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Carlos Juliano Barros

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Trabalheira: Do OnlyFans ao Xvideos, será que até o pornô foi uberizado?

23/03/2023 04h01

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"Para as produtoras, está sendo péssimo, provavelmente. Mas para a gente é muito melhor."

Uma das mais conhecidas atrizes da indústria pornô no país, Emme White engatou na carreira quando a cena de conteúdo adulto ainda era dominada pelas produtoras que vendiam filmes a canais de TV fechada (ouça a entrevista de Emme para o podcast "Trabalheira" no arquivo acima, a partir de 07:34).

Hoje, no entanto, Emme se diz mais satisfeita e bem remunerada postando vídeos e performances, por conta própria, em plataformas como o OnlyFans e o Câmera Privê.

É difícil cravar uma cifra precisa sobre a grana movimentada pela indústria de conteúdo adulto, até porque a pirataria é bem expressiva nesse meio.

Mas só os números do OnlyFans impressionam — e muito. Fundada em 2016, na Inglaterra, a rede conta hoje com um leque de 1,5 milhão de "criadores de conteúdo" que movimentam US$ 5 bilhões ao ano.

O trabalho na pornografia nos tempos das plataformas digitais é o tema do primeiro episódio da terceira temporada do podcast "Trabalheira", disponível no arquivo acima.

Produzido pela Repórter Brasil e distribuído pelo UOL a partir desta quinta-feira (23), o programa já foi eleito um dos destaques do ano pelo Spotify.

Uberização ou "Star System"?

Seja seu próprio chefe. Faça seu próprio horário. Produza mais, ganhe mais.

As típicas propagandas da economia digital também foram transplantadas para a pornografia.

Por isso, a ideia de que o trabalho na pornografia também teria sido "uberizado", como acontece em apps de transporte e de entrega, ganhou tração na mídia e nas redes sociais. No entanto, há mais diferenças do que semelhanças.

"[Nas plataformas de conteúdo adulto], você tem lá três celebridades que reforçam a ideia de que você pode ser milionário. E aí você tem um monte de trabalhadores que recebem muito menos", analisa May Medeiros, produtora cultural com passagem pelo BBB e diretora de filmes adultos (a partir de 12:14).

"Acho que isso distancia um pouco da lógica dos motoristas por aplicativo e tal e se aproxima mais do que rola no entretenimento mesmo", complementa May.

Em outras palavras, o universo da pornografia tem mais a ver com o chamado "Star System", que concentra fama e dinheiro em meia dúzia de celebridades, do que com a lógica da uberização. Até porque, em apps de motoristas ou de entregadores, não há trabalhadores que ganham muito mais do que outros.

"Pornoproletariado"

Por um lado, a indústria do conteúdo adulto constrói estrelas que dizem faturar na casa do milhão por mês, caso da influencer paulista Mc Mirella.

Por outro, produz uma espécie de "pornoproletariado" — pessoas comuns, com poucos seguidores nas redes sociais, que lutam para conseguir um lugar ao sol e um pedaço do bolo bilionário da pornografia digital.

"Elas vão ter muito mais dificuldade para ter destaque dentro das plataformas porque os números delas não crescem rápido", afirma Lorena Caminhas, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) especializada no tema. "E elas vão ter que muitas vezes apelar para conteúdos mais explícitos", complementa (em 14:16).

Questão de saúde

A plataformização do trabalho na pornografia também traz efeitos colaterais preocupantes, como a exposição de atores e atrizes às ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis).

Na avaliação de May Medeiros, quando a indústria era comandada pelas produtoras e pelos canais de televisão, o próprio modelo de negócios impunha um controle maior sobre a saúde dos profissionais, até para evitar eventuais questionamentos na Justiça.

"Quando as pessoas começam a produzir conteúdo sozinhas, e aí elas convidam alguém para gravar, geralmente gravam em casa, você tem um acúmulo de funções muito maior, sem dúvida nenhuma. E você tem um desprendimento também de 'ah? tudo bem! Não trouxe exame? Ok! A gente não precisa fazer contrato, está tudo certo'", exemplifica a diretora (disponível em 21:15).

O podcast

A nova temporada do "Trabalheira" vai contar com cinco episódios, publicados sempre às quintas-feiras, neste espaço.

O programa é roteirizado e apresentado por este colunista, em parceria com a jornalista Ana Aranha, da Repórter Brasil.

Na próxima quinta (30), o "Trabalheira" fala sobre as pessoas que jogam videogame e fazem lives nas redes sociais não por diversão, mas por profissão.

Você pode conferir o programa no UOL, no Youtube, no Spotify, na Apple Podcasts e em todas as plataformas de podcast.

Ouça também o podcast "Brasil Para Maiores", sobre a era do pornô de celebridades no Brasil. O primeiro episódio (abaixo) conta como um ex-global e galã dos anos 1980 revolucionou a indústria de filmes adultos do país.