas desde o Plano Real, com um ou outro breve período de exceção.

Afinal, por que um investidor gastaria seu dinheiro em um negócio, assumindo uma série de riscos, quando um título de dívida do governo entrega um rendimento de quase 14%, como faz a atual Selic, sem nenhum esforço?

Relacionamento abusivo

Um segundo problema é que, ao fixar uma taxa básica muito elevada, o governo acaba puxando para cima o custo de obtenção de crédito para pessoas físicas e jurídicas.

A questão dos juros escancara o verdadeiro relacionamento abusivo entre o país e o mercado financeiro. A todo momento, somos instados a acreditar na eterna promessa de que um punhado de reformas "pró-mercado" vai baratear o custo do crédito. Basta confiar.

Lembra do auê em torno do "cadastro positivo" e de como ele ajudaria a identificar os bons pagadores? Esse é o exemplo mais conhecido de uma série de "agendas microeconômicas", como se diz no jargão do mercado, realizadas nos últimos anos para supostamente derrubar os juros.

Não se trata de negar a importância de algumas dessas medidas. Longe disso. Mas o fato é que, na vida real, o rotativo do cartão de crédito segue batendo inacreditáveis 400% ao ano. O resultado é um drama social que só se agrava: oito a cada dez famílias brasileiras estão atoladas até o pescoço em dívidas.

Mesmo assim, dia após a dia, continuamos a engolir analistas do mercado insinuando que tudo não passa de um problema "educação financeira" da população.

Ridicularização de quem pensa diferente

Na estratégia de naturalizar a agiotagem que vigora no Brasil, como se nada diferente pudesse ser feito, a Faria Lima aposta na ridicularização intelectual de toda e qualquer pessoa que ousa questionar o receituário padrão dos juros astronômicos.

E se engana quem acha que isso só se aplica aos "esquerdistas" do PT e companhia limitada. Isso vale tanto para o bolsonarista convicto Paulo Skaf, ex-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e histórico defensor da redução da Selic, quanto para André Lara Resende, um dos formuladores do Plano Real.

Resende, reconheça-se, tem obtido uma proeza: furar a bolha do pensamento único e desafiar a hegemonia ideológica da Faria Lima. Na semana passada, um manifesto de economistas — desses que a Faria Lima adora ridicularizar, como Nelson Marconi e Monica de Bolle — também trouxe uma importante contribuição, ao defender "razoabilidade" na definição da Selic.

Uma desaceleração, com pinta de recessão, desponta no horizonte do Brasil. Para voltar a crescer, é necessário destravar a economia, trazendo os juros para níveis civilizados, e resistir à chantagem da Faria Lima.

Mas isso só será possível com uma ampla mobilização da sociedade brasileira, fazendo dessa discussão um "trending topic". O país não aguenta mais sacrificar seu desenvolvimento em benefício de um pequeno, mas influente, clube de rentistas.