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Opinião

Trump é mais fruto da crise sindical do que do 'ódio branco', diz livro

Quando Donald Trump venceu as eleições presidenciais nos Estados Unidos, em 2016, boa parte dos analistas atribuiu a guinada à direita da cena política norte-americana ao "ressentimento" de homens brancos e empobrecidos do interior do país.

Em outras palavras, os conservadores habitantes de rincões decadentes teriam se deixado levar pelo discurso populista do "America First" (América em Primeiro Lugar), que prometia a volta a um passado idílico de prosperidade, por reação à perda de privilégios históricos e por uma certa inveja dos moradores de grandes centros urbanos cosmopolitas e progressistas.

É esse diagnóstico amplamente difundido que Ruy Braga, professor de sociologia do trabalho da Universidade de São Paulo (USP), coloca em xeque em seu recém-lançado "A Angústia do precariado: trabalho e solidariedade no capitalismo racial".

Publicado pela editora Boitempo, o livro é resultado de uma temporada do autor na Universidade da Pensilvânia, estado decisivo para compreender a chegada de Trump à Casa Branca.

Laços de solidariedade

Basicamente, Braga refuta a ideia da inveja como motor do crescimento da direita radical por um motivo bastante convincente: as classes trabalhadoras dos pólos desindustrializados do interior do país jamais aspiraram ao estilo de vida das "elites" descoladas e intelectualizadas de Nova York ou São Francisco.

O argumento central do livro é que as mudanças provocadas pelo que se convencionou chamar de neoliberalismo, a partir dos anos 1980, erodiram os laços de solidariedade construídos ao longo de três décadas de fordismo e de Estado de Bem-Estar Social, no pós Segunda Guerra Mundial.

E isso tem relação com o capitalismo profundamente racializado da maior economia do planeta. Ao longo das últimas quatro décadas, empregos precários e mal pagos deixaram de ser exclusividade de negros, latinos e outros grupos sociais historicamente estigmatizados.

Além da deterioração do mercado de trabalho, as populações que aderiram a Trump também assistiram à escalada de problemas antes restritos às grandes metrópoles, como a violência urbana e o tráfico de drogas.

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No entanto, o autor propõe uma interpretação que vai além da "narrativa do ódio branco" — a ideia de que "Trump representaria um sistema moral organizado pelo desejo de vingança daqueles que num mundo altamente competitivo foram deixados para trás".

Em momento algum, Braga nega a existência de racismo, homofobia e misoginia entre a típica classe trabalhadora branca norte-americana, aquela a que nos acostumamos a ver em filmes de época. Mas, por si só, o "ódio branco" não é capaz de explicar a história toda.

Quando Trump falava em retomar as indústrias perdidas para a China, por exemplo, ele não só atiçava o preconceito contra o país asiático, mas também ativava a memória de uma época em que os empregos eram mais estáveis, a seguridade social funcionava melhor e a renda não era tão concentrada. Um período, inclusive, em que os trabalhadores tinham mais tempo para dedicar às suas próprias comunidades. Tudo isso remete a uma evidente sensação de justiça.

A importância dos sindicatos

Por sinal, era uma época em que sindicatos tinham muito mais poder e prestígio do que hoje. No auge do fordismo, entre as década de 1950 e 1960, três a cada dez trabalhadores norte-americanos estavam associados a entidades representativas. Atualmente, o índice situa-se na casa dos 10%.

Para Braga, o enfraquecimento de movimentos organizados dos trabalhadores — "o maior responsável pela democratização das sociedades nacionais" — é uma das principais pistas para entender a queda da qualidade de vida da população, materializada na Grande Recessão de 2008, e a consequente ascensão da extrema direita, não só nos Estados Unidos, mas em todo o mundo.

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E ainda que reconheça o óbvio, que os sindicatos não atravessam o seu melhor momento, o autor deixa no ar um certo otimismo com as recentes experiências de organizações de funcionários da Amazon e da Starbucks, por exemplo.

O sucesso dessas novas iniciativas é, segundo Braga, essencial para conter a ameaça da extrema direita. Sem a efetiva garantia de melhores condições para o grosso da população que vive do trabalho, o espectro de Trump e companhia limitada continuará rondando por aí. A eleição de 2024 nos Estados Unidos que o diga.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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