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José Paulo Kupfer

PIB do Brasil, em dólar, cai abaixo do 10º lugar no ranking mundial; e daí?

12/11/2020 04h00

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Reportagem publicada pelos principais jornais e em seus sites, no começo desta semana, trazia no título a informação de que o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, medido por seu tamanho, cairia, em 2020, para o décimo segundo lugar, no ranking mundial. "Brasil deve deixar de ser uma das dez maiores economias do mundo", anunciavam os textos.

As reportagens se baseavam em levantamento dos economistas Marcel Balassiano e Claudio Considera, da FGV-RJ (Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro), a partir de informações do FMI (Fundo Monetária Internacional), extraídas de seu mais recente "Panorama Econômico Mundial", publicado em outubro. No "Panorama", o FMI calculou o PIB dos países - e a queda prevista para 2020 -, convertendo-os para uma base comum, que permitisse comparações.

Essas conversões foram feitas por duas métricas. Uma pela cotação corrente do dólar em cada país, e a outra, a partir de um dólar "teórico", medido pela comparação do poder de compra em cada economia. Esse método, que leva o nome de PPC (Paridade de Poder de Compra), é o que permite a comparação mais real e estável. No artigo de Balassiano e Considera, os recuos projetados para o PIB dos diversos países em 2020 também foram calculados em moeda local.

O exercício replicado no artigo da FGV mostra que o PIB brasileiro em 2020, segundo as previsões do FMI, recuaria 5,8%, em reais. Já em dólares correntes, a queda seria de 28,3%, um mergulho potencializado pela desvalorização do real ante o dólar, prevista para fechar com perda de pelo menos 30% em 2020. Medido em dólares com base em PPC, contudo, o encolhimento ficaria em 7,6%. Assim, como o PIB de 2019 alcançou R$ 7,3 trilhões, o tamanho da economia, em 2020, recuaria para R$ 6,87 trilhões, em reais, US$ 1,4 trilhão, em dólares correntes, e US$ 3,1 trilhões, em PPC.

No ranking das nações ao redor do mundo, em dólares correntes da época, o PIB brasileiro cairia da nona posição em 2019, com US$ 3,1 trilhões, para o décimo segundo lugar, ao recuar para US$ 1,4 trilhão, sendo superado por Canadá, Coréia e Rússia, nessa ordem. Em PPC, porém, do décimo posto em 2019, com PIB de US$ 3,2 trilhões, a economia brasileira subiria duas posições em 2020, ainda que com PIB menor, de US$ 3,1 trilhão. Mesmo com esse PIB um pouco menor, o Brasil superaria Reino Unido e França, cujo PIB, em PPC, ficaria em US$ 3 trilhões.

Consideradas todas as conversões, a pergunta que vem a seguir é: para que servem essas comparações, se o PIB, rigorosamente, continua do mesmo tamanho, refletindo a produção produção local na moeda local? Conhecer a posição do PIB de um país, no conjunto dos demais países, pode até dar uma ideia da posição relativa de cada um. Mas, como a comparação não leva em conta uma série de fatores, a começar das dimensões do país e o tamanho da população, a comparação deve ser tomada com as devidas ressalvas. Quando então, para efeito de comparação, a conversão é feita com base na cotação local do dólar, a comparação fica ainda mais sujeita a ressalvas.

A conversão pela cotação corrente do dólar, na verdade, não serve para rigorosamente quase nada. As cotações do dólar são ultravoláteis, e, além disso, os movimentos da taxa de câmbio, em cada país, dependem de uma série de elementos da economia doméstica, que diferem de economia para economia. Dependem também, entre outros fatores, da situação internacional, e da posição de cada país no comércio internacional.

Tudo considerado, o exercício não permite chegar a conclusões relevantes. "Essa mudança de posição do Brasil, passando de nona maior economia do mundo em 2019 para décima segunda em 2020, é explicada principalmente pela variação cambial", registraram Balassiano e Considera em seu trabalho, com uma dose de obviedade.

Cair ou subir de posição no ranking em dólares correntes, em resumo, é uma função da posição da taxa de câmbio local a cada momento. Qual será a cotação do dólar no fim do ano? Qualquer aposta pode mudar o tamanho do PIB brasileiro em dólares e, em consequência, sua posição no ranking mundial. Sem falar que a taxa de câmbio também depende, no geral, da política econômica, e, no particular, da política monetária e fiscal, que acabam determinando a taxa de juros. Taxa de juros e taxa de câmbio, em regimes de câmbio flutuante são vasos comunicantes.

Assim, a posição do PIB, convertido em dólares correntes, num ranking, é o tipo de informação sem grande utilidade, exceto reafirmar que a moeda local está mais ou menos desvalorizada. Tanto isso é verdade que, em PPC, o mesmíssimo PIB brasileiro subiu duas posições, entre 2019 e 2020, passando de décimo para o oitavo posto entre todas as economias, por tamanho da economia. Detalhe, em PPC, a economia chinesa já é a maior do mundo desde 2017, mais de 15% à frente da americana.

Mesmo servindo para muito pouco, a informação de que o PIB brasileiro escorregará para a décima segunda posição, em 2020, foi suficiente para animar redes sociais. "Parabéns aos envolvidos", cantaram os que aproveitaram a informação para mais uma estocada no presidente Bolsonaro e no ministro Paulo Guedes.

A economia brasileira, de fato, está bem fraca. Sem dúvida, a política econômica de Bolsonaro e Guedes é uma barafunda sem rumo. Por isso, a atividade econômica não consegue escapar da armadilha em que caiu com a recessão pesada de 2014 a 2016, sucedida por uma "recuperação" nada digna do nome, com expansão média anual de 1,3%, nos três ano seguintes, e agora coroados com uma contração estimada em pelo menos 4,5%, em 2020. Esse é um processo negativo que fará com que a década de 2011 a 2020 termine estagnada, com crescimento médio anual igual a zero.

São muitos - e não de hoje - os envolvidos. No mesmo "Panorama", do FMI, é possível observar um gráfico interativo, com a participação do PIB brasileiro no PIB mundial, convertido para dólares PPC, de 1980 a 2020, com projeção até 2025. De 4,28% do total, há 40 anos, a economia brasileira desceu uma ladeira contínua para chegar em 2,37% do PIB mundial, em 2020, e caminhar rumo a meros 2,18%, daqui a cinco anos. A economia brasileira foi ficando para trás, enquanto, outras, sobretudo as asiáticas, China na liderança, davam saltos para frente.